Vivemos um tempo de guerra de narrativas e não é diferente com relação aos resultados da COP30, encerrada no último sábado, 22 de novembro, em Belém (PA). Como jornalista que acompanhou o nascimento de toda essa discussão, cobrindo a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em junho de 1992, no Rio de janeiro, entre outros eventos internacionais definidores da agenda socioambiental atual, como a Conferência Internacional Variações Climáticas e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas (ICID), em Fortaleza (CE), em fevereiro do mesmo ano, entendo que a questão climática é cada vez mais complexa, multifacetada. O resultado de uma reunião da dimensão da COP visto de forma binária, dualista, não é completo.
Então vamos por partes. Do ponto de vista da localização da Conferência do Clima de Belém, a trigésima entre as partes (países) da Convenção Quadro do Clima da ONU, foi um sucesso a COP da Amazônia. Claro, houve toda a discussão do alto preço das acomodações e alimentação, mas com certeza fez muita diferença para muita gente que participou estar bem ao lado da grande floresta tropical, tema de tanta polêmica (e muito desconhecimento) nas últimas décadas.
Foi muito pedagógico para diplomatas, negociadores e ativistas do mundo todo estar ali, sentindo a atmosfera, o cheiro da Amazônia, mas sobretudo tendo contato com seus moradores, com os amazônidas que protegem a floresta, mas que também sofrem as consequências das históricas estruturas sociais injustas do Brasil. Foi pedagógico, em especial, o cara a cara com os povos indígenas, que foram muito determinados para a capital paraense, expor seus dramas e sua força em conservar a biodiversidade, os recursos naturais em geral e a alma do bioma.
Presenciei o grande salto da mobilização indígena da Amazônia estando presente no I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em Altamira, em fevereiro de 1989, e considero que o avanço de seu protagonismo, na defesa de seus direitos, tem sido muito assertivo, além de muito colorido, o que pôde ser presenciado nas ruas de Belém. A citação da importância da defesa dos territórios dos povos indígenas, no contexto do enfrentamento das mudanças climáticas, no principal documento aprovado na COP30, o Mutirão, é uma vitória histórica dos povos tradicionais, assim como é histórica a mesma referência aos afrodescendentes.
Mas a COP30 não foi pedagógica apenas para quem esteve lá, em termos do contato com a realidade da floresta. A COP da Amazônia ensejou a realização de incontáveis eventos por todo o Brasil, e provavelmente pelo mundo todo, sobre as mudanças climáticas, seus impactos e quais os caminhos para enfrentá-las. E nesse sentido foi mais um sucesso da Conferência, pois abriu muitas mentes e disseminou muita informação.
Senti isso ao ter participado, como convidado das professoras Gisele Bertinato e Silvana Nader, de uma palestra sobre as perspectivas da COP30 para alunos da Facamp no início de outubro. Era impressionante a atenção e o interesse daqueles jovens alunos e alunas sobre a temática do clima e meio ambiente em geral. Me lembrei de um jovem idealista como eles sentado em uma sala de aula na Unimep em Piracicaba no início da década de 1980.
Mas vamos aos resultados da COP30 em si. As Conferências do Clima seguem regras que praticamente impedem qualquer avanço mais substantivo na luta pelo clima. As COPs não conseguiram impedir o que mais interessa, a escalada da emissão de gases de efeito estufa (GEE), em particular o dióxido de carbono (CO2), resultado da queima de combustíveis fósseis como petróleo, carvão e gás. Pelo contrário, as emissões aumentaram muito. Entre 1850, no começo da Era Industrial, e 1991, um ano antes da Conferência do Rio de Janeiro, foram emitidas 1,44 trilhão de toneladas de CO2, nas estimativas de Carbon Brief. Entre 1992 e 2021, a emissão foi de 1,05 trilhão de toneladas.
O que impede o progresso mais efetivo nas COPs do Clima é que seus documentos têm que ser aprovados por consenso de todas as partes, ou seja, dos países representados, e não por votação, como ocorre em outras instâncias do Sistema das Nações Unidas. Então basta uma posição contrária que uma decisão pode ser anulada.
E é o que tem acontecido nas últimas três décadas. Os países produtores de petróleo, e particularmente a Arábia Saudita, têm barrado qualquer tentativa de menção nos textos finais das COPs à urgência de eliminação, mesmo que progressiva, dos combustíveis fósseis. Foi apenas na COP28, em Dubai, que um documento final citou as palavras combustíveis fósseis.
O lobby da Arábia Saudita e do setor dos fósseis em geral se fez igualmente presente em Belém e nem poderia ser diferente. A delegação de lobistas dos combustíveis fósseis, de 1600 membros, foi a maior da Conferência, exceto, obviamente, a brasileira, que tinha 3805 membros. Os defensores dos fósseis e negacionistas da ciência climática estavam em todos os múltiplos locais de negociação, barrando como podiam avanços maiores.
O impasse foi tão grande, entre de um lado o grande número de países que defendiam um roteiro concreto para a substituição dos fósseis por energias renováveis e, de outro, aqueles que querem adiar ao máximo a transição energética, que um documento de consenso apenas pôde ser aprovado na plenária final, na madrugada de sábado, 22 de novembro, com os negociadores exaustos, em função da habilidade tradicional da diplomacia, em particular da brasileira. Não houve menção direta à substituição dos fósseis, mas à necessidade de fortalecimento do chamado Consenso de Dubai, como foi denominado o documento final da COP28.
O Consenso de Dubai destaca a necessidade de “transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa”, de modo a reduzir a emissão dos GEE. Assim, o Mutirão, documento final da COP30, faz uma referência apenas indireta, velada, à necessidade de substituição dos fósseis.
Enfim, as regras das Conferências do Clima, de aprovação por consenso das decisões, continuaram válidas para a COP30 e grande parte dos documentos finais com certeza frustrou ambientalistas, ativistas em geral e cientistas, e também para muitos países como a Colômbia e aqueles mais vulneráveis às mudanças climáticas, como os insulares, que se empenharam muito por avanços mais concretos desde a Conferência de Belém.
Assim, decisões sobre financiamento da transição energética, medidas de adaptação e mitigação e outros aspectos em discussão em Belém foram tomadas muito longe do ideal e do que a emergência climática global exige. Entretanto, é preciso considerar que a COP da Amazônia teve muitos outros resultados positivos, como a sua dimensão pedagógica, para os participantes e Brasil e mundo afora.
Um dos principais pontos positivos foi o lançamento oficial, e com sucesso, do Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF na sigla em inglês), durante a Cúpula do Clima, em Belém, dias antes da COP propriamente dita. A ideia do Fundo foi apresentada pelo presidente Lula na COP28, em 2023, em Dubai, e sua formatação foi amadurecendo até o lançamento na capital paraense.
A ideia é que os países que mantenham sua floresta tropical em pé sejam remunerados por isso. Os povos indígenas e comunidades locais que contribuem para conservar os ecossistemas também são compensados com boa parte dos recursos destinados ao Fundo. Manter as grandes florestas conservadas é fundamental porque seu desmatamento é uma fonte substancial de emissão de GEE em muitos países, como no caso do Brasil. Aqui, ao contrário de países industrializados, a mudança no uso da terra, como os desmatamentos, a agricultura descontrolada e a pecuária, são a maior fonte de emissão de GEE. Em outros países, são a indústria e outros setores.
Depois do aporte inicial do Brasil, de US$ 1 bilhão, o TFFF saiu com mais US$ 4,5 bilhões da Cúpula do Clima, com as destinações de US$ 3 bilhões da Noruega, US$ 1 bilhão da Indonésia e US$ 500 milhões da França. Não resolve o problema do desmatamento, mas já é um volume substancial para proteger partes importantes dos ecossistemas ameaçados. A expectativa é de ampliar muito o Fundo nos próximos anos.
Em resumo, a COP30 terminou como esperado. Com certeza não era realista a expectativa de decisões revolucionárias. Mas foi mais um passo na luta urgente contra o aquecimento global. E reafirmou a certeza de que apenas uma mobilização efetiva, contínua, da cidadania global resultará nas mudanças necessárias. E elas já estão acontecendo. Os investimentos em energias renováveis, como solar e eólica, já estão superando investimentos em fósseis, que, entretanto, continuam muito altos. Então a luta continua, sempre.
Continua por exemplo na necessidade de superação do etarismo ambiental, que continuou vigente na COP30. A exemplo das COPs anteriores, os documentos finais da Conferência de Belém não fazem qualquer referência explícita aos impactos das mudanças climáticas nas pessoas idosas, especialmente vulneráveis aos eventos climáticos extremos. Então ainda há muito chão pela frente.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com.











