Abri o computador para escrever algo sobre a vida e acabei esquecendo o assunto. Demorei para lembrar a senha do computador. Já faz algum tempo que resolvi dar umas férias às palavras e as tais senhas desapareceram da memória.
Tenho senhas para cartões, um botão personalizado para acionar o portão do prédio, outro para abrir o portão da garagem e, bem, ainda tenho chave para abrir a porta do apartamento. E a senha para abrir o computador.
E nessa roda quem dança é a memória. E nessa dança acabei esquecendo o almoço com o meu filho Pablo (achei que seria no sábado) e acabei perdendo uma tilápia com batatas. E levei bronca da companheira e do filho. Agenda. A moça que manda em mim sempre me orientou a escrever meus compromissos na agenda. Mas ninguém me disse como me lembrar de escrever tais compromissos em uma agenda. Sei que isso pode ser compreendido como uma desculpa esfarrapada. E é. Mas é assim que venho tentando me lembrar de mim. E eis aí outra desculpa esfarrapada.
Não consigo abrir o computador e ligo à moça que manda em mim se ela sabe a senha. Ela diz e eu consigo retomar as rédeas do teclado eletrônico. E assim cá estou, catando milhos no teclado, assim como as galinhas nos quintais brasileiros. E assim estou apartado das ruas e calçadas da minha cidade. Não ando mais por aí.
Não vejo mais os amigos de muitos anos, daqueles de boa prosa, de muita viola e conversa de vida. Ando vendo com o ouvido: o ator Marcos Tadeu me liga e quer saber da gente. O violeiro Clayton Roma faz o mesmo. O Dilson Rocha, grande historiador do Cambuí, lá de São Paulo, me manda notícias pelo zape – quem diria, hein? E eu vou levando a cacunda solitária como posso, mãos cruzadas atrás da costa e olhando atento para os buracos da calçada.
De um jeito e outro estou levando as minhas carnes, ossos, nervos e paciência pelas caminhadas que faço de manhã, lá no Bosque ou, quando me dá na telha, na Lagoa do Taquaral. De tardinha gosto de andar pela pracinha da Igreja São Paulo. Daí passo na padaria Sacramento e compro dois pacotinhos de torradas para a sopa da noite. E assim a tarde se escoa e a noite chega…
Ainda sinto o aroma das tardes do meu velho Taquaral, dos jardins de muros baixos, do aroma de tantas mães que se reuniam na calçada, todas elas de banho tomado e perfumadas; e todas elas aguardando maridos com cheiro azedo de cerveja e suor de mais um dia de trabalho.
Sempre acordo contente com o novo dia e me entristeço com a noite que não mais me convida para uma boêmia, violão na mesa de um bar, amigos e amigas cantando, se enamorando em velhas canções. E vou andando pelas calçadas do Bosque, todos os dias, buscando adrenalina para o que me resta de músculos, fazendo alongamento em postes e árvores, no gradil, e acreditando que vou chegar com um pouco mais de saúde – apesar de tantos cigarros. Não fumo mais do que um mísero cigarro por dia – e lembro que é hora de marcar uma consulta com o pneumologista, afim de calibrar os meus pulmões.
Tenho paciência para suportar as palavras do presidente Jair Messias Bolsonaro – ele tem o direito de falar o que quiser. E eu tenho o direito de achar que ele é um merda político, um bundão sem eira e nem beira, um torturador da democracia.
E assim vou arranjando desculpas esfarrapadas para não julgar a quem quer que seja. E não tenho culpa alguma e nem devo culpar ninguém. E assim faço a minha caminhada matinal e volto pra casa. Abro a porta e vejo a companheira costurando os panos de sua vida, lindos algodões, linhos, sedas. Ela faz música com a sua máquina de costura. E assim eu danço em todos esses tristes dias, alinhavando o que já amei e amo. É isso.
Zeza Amaral é jornalista, escritor e músico











