Neste mês de outubro de 2025, na cidade de São Paulo, fizemos nosso Congresso de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, o HEMO 2025, da ABHH onde exerço a função de Diretor Científico. Certamente, um dos pontos altos de nosso evento, que contou com mais de 8000 participantes, mais de 2000 resumos, mais de 400 palestrantes convidados sendo cerca de 80 estrangeiros e etc., foi uma atividade denominada ABHH Mulheres. Esta foi uma das mais importantes ações demonstrando a crescente participação das mulheres em nossos eventos e atividades.
Eu tenho dito que a saúde, muito ligada ao cuidado dos seres humanos, é uma atividade predominantemente feminina. Cerca de 65% dos participantes de nosso evento, foram mulheres. Outro fato importante, é o constante desenvolvimento do projeto de equidade e essencialidade em nossa especialidade. Esta se tornou uma das mais importantes missões de nossa entidade.
Agora, vou contextualizar o que vem ocorrendo em termos mundiais muito em consonância àquilo que estamos tentando fazer em nosso meio. Como exemplo, coloco a Reunião Regional da Cúpula Mundial da Saúde (CMS) de 2025 , realizada de 25 a 27 de abril no Bharat Mandapam em Nova Delhi, Índia, reuniu mais de 5.000 delegados de mais de 60 países sob o tema “Ampliar o Acesso para Garantir a Equidade em Saúde”. Organizada pela Universidade NIMS e coorganizada pela Academia Manipal de Ensino Superior e pela Universidade Ashoka, a reunião entrelaçou oito tópicos temáticos com mais de 160 sessões destinadas a abordar os desafios de saúde mais prementes daquela região.
Dentre essas, 21 sessões (painéis de discussão e workshops) traziam explicitamente a palavra “equidade” em seus títulos, sinalizando que a equidade não era apenas um resultado a ser buscado, mas uma lente através da qual toda discussão deveria ser vista, desde que os próprios participantes defendessem e praticassem a equidade ao longo do discurso. Ao folhearmos o livreto da cúpula para ver quem iria falar, presidir e moderar as sessões com foco em equidade, uma disparidade notável se destacou: as mulheres estavam notavelmente sub-representadas em muitas dessas sessões.
Nos 21 painéis com temática de equidade, as mulheres representaram apenas 42% dos palestrantes (48 de 113), não chegando a compor nem metade do total. Na sessão “Saúde Mental Digital”, apenas uma mulher palestrou ao lado de cinco homens; da mesma forma, o painel “Equidade Global em Saúde por meio da Diplomacia” contou com uma mulher contra quatro homens. Mesmo nas discussões sobre a expansão da saúde digital, apenas uma em cada três palestrantes era mulher.
Os presidentes e moderadores que estruturaram e conduziram essas conversas tiveram um número um pouco melhor, mas ainda apresentam desequilíbrios na maioria das sessões com foco em equidade. As mulheres presidiram e moderaram 56% (18/32 membros) dos painéis sobre equidade, indicando progresso em cargos de liderança. No entanto, se as mulheres lideram discussões predominantemente compostas por vozes masculinas, o efeito geral pode permanecer distorcido. Em relação a credibilidade, o público espera que as discussões sobre justiça e inclusão fossem, elas próprias, justas e inclusivas.
Um painel sobre equidade em saúde que marginaliza as mulheres mina as suas próprias vozes e pode alienar os participantes. Em segundo lugar, as especialistas femininas visíveis, inspiram pesquisadoras, profissionais e formuladoras de políticas emergentes, especialmente em áreas como saúde, onde as desigualdades de gênero ainda persistem.
Os desafios da equidade se cruzam com as experiências de gênero; painéis diversos geram estratégias mais matizadas e eficazes do que painéis homogêneos. Para realmente “praticar o que se prega”, todas as futuras reuniões e quaisquer encontros com foco em equidade devem adotar três medidas.
Primeiro, estabelecer uma meta mínima de gênero: pelo menos 40% de mulheres palestrantes, presidentes de mesa e moderadoras em cada sessão sobre equidade, considerada um piso e não um teto. Por fim, publicar relatórios de avaliação de equidade pós-evento, resumindo as métricas de gênero e outras métricas de diversidade por sessão, celebrando os sucessos e identificando as áreas que precisam de melhorias.
O Encontro Regional da WHS de 2025 em Nova Delhi apresentou uma agenda ambiciosa para a justiça em saúde. No entanto, alcançar um impacto real exige que a equidade seja praticada em todos os encontros e eventos, em todos os discursos e em todas as sessões de perguntas e respostas. Ao definir metas claras, garantir transparência e acompanhar publicamente o progresso, os encontros futuros poderão não apenas discutir a equidade, mas vivenciá-la, impulsionando mudanças mais críveis, inclusivas e impactantes para todos.
Carmino Antônio De Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan, membro do Conselho Superior e vice-presidente da Fapesp, pesquisador responsável pelo CEPID CancerThera da Fapesp.











