Quase seis décadas depois, Conceição Geremias revisita sensações do início da carreira vitoriosa no atletismo. Aos 68 anos, sente aquele mesmo frio na barriga e tenta afastar as dúvidas que acompanham todo iniciante antes de uma estreia. Sim, Conceição Geremias está de volta à pista! Neste sábado (22), a atleta olímpica e recordista sulamericana do heptatlo inicia na carreira paralímpica, durante a 1ª Etapa do Circuito/Copa/Aberto SP – 2025 de Atletismo e Natação, que acontecerá no CT Paralímpico Brasileiro, em São Paulo.
Conceição Geremias amputou parte da perna esquerda há menos de um ano, no dia 9 de maio de 2024. Foi o desfecho para mais de seis meses de internações, infecções, intubações e dias em coma na UTI, resultantes de complicações após se submeter a um procedimento para correção de fascite plantar – que deveria ser simples.
Os problemas que se seguiram após a operação levaram a atleta máster a uma agonia de idas e vindas aos hospitais, que por pouco não custaram a própria vida. Depois da amputação, mais meses de hospital se somaram para combater a infecção que ameaçava a perna direita e se recuperar da provação que foi 2024.
É com um sorriso no rosto e uma resiliência admirável que a campineira descreve a gravidade dos eventos do último ano. Em dezembro de 2023, Conceição Geremias participava de uma competição de vôlei, esporte que dividia com o atletismo sua preferência na carreira como máster. Um pequeno incômodo nos pés deu início à mudança radical de vida de uma das mais destacadas atletas do Brasil. Agora, 15 meses depois, Conceição calcula a rota para retomar a vida como esportista. A Paralimpíada de 2028 não está fora dos planos.

O tratamento e a reabilitação continuam; o pé direito ainda está em cicatrização, mas Conceição se sente pronta voltar às competições como atleta paralímpica. Foi esse objetivo que a manteve determinada a superar todos os percalços.
Expectativas
A perna esquerda foi amputada pouco abaixo do joelho e o pé direito ainda necessita de tratamento para completa cicatrização. Mais de R$ 200 mil, juntados com a colaboração de amigos e apoiadores, e uma vaquinha virtual, foram gastos até o momento na recuperação, que segue em curso.

Conceição respondeu às provações apoiada pelo que mais gosta de fazer na vida: competir. Foi o esporte, conta, que lhe deu uma nova perspectiva para enxergar a nova condição física com resiliência e aceitação.
“Quando voltei da cirurgia de amputação, perguntei ao médico o quanto tinham cortado a minha perna. Quando ele me falou que tinha sido abaixo do joelho, respirei aliviada e acho que até fiquei feliz. Sabia que assim teria melhores chances no esporte paralímpico”, relata, confirmando que enquanto aceitava a realidade da amputação, dirigia o foco para o que aquela situação poderia lhe trazer de positivo.
“Nunca desisti nem achei que aquele seria o fim de tudo que construí no esporte. Sempre soube que aquelas dificuldades me ensinariam algo e trariam algo de positivo lá na frente. A ajuda dos meus amigos, da minha família e de instituições tinha que significar alguma coisa, eu precisava estar à altura de todo aquele apoio”, conta.
Wagner Oliveira, protesista e ortesista da Próteses News, cuida da reabilitação de Conceição e só faz elogios ao empenho da atleta. “Estamos na fase de trabalhar fortalecimento muscular, equilíbrio e grande amplitude. Com a Conceição empenhada, é muito mais fácil trabalhar. Estamos alguns meses com ela e houve uma melhora muito eficiente”, avalia. “O fato dela ser atleta traz um benefício muito grande, ela é muito esforçada, nos faz trabalhar por ela de uma forma muito eficaz”, conclui.
A competição
Na sexta-feira (21), a atleta passou por avaliação que definiu sua classificação paralímpica. A classe é atribuída com base nas limitações físicas ou intelectuais. Como ainda não possui a prótese específica para competições, Conceição disputará sentada as provas de arremesso de peso e lançamento de dardo e de disco.
A categorização pode mudar assim que conseguir a prótese específica para competições, que custa perto de R$ 28 mil. Uma empresa já lhe prometeu a doação do equipamento. Todo condicionamento para o futuro uso da prótese e a reabilitação pós-amputação é realizada na Prótese News, em Campinas.
“Ainda estou em fase de fortalecimento, me adaptando à nova condição, mas estou treinando firme e determinada como sempre”, avisa Conceição, que se juntou à equipe da Associação Paraolímpica de Campinas.
Com três participações nos Jogos Olímpicos, uma medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos e um recorde sul-americano vigente durante 25 anos, todos no heptatlo, Conceição não terá problemas com as técnicas das provas, mas nem sabe o que esperar do novo ambiente de competições.
“É tudo novo pra mim. Os movimentos, é claro, nunca esqueci, mas não sei o que esperar da força e das condições de competição. Esse torneio será um marco. A partir dele é que vou traçar minhas metas e meus objetivos”, avisa.
Ícone do atletismo
Conceição Geremias superou barreiras no atletismo em um tempo em que a participação feminina ainda era tímida nos esportes. Nascida em 23 de julho de 1956, o esporte surgiu para ela quando ainda trabalhava na roça da Fazenda Santa Elisa, zona rural de Campinas. O atletismo foi a alternativa de vida à qual se agarrou em busca de ampliar o futuro.
E os anos seguintes ultrapassaram tudo o que ela sequer sabia que poderia conseguir. É a única mulher nascida em Campinas a disputar três olimpíadas e também a segunda mulher brasileira a ganhar ouro no atletismo dos Jogos Pan-Americanos.
O recorde sul-americano do heptatlo conquistado por Conceição em Caracas/1983, de 6.017 pontos, foi superado apenas nos Jogos Olímpicos de Seul/2008, por Lucimara Silvestre da Silva, que alcançou 6.076.