Após décadas de debates, o Brasil finalmente inicia a implementação da Reforma Tributária sobre o consumo. A mudança representa um marco institucional e promete transformar profundamente a forma como empresas e cidadãos lidam com os tributos. Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e das leis complementares de 2025, o país adota um novo modelo baseado no IVA dual, com transição prevista até 2033.
O novo sistema substitui diversos tributos por dois principais: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios. Além disso, será criado o Imposto Seletivo, voltado para produtos nocivos à saúde ou ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e veículos poluentes. Esse modelo busca simplificar a arrecadação, ampliar a transparência e reduzir distorções que afetam a competitividade entre setores e regiões.
A implementação será gradual e cuidadosamente planejada. Em 2026, terá início uma fase de testes com alíquotas reduzidas (CBS de 0,9% e IBS de 0,1%), sem aumento real da carga tributária, já que os valores pagos serão compensados com o PIS/Cofins. Em 2027, começa a arrecadação efetiva da CBS e do Imposto Seletivo. A transição segue até 2033, quando ICMS e ISS serão extintos e o novo modelo entrará em vigor por completo. Esse período será essencial para ajustes nos sistemas, declarações e operacionalização dos créditos fiscais.
Um dos avanços mais relevantes é o cashback tributário: famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico terão parte dos tributos devolvidos automaticamente. Essa medida busca tornar o sistema mais justo e progressivo, reduzindo o peso dos impostos sobre o consumo básico. As leis complementares aprovadas em 2025 também detalham os regimes de tributação, as regras de devolução e a interação entre o novo modelo e regimes especiais, como o Simples Nacional.
Uma dúvida recorrente é se o Simples Nacional será extinto. A resposta é não. A reforma preserva o tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas, incluindo o MEI. O Documento de Arrecadação do Simples (DAS) continuará existindo, e a legislação já prevê aplicação de créditos, reduções e isenções, além da interação com CBS/IBS em transações com empresas fora do Simples. O MEI manterá o recolhimento mensal simplificado, com foco na contribuição previdenciária. Além disso, empresas do Simples poderão optar por recolher CBS/IBS fora do DAS para aproveitar créditos tributários em operações B2B — uma decisão estratégica que exige planejamento.
Na prática, micro e pequenos empresários não precisarão mudar de regime, mas devem se preparar para emitir notas fiscais corretamente, organizar as vendas para empresas fora do Simples e compreender as regras de crédito tributário, que serão detalhadas em normas infralegais.
A reforma traz avanços significativos, como a simplificação real do sistema, substituição de múltiplos tributos por dois principais, ampliação dos créditos tributários com não-cumulatividade mais abrangente, redução do efeito cascata dos impostos e estímulo a investimentos. Também promove maior equidade entre setores, ao reduzir regimes especiais e tornar a concorrência mais justa.
Por outro lado, como toda mudança estrutural, a reforma apresenta riscos e desafios. Há possibilidade de elevação da carga tributária, especialmente para o setor de serviços. Persistem dúvidas sobre regras de crédito e regimes especiais, e a longa transição até 2033, com coexistência de normas antigas e novas, tende a aumentar a complexidade, principalmente para empresas que atuam em diversos estados ou negociam com órgãos públicos. A implementação do sistema de pagamento fracionado (split payment) também exigirá adaptação dos sistemas de pagamento e gestão de caixa.
Diante desse novo cenário, a contabilidade assume papel central. Mais do que cumprir obrigações fiscais, será essencial para o planejamento tributário, adaptação tecnológica, conformidade regulatória e sustentação da competitividade empresarial. A Reforma Tributária é um salto institucional que exige preparo, informação e estratégia. Empresas que se anteciparem às mudanças estarão mais bem posicionadas para crescer em um ambiente fiscal mais moderno, transparente e justo.
Márcio Massao Shimomoto, Ceo da King Contabilidade, presidente da JUCESP, conselho deliberativo da ACSP – Associação Comercial de SP