Não nasci em Campinas, mas sempre senti que essa cidade me pertence. Sou natural de São Vicente e, aos dois anos, vim para cá com meus pais e meus três irmãos — Eliana, Márcia e Luiz. Foi aqui que nasceu nossa irmã caçula, Magda. Moramos por um breve período no Jardim Santa Lúcia, mas foi na Vila Lemos que criamos raízes. Mesmo depois de casar, atravessei apenas a rua — e continuo vivendo aqui.
Acompanhei de perto a evolução do bairro. Quando chegamos, as ruas ainda eram de terra e levaram tempo até serem asfaltadas.
Já se vão mais de cinquenta anos morando na mesma rua, cercada de lembranças, de vizinhos que fazem parte da nossa história e de uma Campinas que, a cada dia, se fez mais minha. Tenho o privilégio de ter três dos meus quatro irmãos morando na mesma rua.
Por falar em rua, quando nos mudamos para cá, ela ainda não tinha nome. Hoje, leva o nome do senhor que construiu, para suas duas filhas, a casa onde moro. Eu era uma criança bem travessa e adorava brincar na areia da construção. Esse senhor sempre aparecia para nos dar broncas por estarmos espalhando a areia. As filhas moraram pouco tempo por lá e, depois, a casa acabou ficando abandonada, até ser colocada à venda.
Compramos uma casa bastante destruída, mas, assim como o bairro que fomos ajudando a construir, eu pensava que não devia olhar para a casa como ela estava, mas como ela poderia ficar. Trouxemos para cá um pé de jabuticaba, uma primavera, mudas de samambaias, rosas, orquídeas e muitas outras flores. Aos poucos, a casa foi ganhando a nossa cara, sinto que assim como ocorre com a vida, estamos sempre em transformação.
Campinas também se transforma ao longo do ano, e uma das épocas mais bonitas é agora com a temporada dos ipês floridos. Mesmo nos dias mais nublados e frios do inverno, ou naqueles de céu azul e sol tímido, o colorido dos ipês espalhados pela cidade traz um acolhimento. Eles embelezam calçadas, parques e praças, tornando o inverno campineiro mais vivo, mais poético. O escritor Rubem Alves que morava em Campinas era um grande fã dos ipês e sempre deixava registrado em seus textos.
Aos 16 anos, comecei a trabalhar num banco que ficava no Largo do Rosário, bem no centro. Lá, pude presenciar da janela, durante o trabalho, diversas manifestações políticas e culturais que ajudaram a construir a história da cidade. Lembro de greves, candidatos políticos, shows que reuniam multidões.
Recordo um episódio pitoresco da época em que trabalhava no banco. Saímos numa noite tranquila, eu e alguns colegas — entre eles, um amigo que sempre levava o violão. Encontramos um lugar no centro para sentar e cantar, como fazíamos com frequência. Por acaso — ou talvez não — escolhemos as escadarias do monumento de Carlos Gomes. Ali, sob a luz amarelada dos postes, a música misturava-se ao ar fresco da noite e aos sons da cidade. Para nossa surpresa, descobrimos que a cantoria ocorreu exatamente no dia do aniversário de morte desse importante maestro. Gosto de pensar que foi uma homenagem a ele.
Caminhava muito pelo centro e sempre penso que, naquela época, era um espaço mais vibrante. Adorava ir aos cinemas de rua, andar pela 13 de Maio, visitar lojinhas de aviamento com minha mãe — ela era costureira. Hoje, confesso que sinto uma tristeza ao observar um centro mais abandonado.
Sempre gostei muito de ir ao Mercado Municipal, o famoso Mercadão. Aquele ambiente colorido, cheio de aromas e sons, sempre me encantou. As bancas de frutas, os temperos, os balcões com queijos e especiarias e o movimento das pessoas formavam um cenário que, para mim, é pura memória afetiva. Lembro de tomar garapa com meu pai em uma das banquinhas internas. Ir ao Mercadão era mais do que fazer compras — era vivenciar a alma da cidade.
Nas férias, costumava visitar minha avó de trem, partindo da antiga estação que hoje é a Estação Cultura. A viagem era um evento por si só, cheia de expectativa e alegria.
Quando meu filho Marcos chegou para morar conosco, aos cinco anos, vindo de outra cidade, fizemos questão de apresentar Campinas a ele para que se sentisse parte do lugar.
Passeamos muito pelas ruas do centro da cidade e também aos parques: a Lagoa do Taquaral, o Bosque dos Jequitibás, o Parque Ecológico, o Parque das Águas. Foi bonito ver a cidade pelo olhar e encantamento de uma criança. Essa fase me fez reconhecer Campinas com outro olhar — mais atento, mais grato, mais esperançoso.
Também fui testemunha de momentos marcantes que entraram para a memória coletiva de Campinas. O incêndio no supermercado Eldorado, assim como a trágica morte do prefeito Antônio da Costa Santos, o Toninho, que abalou não só a política local, mas também o sentimento de segurança e esperança de muitos campineiros.
Mas foi o jornalismo que me apresentou uma Campinas muito além do que eu conhecia e, até hoje, credito ao meu ofício a oportunidade de enxergar além do que os meus olhos podem ver.
Claro que uma cidade também é palco de chegadas e partidas dos nossos amores — momentos que nos marcam, que moldam o nosso olhar sobre o tempo e sobre quem somos. Campinas me ensinou a viver essas transformações com ternura e pertencimento.
Se eu tivesse que escolher uma cidade para morar, seria sempre Campinas. E, mesmo sem nunca ter deixado de viver aqui, lembro-me de uma canção do Roberto Carlos, O Portão, que define bem meu sentimento quando viajo para outros lugares e volto: “Eu voltei, agora pra ficar, porque aqui, aqui é o meu lugar.” Para escutar a música: https://www.youtube.com/watch?v=ZKYBpP4iGEk&t=1s

Kátia Camargo é jornalista, assessora de comunicação e escritora