O dia 7 de abril foi instituído como o Dia Nacional de Combate ao Bullying. A intenção é chamar a atenção para os problemas que essa violência causa. Em meio à pandemia de Covid-19, que obrigou a suspensão das aulas presenciais, os pais, responsáveis e professores devem se atentar para o cyberbullying, que acontece de forma on-line.

De acordo com a psicóloga e orientadora pedagógica do Colégio Oficina do Estudante, Priscila Gil Neto, normalmente, os jovens não querem se sentir expostos. “No contexto atual, isso pode ser percebido, por exemplo, com o receio de abrir a câmera durante uma aula on-line, devido a possibilidade de algum colega printar a tela, criar uma figurinha com a imagem e com o seu uso promover uma gozação. É uma questão real: não é porque os estudantes estão fora da escola, que o bullying acabou. A prática apenas trocou de ambiente”, avalia.
Segundo Luciene Tognetta, professora doutora do Departamento de Psicologia da Educação da Unesp Araraquara e líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), da Unesp e da Unicamp, há uma grande possibilidade de as pessoas que viviam o bullying presencial, hoje, passarem por situações de cyberbullying. “Existe na literatura, nas pesquisas, uma correspondência em ser alvo de bullying e continuar sendo alvo de bullying na vida virtual. Ser autor de bullying na vida real e, potencialmente, ser muito mais autor de cyberbullying ou de outros tipos de cyber agressão na vida virtual, em que a sensação de impunidade, de anonimato e a falta da representação da pessoa na frente, de vê-la, de ver os seus gestos, de ver os seus sentimentos, de saber como ela se sente, torna então a capacidade empática do sujeito diminuída”, explica.
De acordo com a profissional do Gepem, no mundo virtual atual existem muitas cyber agressões, que incluem o cyberbullying.
“O cyberbullying é um tipo específico de cyber agressão que acontece entre pares. Porém, existem essas mesmas agressões, como zoar, caçoar, intimidar, ameaçar, postar nudes, provocar, cancelar. São todas cyber agressões, que podem ser feitas também por pessoas desconhecidas, que muitas vezes não fazem parte do convívio deste grupo social, da comunidade que o sujeito pertence, portanto, não são cyberbullying, mas são cyber agressões”, explica Luciene.
Priscila esclarece que a internet possibilita que os insultos, humilhações, violências psicológicas, intimidações e constrangimentos, que caracterizam o bullying (neste caso, o ciberbullying), sejam realizados e propagados com extrema velocidade, a distância e tomem proporções incontroláveis. Quando a prática ocorre, por mais que não seja no ambiente escolar, frisa, reflete naquele espaço. Deste modo, em muitas ocasiões – para não dizer todas -, a mediação dos possíveis conflitos, suas consequências e resolução requerem participação de membros das equipes pedagógicas.
Luciene recomenda atenção aos sinais de sofrimento. “Quando a criança não quer mais ir pra escola, quando o adolescente se nega a ter contato com amigos, não quer frequentar festas, chora por qualquer motivo, sente dores de cabeça, de barriga, frequentes, começa a ter explosões de raiva, se distancia das pessoas, são os sinais de que alguma coisa na relação entre pares não vai bem”, elenca.
“Costumamos dizer para os pais que eles, em sã consciência, não deixariam seus filhos sozinhos, durante a noite, na Praça da Sé, em São Paulo. Então, não há motivo para não supervisioná-los no ambiente virtual, permitindo que eles fiquem vulneráveis”, reforça a coordenadora pedagógica do Oficina, Priscila Gil Neto.
Luciane reforça que os efeitos da prática nas vítimas causam um caos. “. A pressão social é grande e ela se sente diminuída diante de seus pares e se sente incompetente, incapaz de se defender. Com vergonha de passar por aquela situação e não tem força suficiente para brecar os avanços dessa violência. Sua vida se torna um caos, ela pode desenvolver várias doenças psicossomáticas, como ansiedade, automutilação, pensamentos suicidas porque ela não vê outra saída senão se proteger dessa forma” explica.
Ela reforça que a escola era o único agente capaz de encaminhar os problemas de relacionamento, de aprendizagem de valores, de agressão doméstica, de como lidar com essas questões virtuais, que estão acontecendo agora. “Se não temos a escola presencialmente, não temos muitos meninos e meninas que têm acesso direto aos seus educadores. Portanto, nesse dia de combate ao bullying, que é um dia nacional, não temos muito a comemorar porque os problemas de bullying ainda que não estejam acontecendo, em vista dessa não presença, nós temos problemas muito mais sérios que nossos meninos têm passado. Nossas escolas, infelizmente, não têm os recursos necessários para dar conta desses encaminhamentos e nem mesmo para dar conta de métodos mais eficazes para fazer com que estes meninos e meninas saibam como se defender e como construir valores morais que tanto nos falta”, aponta Luciane.
Violência
De acordo com Luciene, bullying é um tipo de violência ou psicológica. O agressor escolhe um alvo frágil para passar por situações constrangedoras. Então ele bate, xinga, inventa mentiras, rouba, sempre na presença de um público, sempre com alguém que saiba daquele tipo de menosprezo ao qual o outro foi submetido. “É uma ação violenta que tem um autor com a intenção de ferir, que se repete por várias vezes. Tem uma vítima frágil, que se vê com pouco valor e que não consegue se defender dos menosprezos, e é um tipo de violência característica da relação entre pares, ou seja, entre aluno e aluno, professor e professor, entre pai e mãe, nunca entre pai e filho ou professor e aluno. É na mesma hierarquia de poderes”, define.
Segundo ela, é um tipo de violência caracterizada pelo alto grau de crueldade. “Não é mais frequente do que outros problemas que acontecem na escola, porém, a crueldade do bullying é maior do que os problemas de indisciplina, palavrões, ou de incivilidades ou transgressões às regras”, finaliza.
Denuncie
De acordo com a SaferNet Brasil, associação civil de direito privado que trabalha para promover a conscientização de como usar a internet de maneira livre e segura, o ciberbullying pode ser denunciado e os agressores punidos quando provado ato infracional. De acordo com a ONG, a maioria dos casos pode ser solucionado de forma mais simples, com a mediação dos conflitos ou com a remoção do conteúdo que prejudica alguém. “Quando não há possibilidade de identificar o agressor e/ou não há espaço para resolver de forma mediada e preventiva, o caso pode ser comunicado ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público ou à delegacia de polícia quando houver atos infracionais, como agressão moral ou física”, aponta.
É importante gravar todas as mensagens e imagens ofensivas recebidas e bloquear os contatos. A vítima ou responsável legal deve fazer um boletim de ocorrência com as provas – mensagens, fotos, e-mail, número de celular da origem das agressões, endereço das páginas, perfis e publicações – para que se iniciem as investigações. Escola, família e testemunhas são corresponsáveis e podem ser responsabilizadas por omissão caso negligenciem os sinais e as consequências do ciberbullying.