As doenças cardiovasculares continuam a ser as doenças não transmissíveis mais comuns, contribuindo para elevadas taxas de mortalidade, especialmente em países de rendimento médio-baixo. Ao aumentar a consciencialização sobre os fatores de risco e sobre a melhor forma de os mitigar, esperamos reduzir as taxas de mortalidade cardiovascular.
A seguir vamos fazer breves discussões sobre as entidades clínicas cardíacas mais frequentes com os seus agravos e consequências.
1- Insuficiência cardíaca
A insuficiência cardíaca afeta cerca de 2% da população em países de alta renda e os indivíduos apresentam alto risco de mortalidade, portanto o acompanhamento clínico continua sendo crucial para os pacientes. Conrad et al se propuseram a investigar os cuidados médicos recebidos por pacientes com insuficiência cardíaca desde o diagnóstico até um ano no Reino Unido.
Os autores queriam descobrir se os médicos estavam seguindo as diretrizes clínicas para pacientes com insuficiência cardíaca e se havia alguma tendência notável no manejo dos pacientes, como idade, sexo ou status socioeconômico. Entre algumas das suas conclusões pertinentes sobre a continuidade dos cuidados, os autores relatam que as taxas de diagnóstico de insuficiência cardíaca estavam diminuindo nos cuidados primários e que a maioria dos pacientes eram diagnosticados no hospital. Além disso, apenas 17% desses pacientes receberam cuidados de acompanhamento e esta taxa também tem diminuído.
Os autores também constataram que mulheres, idosos e de menor nível socioeconômico receberam diagnóstico de insuficiência cardíaca na admissão hospitalar. Isto sugere que os primeiros sinais e sintomas não foram detectados nos cuidados primários ou, o que é mais preocupante, que estes grupos enfrentam barreiras na procura dos cuidados primários.
Porém, nem tudo são más notícias, pois os autores observaram que os pacientes que foram diagnosticados com insuficiência cardíaca nos cuidados primários apresentaram uma taxa aumentada de investigações diagnósticas. Em 2002, 37% dos pacientes receberam testes diagnósticos adicionais, de acordo com as diretrizes internacionais, em comparação com 82% em 2014.
2- Fibrilação Atrial e AVC Isquêmico
A fibrilação atrial (FA) é uma anormalidade do ritmo cardíaco que pode se manifestar como batimento cardíaco irregular. A maioria dos indivíduos tende a desconhecer esta anormalidade e permanece em risco de acidente vascular cerebral isquêmico. Devido à sua natureza irregular, o rastreio na população em geral é apoiado por cardiologistas em todo o mundo. No entanto, não há evidências que sugiram quais faixas etárias devem ser rastreadas para fibrilação atrial, uma vez que a maior parte da literatura é baseada em pacientes com FA diagnosticada e o rastreio de todos pode ser caro.
Lowres et al decidiram realizar uma revisão sistemática e meta-análise para explorar quais grupos etários deveriam ser alvo do rastreio de FA. Também pretendiam explorar quantos indivíduos precisavam de ser rastreados para detectar FA em faixas etárias de 5 anos, para que o rastreio direcionado pudesse ser realizado.
Os autores mostram que a taxa de detecção de FA aumentou com o aumento da idade, aumentando também o risco de acidente vascular cerebral. A taxa de detecção foi de 0,34% para menores de 60 anos, subindo para 2,73% para maiores de 85 anos.
Na sequência disto, os dados não apoiaram a triagem de indivíduos com menos de 60 anos. Os autores salientam que a identificação de uma pessoa tratável com menos de 60 anos exigiria o rastreio de 1.089 pessoas, o que simplesmente não é possível, na prática. Embora estes resultados estejam de acordo com as diretrizes internacionais que recomendam o rastreio para pessoas com mais de 65 anos, os autores demonstram elegantemente que o rastreio da fibrilação auricular é sensível à idade e que é necessário mais rastreio em grupos etários mais baixos para detectar um pequeno número de casos.
3- Dietas pouco saudáveis e doenças cardíacas
45% das mortes devido a doenças cardiovasculares foram atribuídas a uma dieta pouco saudável nos Estados Unidos. As doenças cardiovasculares representam um peso substancial para os serviços de saúde, mas há um impacto econômico que tem sido relativamente menos investigado. Utilizando um modelo de micros simulação validado, Jardim et al investigaram o peso econômico do consumo de uma dieta pouco saudável em dólares americanos.
O custo total de uma dieta pouco saudável foi de 301 dólares/pessoa/ano, consistindo em: eventos agudos, incluindo hospitalização (254 dólares), custos crônicos, como consultas de cuidados primários (43 dólares) e custo de medicamentos (4 dólares). Os autores estimam que o custo das doenças cardiovasculares relacionado com a dieta nos EUA é de 50,4 mil milhões de dólares por ano.
A diabetes foi responsável por aproximadamente 50% (US$ 21) dos custos crônicos anuais, e o restante dos custos crônicos foi atribuível às doenças cardiovasculares. Destes, os custos agudos representam 84,3% deste total (42,6 mil milhões de dólares) e os custos crônicos ascendem a 7,2 mil milhões de dólares. Este montante foi dividido igualmente entre custos devidos a doenças cardiovasculares ou diabetes.
Estas descobertas fornecem provas aos gestores públicos de que as intervenções destinadas a comportamentos alimentares saudáveis podem poupar milhões ao mitigar os fatores de risco de doenças crônicas.
Uma vez que estes dados são provenientes dos Estados Unidos, os autores talvez sugiram com razão que as seguradoras podem fazer mais para subsidiar alimentos mais saudáveis e promover planos de franquia elevada para encorajar os indivíduos a adotar estilos de vida mais saudáveis para evitar custos futuros.
4- Hipertensão
Hipertensão ou pressão alta é uma condição que aumenta o risco de sofrer um ataque cardíaco ou derrame. Como não há sintomas, muitas vezes pode ser difícil contrair a doença em populações com pouco acesso à saúde. Curiosamente, a prevalência da hipertensão aumentou de 442 milhões em 1990 para 874 milhões em 2015, com um grande problema nos países de rendimento médio e baixo.
Gamage et al desenvolveram um ensaio clínico randomizado controlado em regiões rurais da Índia, para avaliar se profissionais de saúde comunitários não médicos poderiam ajudar na educação da população, bem como no monitoramento da hipertensão em indivíduos de alto risco. A cada duas semanas, os agentes comunitários de saúde educavam as pessoas sobre a hipertensão e mediam a sua pressão arterial como parte deste ensaio.
Os autores relatam que a pressão arterial medida nas populações que receberam esta educação e monitoramento diminuiu em média 5,0/2,1 mm Hg mais do que as populações que não a receberam. Os autores discutem como uma intervenção de baixo custo como esta pode ser facilmente ampliada em regiões rurais ou remotas onde nem sempre estão disponíveis profissionais especializados.
A formação de profissionais de saúde comunitários em tarefas simples, como a monitorização da pressão arterial, parece ser eficaz em populações rurais ou remotas e, devido ao seu baixo custo, pode ser facilmente implementada em mais regiões.
Referência: “Discutindo assuntos do coração: Mês Nacional do Coração na PLOS Medicine”: Adya Misra Cardiologia, 14 de fevereiro de 2020.
Carmino Antônio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994), da cidade de Campinas entre 2013 e 2020 e Secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo em 2022. Atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Butantan e Diretor Científico da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH).
