Não bastassem todos os problemas que enfrentamos no Brasil, mais um chega para preocupar as famílias: praticamente oito a cada 10 meninas e jovens mulheres já sofreram com assédio on-line. A estatística aparece na pesquisa Liberdade on-line? – Como meninas e jovens mulheres lidam com o assédio nas redes sociais, realizada pela Ong Plan International Brasil com 14 mil meninas de 15 a 25 anos em 22 países, incluindo o Brasil, onde 500 meninas participaram.
No Brasil, o estudo será apresentado no seminário Conectadas e Seguras – Desafios para a presença de meninas no espaço on-line, em 8 de outubro, a partir das 17 horas, em parceria com o Ministério Público de São Paulo e a Escola Nacional do Ministério Público, com transmissão pelo YouTube. Das entrevistadas, 90% afirmaram que usam as redes sociais com frequência.
Entre as jovens que afirmam ter sofrido assédio, 62% das brasileiras disseram que a situação aconteceu no Facebook (39% no estudo global) e 44% no Instagram (23% no global).
No país, os ataques via WhatsApp também são relevantes, com 40%. Por conta disso, elas exigem ações urgentes das empresas de mídia social: 44% dizem que essas companhias precisam fazer mais para protegê-las.
Unidas, as meninas escreveram uma carta aberta ao Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, com o propósito de fazê-los quebrar o silêncio e criar formas mais fortes e eficazes de denunciar abusos e assédio. A carta está disponível em www.plan.org.br/conectadaseseguras e aberta para a assinatura dos interessados.
No estudo global, o tipo de ataque mais comum é a linguagem abusiva e insultuosa, relatada por 59% das meninas que foram assediadas, seguido por constrangimento proposital (41%), vergonha do corpo e ameaças de violência sexual (ambos 39%). No Brasil, os números registrados apresentaram algumas diferenças: o ataque mais comum também foi a linguagem abusiva e insultuosa (58%), seguido de ataques à aparência, incluindo vergonha do corpo (54%) e constrangimento proposital (52%).
Os comentários racistas (41%) e os homofóbicos (40%) tiveram percentuais relevantes.
Mais da metade (54%) das meninas brasileiras que são de uma minoria étnica e sofreram abusos afirmam que são atacadas por causa de sua raça ou etnia, enquanto quase a metade (44%) das que se identificam como LGBTIQ+ dizem que são assediadas por causa de sua identidade de gênero ou orientação sexual. No mundo, a questão homofóbica é ainda mais grave, atingindo 56%.
O assédio é praticado majoritariamente por pessoas estranhas (47%), anônimas (38%) e fora do círculo de amizade (38%), segundo o relato de meninas brasileiras.
O assédio é praticado majoritariamente por pessoas estranhas (47%), anônimas (38%) e fora do círculo de amizade (38%), segundo o relato de meninas brasileiras. O abuso tem um impacto profundo na confiança e no bem-estar das garotas, com 41% dizendo que cria estresse mental e emocional, 39% com sensação de insegurança física e 29% com baixa na autoestima e perda de confiança.
Ao descrever sua experiência de usar redes sociais quando menina, uma jovem de 20 anos disse: “Eu costumava receber muitas mensagens de meninos me pedindo para mandar nudes ou me chantageando sobre uma foto que postei. Ou geralmente me falando palavrões. Naquela idade foi, honestamente, horrível. Então, foi o pior momento da minha vida, entre 9 e 14 anos”.
O estudo descobriu que meninas que usam mídia social em países de alta e baixa renda estão cotidianamente sujeitas a mensagens explícitas, fotos pornográficas, perseguição on-line e outras formas angustiantes de abuso. O problema, segundo elas apontam, é que as ferramentas de denúncia são ineficazes para impedir o assédio.
A violência on-line fez com que quase uma em cinco (19%) das meninas assediadas no mundo parassem ou reduzissem o uso da plataforma onde a violência ocorria, enquanto uma em dez (12%) mudou a forma de se expressar. No recorte brasileiro da pesquisa, 39% das meninas que já sofreram assédio on-line ignoraram seus assediadores e continuaram usando a rede social da mesma forma.
Entre as brasileiras, 46% das meninas e de suas amigas enfrentam mais assédio nas redes sociais do que na rua. “Embora a pesquisa tenha como base as conversas com mais de 14 mil meninas em vários continentes, elas compartilham experiências semelhantes de assédio e discriminação”, afirma Anne-Birgitte Albrectsen, CEO da Plan International.
“Esses ataques podem não ser físicos, mas geralmente são ameaçadores, implacáveis e limitam a liberdade de expressão das meninas. Tirá-las dos espaços on-line é extremamente enfraquecedor em um mundo cada vez mais digital e prejudica sua capacidade de serem vistas, ouvidas e se tornarem líderes”, complementa.
“Sempre contamos que vivemos em um mundo inteiramente conectado, mas isso não é verdade. Existem milhões de pessoas sem acesso à internet e não garantir esse acesso é fazer com que essas pessoas fiquem para trás”, afirma Viviana Santiago, gerente de gênero e incidência política na Plan International Brasil.
“Acreditamos que estar conectadas é um direito de cada uma e de todas as meninas, mas estando conectadas as meninas precisam vivenciar um espaço seguro. A violência on-line tenta expulsar as meninas da internet da mesma maneira que diariamente tentam expulsar meninas e mulheres das ruas. A violência on-line é grave, causa danos reais e silencia a voz das meninas. Não aceitamos isso.”
As meninas convocam toda a sociedade para se unir e amplificar suas vozes. Vamos lá!
Janete Trevisani é jornalista – [email protected]