Um estudo chinês, publicado na revista Frontiers of Nutrition, e baseado em um banco de dados contendo informações de 470 mil pessoas – entre as quais 16.559 testaram positivo para a Covid-19 – buscou investigar as associações entre o padrão de consumo de diferentes bebidas alcoólicas e o risco de contrair o coronavírus. O padrão de consumo foi mensurado através de quantidade e frequência de uso de álcool, e não contabilizou local, nível e segurança de socialização ou cumprimento de medidas de segurança referentes à pandemia nos momentos de consumo.
No geral, o estudou encontrou um risco maior de desenvolver Covid-19 com o aumento do consumo de álcool. Mas também sugeriu que o risco seria de 10 a 17% menor em consumidores de vinho tinto em comparação com não bebedores.
Por outro lado, também descobriu que os consumidores de cerveja e cidra teriam entre 7% e 28% mais risco de contrair Covid-19 em comparação com os não bebedores. O vinho tinto só desempenhou efeito protetor para o vírus quando os indivíduos consumiram álcool acima ou o dobro das diretrizes de consumo moderado do Reino Unido (menor que 14 unidades por semana, sendo que uma taça de vinho corresponde a duas unidades).
Os autores discutem que, possivelmente, tal proteção seja devido às propriedades antioxidantes dos polifenóis e seus efeitos cardioprotetores, que podem dirimir os impactos que a Covid-19 traz ao coração. Tal discussão é válida, e merece ser estudada de forma mais minuciosa, mas é importante destacar que a pesquisa não provê nenhuma análise fisiológica de que este seja o caso.
Embora os autores do estudo tenham levado em consideração algumas variáveis socioeconômicas, como o nível educacional e o status de emprego, não fica claro como o status socioeconômico, em suas diversas manifestações, foi controlado pelo estudo. Além disso, os riscos de infecção por Covid-19 estão associados a muitos fatores, como o nível de isolamento social, a saúde geral, e a vacinação, que não foram considerados no estudo.
Outra limitação importante diz respeito aos padrões de consumo ligados aos diferentes tipos de bebida. Culturalmente, o consumo de vinho costuma estar associado às refeições ou ao consumo dentro de casa, enquanto os destilados e a cerveja ao consumo em bares, festas e outros locais externos, com maior número de pessoas.
Em síntese, há diversos “fatores de confusão” que podem ter influenciado os resultados. Dessa forma, seriam necessários mais estudos para que os supostos efeitos protetores do vinho para a Covid-19 fossem confirmados.
Por fim, é importante salientar que a literatura científica indica que o consumo nocivo de álcool é um fator de risco para maior severidade de Covid-19; este fato isolado, sem levar em conta que o consumo nocivo de álcool e fator de risco para mais de 200 outros transtornos e agravos, é suficiente para indicar cautela no consumo de álcool.
Além disso, em consonância com a literatura científica, a OMS preconiza que de forma alguma o consumo de qualquer tipo de álcool protegerá contra a Covid-19 ou impedirá que alguém se contagie com o coronavírus.
Nota de esclarecimento
Diante da repercussão do estudo chinês “Risk Appears to Vary Across Different Alcoholic Beverages”, publicado na revista Frontiers of Nutrition, o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), referência nacional no tema, considera relevante esclarecer que:
♦ A Organização Mundial da Saúde preconiza que o consumo de qualquer tipo de bebida não protege contra a Covid-19 ou impede a infecção provocada pelo coronavírus.
♦ O vinho tinto só desempenhou efeito protetor para a Covid-19 quando os indivíduos consumiram a bebida acima ou o dobro das diretrizes recomendadas do Reino Unido (menor que 14 unidades por semana, sendo que uma taça de vinho corresponde a duas unidades) e os autores atribuem a proteção às propriedades antioxidantes dos polifenóis.
♦ Evidências científicas robustas indicam que o consumo excessivo de álcool – acima dos limites conhecidos como moderado ou de baixo risco – está relacionado a diversas doenças e lesões. Além disso, de acordo com diversos estudos, o consumo abusivo de álcool pode enfraquecer o sistema imunológico, afetando as células de defesa e tornando o corpo um alvo mais fácil para doenças.
♦ Fatores de risco de infecção por Covid-19, como nível de isolamento e condições de saúde, e a vacinação não foram considerados no estudo. Também há outras variáveis complexas e difíceis de serem controladas, como status socioeconômico. Portanto, são necessários mais estudos para que os supostos efeitos protetores do vinho para a Covid-19 sejam confirmados.
O Cisa também manifesta preocupação sobre a forma como a população recebeu os resultados do estudo e reforça o alerta de que começar a beber ou consumir em excesso seja qual for o tipo de bebida alcoólica não é uma forma segura para a prevenção da Covida-19.
A vacinação e a adoção das medidas sanitárias (uso de máscara, higienização constante das mãos e distanciamento) são as melhores estratégias para diminuir o risco de contrair a doença, conclui a nota da entidade.
* Estudo, baseado em dados biomédicos do Reino Unido de 470.000 pessoas, entre as quais 16.559 testaram positivo para COVID-19, indicou um risco maior de desenvolver COVID-19 com o aumento do consumo geral de álcool, sugerindo, porém, que esse risco seria de 10 a 17% menor em consumidores de vinho tinto em comparação com não bebedores; enquanto que os consumidores de cerveja e cidra teriam entre 7% e 28% mais risco de contrair COVID-19 em comparação com os não bebedores.
Conheça o CISA
O Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) é uma das principais referências no Brasil sobre este tema e desde sua fundação, em 2004, vem contribuindo para a conscientização, prevenção e redução do uso nocivo de bebidas alcoólicas. É considerada uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e dedica-se ao avanço do conhecimento na área, atuando na divulgação de pesquisas e dados científicos com linguagem acessível.
Fonte: Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa)