Na reflexão de hoje quero trazer um tema que está repercutindo e muito nas redes sociais; o tal bebê reborn. Posso contar com sua companhia para juntos analisarmos esse fato social à luz da psicanálise e da saúde mental? Ótimo, então vamos lá.
O bebê reborn é um tipo de boneca hiper-realista feita artesanalmente para se parecer o máximo possível com um bebê de verdade. O termo “reborn” vem do inglês e significa “renascido”, referindo-se ao processo detalhado e artístico pelo qual a boneca é transformada para ganhar aparência realista. Essas bonecas são geralmente feitas de vinil ou silicone e recebem camadas de pintura especial, cabelos implantados fio a fio, peso ajustado para simular o peso de um bebê real, entre outros detalhes como veias, manchas e até cheirinho de bebê.
A relação entre a psicanálise e a responsabilidade no uso do bebê reborn está profundamente ligada à forma como o inconsciente, os afetos reprimidos e os mecanismos de defesa atuam no psiquismo da pessoa que usa essa boneca. A psicanálise não julga o objeto em si (o bebê reborn), mas busca entender qual é o lugar simbólico que esse objeto ocupa na vida psíquica do sujeito.
O bebê reborn pode ser um objeto transicional, no sentido winnicottiano: algo que ajuda o sujeito a elaborar perdas, medos ou ansiedades, mas também pode funcionar como um objeto substituto, usado para negar ou reprimir um trauma não elaborado, como a perda de um filho, abandono ou carência afetiva. Na psicanálise, um sintoma é uma formação de compromisso: é uma maneira que o inconsciente encontra para se expressar.
O uso obsessivo ou simbiótico do bebê reborn pode ser visto como um sintoma de uma questão mais profunda, como maternidade idealizada ou frustrada; regressão a fases anteriores do desenvolvimento psíquico; recusa da castração (no sentido simbólico: aceitação dos limites, da perda e da falta).
A psicanálise parte do princípio de que o sujeito humano se constitui a partir da falta, e que não há objeto que a preencha totalmente. Um bebê reborn pode simbolizar o desejo de um retorno ao estado de completude, em que o bebê é “perfeito”, não chora, não cresce; é controlável. Isso pode indicar uma recusa do real, que envolve perda, imprevisibilidade, separação.
Pessoas com quadros de depressão profunda, psicose ou luto patológico podem usar o bebê reborn como uma forma de escapar da realidade. Isso pode gerar isolamento: afastamento da convivência social por apego excessivo à boneca. Perda de senso de realidade: em casos graves, a pessoa pode acreditar que o bebê é real. Algumas pessoas recorrem ao bebê reborn como substituto emocional após a perda de um filho. Embora possa ajudar temporariamente, o risco é uma forma de dependência emocional da boneca como forma de evitar o sofrimento real.
“E a responsabilidade nessa questão Dr. Thiago Pontes, onde adentraria?”, você poderia me perguntar. E eu lhe respondo que ela envolve um autoquestionamento, como por exemplo: “Por que eu quero esse bebê? O que ele representa para mim?”.
É necessário acolher o sintoma sem julgá-lo, mas também não reforçá-lo cegamente. Não podemos deixar de citar a responsabilidade do comportamento em evitar atuar no lugar do simbólico: quando a dor psíquica é silenciada com objetos ao invés de simbolizada pela fala, além de respeitar o tempo do sujeito, mas acompanhar para que o reborn não se torne uma forma de estagnação psíquica.
Essas bonecas podem ter um papel positivo em contextos de cuidado, afeto e até mesmo em processos terapêuticos, desde que seu uso não substitua ou oculte dores psíquicas que merecem ser acolhidas e elaboradas.
Não se trata de julgar quem possui um bebê reborn, mas sim de compreender que, como qualquer objeto que carrega forte carga simbólica, ele pode tocar em aspectos profundos da vida emocional de uma pessoa. Por isso, é importante estar atento aos motivos que levam à sua aquisição e à maneira como ele é integrado à rotina e ao mundo interno do sujeito.
Thiago Pontes Thiago Pontes é Filósofo, Psicanalista e Neurolinguísta (PNL) – Instagram @institutopontes_oficial