A gente quer balé porque não se vive só de pão. Mas como, igualmente, não se vive só de dança, a gente também quer comida. E vinho, alegria, saúde, amores, sonhos e trabalho.
A gente anda saudoso de delicadezas e de belezas, dos abraços e dos amparos, dos beijos e de expressões doces.
A gente anda saudoso das matas, do sorriso ao vivo e em cores, do contato da pele, dos olhos nos olhos, do encontro de mãos, da companhia, de se perder pelas ruas, de se encantar com o alarido das muitas e diversificadas falas, de cantar com o (a) outro (a), de andar pela cidade despreocupado da vida.
Estamos cansados de viver aos trancos e barrancos, estamos cansados de grosserias e de palavras vãs, de inconsequências e da violência.
Quem se interessa por armas?
A gente quer corações abertos, a gente anseia por almas.
A gente quer uma porção de coisas,“só precisa de um pouco mais de calma. De paciência”.
De resiliência.
Que o tempo não tarda.
Que o tempo sempre chega.
A gente está por um fio de navalha, mas não sai da linha e não perde o equilíbrio e segue a travessia porque acredita na esperança.
“Os velozes nem sempre vencem a corrida e os fortes nem sempre triunfam na guerra”.
A gente precisa manter a mente em forma para dançar quando chegar a hora e, quando chegar, a gente nem vai se lembrar dos desatinos, dos desconsolos e dos desalinhos; eles serão peças de lembranças distantes lançadas no museu das inutilidades, no lixo da história.
E, quando chegar a hora, a gente quer dançar no pé, quer o som do Tom Zé, o som do Wisnik, o ritmo do Parabelo do Corpo em estado de graça, de plenitude e de festas.
A gente quer uma porção de coisas, “só precisa de um pouco mais de calma. De paciência”. De resiliência. Que o tempo não tarda. Que o tempo sempre chega.
No árduo caminho que ainda percorremos, a gente perdeu a identidade.
A gente não sabe mais o significado da palavra ternura, esqueceu do afeto e relegou a cordialidade.
A gente quer se redescobrir, se reinventar, recuperar a autoestima e vai dizer não à tristeza, ao desdém, à zombaria e ao complexo de vira-lata renascido nestes tempos cínicos.
A gente quer reencontrar o xote, o chorinho, a bossa o forró, o baião, a embolada, o samba do morro, o carimbó, a moda de viola, o axé, a cantiga de roda, o frevo, o maracatu, o xaxado, o lundu (“e o Olodum balançando o Pelô”), o fandango e a chula.
A gente quer uma porção de coisas, “só precisa de um pouco mais de calma. De paciência”.
De resiliência.
Que o tempo não tarda.
Que o tempo sempre chega.
A gente deseja Caetanos, Chicos, Gals, Tons, Gils, Paulinhos, e os Mil-tons, a gente deseja Villa-Lobos e Bethânias.
“Maria Bethânia, please, send me a letter” e abra suas janelas (e portas) para quem saiam todos os insetos e entrem todas as abelhas grávidas de favos de mel, e entrem todos os ventos prenhes de perfumes de flores do campo e de boas novas e de vidas renovadas.
A gente quer a volta de todas as cores.
De todos verdes, amarelos, azuis e brancos e todos os vermelhos e lilases e rosas e grenás, todos os tons e todos os tons sobre tons, a gente quer o Rosa e o Machado, a Clarice e a Adélia, o Coelho e o Amado.
A gente quer cantar porque o canto sinaliza vida, quer brilhar e não passar fome, quer se despedir para sempre da miséria e comer todos os dias, viajar (se quiser), ser dona do próprio nariz, ter onde morar e desfrutar dos prazeres da carne e do espírito, a gente quer ser humano com todas as dores e contradições, com todos os prantos e comemorações e com a capacidades, sempre, de vislumbrar futuros.
A gente quer uma porção de coisas, “só precisa de um pouco mais de calma. De paciência”.
De resiliência.
Que o tempo não tarda.
Que o tempo sempre chega.
João Nunes é jornalista