Deus, que é sumamente bom (Mc 10,18) e é Amor (1Jo 4, 8-16), criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, abençoou-os e lhes disse que fossem fecundos. Imagem e semelhança da Santíssima Trindade enquanto comunidade de amor. “Cristo quis nascer e crescer no seio da Sagrada Família de José e Maria. A Igreja não é outra coisa senão a “Família de Deus” doméstica como a família de Nazaré, em conformidade com o ensinamento do Catecismo da Igreja, (CIC 1655 a 1658).”
Esta realização pode ser, cada dia, mais cheia de bênçãos. E estas acontecem, na felicidade e no sofrimento, na saúde e na doença, na medida em que Deus esteja, sempre mais, no centro da caminhada do matrimônio. Estas nossas percepções são, com certeza, uma pálida ideia do matrimônio instituído por Deus e não pelos homens (Gn 1, 26-31 e 2, 18-25).
A construção do matrimônio deve começar pela sua preparação no seguimento dos conselhos do Senhor (Lc 6, 46-49, Mt 7, 24-27 e Lc 14, 28-33). Quanto amor não merece a preparação da união de duas vidas para construir uma família?!
O casamento que não gera filhos, desde logo se deve esclarecer, não é menos abençoado do que aquele que gera.. O ato de entrega mútua, com amor entre o homem e a mulher, que fazem na celebração do matrimônio, já é a bênção de Deus em suas vidas. Os filhos não são os únicos frutos possíveis. Há muitos outros, como o amor recíproco, o amparo dos pais de ambos, cuidar dos filhos espirituais e a dedicação para com a comunidade.
Sempre foi desejo do Criador proteger a indissolubilidade do casamento. Jesus deixou muito claro que a permissão de repudiar a mulher pelo marido (Dt 24,1-4) foi tolerada devido à dureza de coração dos homens daquele tempo (Mt 19,1-9 e Lc 16, 17-18), como um momento preparatório e provisório, esperando inserir sua lei no fundo de seu ser e gravá-la no seu coração (Jr 31,33).
Desde o tempo da Antiga Aliança, para o seguidor da vontade divina, o matrimônio era um ato sagrado perante Deus. Disse Tobias a Sara, sua esposa: “Somos filhos dos santos e não devemos casar como os pagãos que não conhecem a Deus” (Tb 8,1-5).
O Catecismo da Igreja (CIC 1616 e 1617), com apoio nos ensinamentos de São Paulo, compara os compromissos entre os esposos com a união de Cristo e da Igreja (Ef 5, 21-26 e 5, 31-32), afirmando no versículo 32: “Este sacramento é grande: digo-o com relação a Cristo e à Igreja.” Por conseguinte, foi pela perspectiva de São Paulo que a Igreja fundamentou a concepção sacramental do matrimônio.
O matrimônio é um sacramento, isto é, ato sagrado pelo qual a união do amor do homem e da mulher, manifestada pelo “sim” de um ao outro, torna-se santa, iniciando ambos uma nova vida em comunhão, sob a bênção de Deus e da Igreja. Que dignidade tem a união de um homem e de uma mulher que se dão um ao outro para que cada um colha a vida em abundância prometida por Jesus (Jo 10, 10)!
No entanto, a sociedade civil e a família têm passado por transformações, não só no Brasil como também em outros países, com a aprovação de leis do divórcio, possibilitando que as pessoas se casem mais de uma vez. A vigente Constituição Federal, diferentemente das precedentes, ao invés de referir-se à família, composta pelo pai, mãe e filhos, menciona a entidade familiar, que abarca não só os pais e filhos, mas também os membros oriundos de casamentos anteriores.
Qual é a posição do cristão e da Igreja frente a essa realidade?
O vínculo matrimonial faz parte da aliança de Deus com os homens: “o autêntico amor conjugal é assumido no amor divino e é guiado e enriquecido pelo poder redentor de Cristo e pela ação salvífica da Igreja para que os esposos sejam conduzidos eficazmente a Deus e ajudados e confortados na sublime missão de pai e mãe”. É o que ensina a encíclica Gaudium et Spes, nº 48. (Recomenda-se ler também os números 47 e 49). Os evangélicos sinóticos enfatizam a indissolubilidade do matrimônio (Mc10, 1-12 e Lc 16, 17-18).
O autêntico cristão não deve recear se contrapor às leis dos homens (Mt 10, 28-33). Deve antes servir de exemplo de que o matrimônio exige fidelidade inviolável e que o seu amor é definitivo, não condicionado a acontecimentos futuros e incertos. É dever do casal seguidor de Cristo refletir com suas atitudes e postura o amor entre os cônjuges, de modo a despertar idêntico comportamento nos outros casais ao agir como o sal da terra e a luz do mundo, (Mt 5,13-16).
O amor entre os cônjuges deve ser cultivado, aperfeiçoado e mais intenso do que o praticado entre os irmãos. Deus, que é amor, quer que os cônjuges, que não são dois, mas uma só carne, Mc 10, 8-9, cumpram a exigência evangélica do amor, recusando-se a dissolver o casamento, que se torna inseparável do mistério através do qual Jesus se une à Igreja para sempre e do sacramento pelo qual Ele induz os seus neste mistério.
É também da vontade divina a fidelidade conjugal (Mt 5, 27-28). O adultério é muitas vezes condenado nas Escrituras (Pr 2, 16-18; Mt 2, 14-16; Eclo 23, 22-27 e Hb 13, 4).
O casamento realizado com amor perante Deus, livre de toda forma de coação, com plena liberdade, constitui uma graça e uma bênção divinas, não podendo fracassar, sendo um caminho seguro para que o casal possa, com auxílio recíproco, se salvar, sendo atraídos a Cristo (Jo 12,32), cumprindo, assim, o desejo do Pai para que ambos tenham a vida eterna e sejam ressuscitados no último dia (Jo, 6,35-40).
Contudo, aqueles que optam pelo divórcio e voltam a se casar perante a lei civil, com o que a Igreja não concorda, nem por isso devem ser afastados da Igreja, que tem posição definida, ensinando: “a respeito dos cristãos que vivem nesta situação e geralmente conservam a fé e desejam educar cristãmente seus filhos, os sacerdotes e toda a comunidade devem dar prova de uma solicitude atenta, a fim de não se considerarem separados da Igreja, pois, como batizados, podem e devem participar da vida da Igreja.” (Cat. 1651).
A vida da família é cheia de tarefas repetitivas, que muitos chegam a considerar enfadonhas e aborrecidas. Aqueles, porém, que vão sendo tomados pelo amor da Santíssima Trindade, vão descobrindo a alegria até na repetição das tarefas mais simples. Descobrem que a vivência do grande mistério que é Deus conosco e Deus em nós (Cl 1, 25-27) ilumina, transfigura e faz sempre novas todas as tarefas. (Ap 21, 5). Essas atividades são sempre também oportunidades de partilha na Igreja doméstica.
A Igreja doméstica é o lugar da vivência do amor na família (1Cor 13, 1-13; Ef 6, 1-4). Infelizmente nossos pecados nos fazem cair, mas nossas quedas são também oportunidades de reconciliações verdadeiras (Lc 15, 11- 32); arrependimentos verdadeiros e perdões entre todos na família (Mt 5, 12 e Mt 18, 21-22).
Que a graça do Senhor Jesus Cristo, o Amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos nós (2Cor 13,13).
Wilson Cesca é advogado, escritor, agente de pastoral no Santuário Santa Rita de Cassia, membro da Academia Campineira de Letras e Artes, em Campinas- SP.