Para quem já foi assistir ao filme da Pixar/Walt Disney Pictures, que estreou em junho, e também para quem não viu ainda, ficam aqui algumas considerações e provocações que a simpática composição dirigida por Kesley Mann, com roteiro de Meg LeFauve e Dave Holstein, deixam. Sem spoilers, basta saber que a protagonista da história, Riley, está entrando na adolescência. Nessa fase do desenvolvimento humano, o amadurecimento dos processos de pensamento e uma série de mudanças fisiológico-metabólicas levam à construção de emoções e sentimentos mais complexos.
Segundo as teorias de Luria sobre a neuropsicologia, o cérebro passa por transformações significativas durante a puberdade. O córtex pré-frontal, responsável por funções executivas como tomada de decisão, planejamento, controle de impulsos e regulação emocional, passa por um intenso processo de reconfiguração, permitindo aos adolescentes maior capacidade de reflexão e autocontrole. Hormônios como a testosterona e o estrogênio, que começam a ser secretados em maiores quantidades, afetam a atividade cerebral, contribuindo para a instabilidade emocional característica da adolescência, remodelando sistemas de recompensa a partir de novos desejos e necessidades.
Além disso, mudanças na amígdala e no sistema límbico, áreas do cérebro envolvidas no processamento e significação de experiências e memórias, aumentam a sensibilidade emocional dos adolescentes, trazendo à tona sentimentos intensos como ansiedade, tédio, vergonha e inveja, que precisam conviver com alegria, tristeza, nojo, raiva e medo.
Os novos arranjos de conectividade neural entre diferentes regiões do cérebro permitem uma maior integração de informações e a capacidade de pensar de forma abstrata. Isso leva os adolescentes a refletirem sobre o futuro e considerarem múltiplas perspectivas sobre si, sobre as pessoas e sobre os acontecimentos ao seu redor.
Vigotski argumenta que o aprendizado e o desenvolvimento cognitivo são mediados socialmente, o que significa que as interações com familiares, professores e colegas são fundamentais para moldar a maneira como jovens entendem e gerenciam suas emoções. Esse processo é influenciado por uma combinação de fatores neuropsicológicos e sociointeracionais, que variam de pessoa para pessoa e de acordo com os diferentes contextos em que estão inseridas. Ainda assim, é possível traçar algumas relações para pensar sobre o atravessamento saudável e equilibrado dessa fase.
Alegria e tristeza são emoções aparentemente antagônicas, que funcionam mais como um par na assimilação e significação de experiências. A alegria está associada a sentimentos de recompensa e satisfação, enquanto a tristeza está relacionada à perda e ao desapontamento. Essas emoções básicas são fundamentais para a construção de memórias afetivas que influenciam como os adolescentes percebem e respondem a experiências futuras.
A alegria é uma emoção positiva, essencial para o bem-estar, mas quando experimentada de forma desregulada e sem os contrapesos emocionais adequados, pode levar a comportamentos impulsivos e riscos excessivos.
Durante a adolescência, o córtex pré-frontal, responsável pelo controle dos impulsos e pela tomada de decisões, ainda está em desenvolvimento. Sem a moderação de emoções como a vergonha, o medo e a ansiedade, que podem atuar como mecanismos de controle inibitório e de reflexão, a alegria excessiva pode resultar em uma falta de consciência, infantilidade ou imaturidade sobre as consequências de decisões e comportamentos.
Diante do desconhecido, o medo pode funcionar como um paraquedas. Embora desconfortável, pode ter um papel protetor e regulador crucial. Quando o cérebro está passando por mudanças significativas, especialmente no córtex pré-frontal e no sistema límbico, o medo pode servir como um mecanismo adaptativo que ajuda a moderar comportamentos impulsivos e potencialmente arriscados.

Além disso, o medo pode promover o aprendizado e o desenvolvimento de habilidades de enfrentamento. Experiências que evocam medo, quando gerenciadas de forma adequada, podem ensinar os adolescentes a lidar com a ansiedade e a desenvolver resiliência. Esse processo é facilitado por interações sociais e apoio de figuras importantes, permitindo criar vínculos de confiança, solidariedade e empatia.
A ansiedade, como uma emoção complexa, está relacionada à antecipação de eventos futuros e à preocupação com resultados incertos. Durante a adolescência, a ansiedade pode incentivar a reflexão e o planejamento, mas também pode levar a comportamentos evitativos se for excessiva. O tédio, por outro lado, surge da falta de estímulos e pode motivar os adolescentes a buscar novas experiências e aprendizados, moldando suas convicções sobre o que é significativo e interessante na vida.
Quando a ansiedade toma o controle nesse emaranhado de mudanças, a capacidade do córtex pré-frontal de moderar as respostas emocionais da amígdala é comprometida. Isso resulta em uma resposta emocional geralmente exagerada ou desproporcional a estímulos que podem ser percebidos racionalmente como ameaçadores ou estressantes. A incapacidade de regular essas emoções pode levar à instabilidade emocional, manifestando-se como uma sensação persistente de nervosismo, preocupação e desespero.
Adolescentes, ao navegarem por interações sociais complexas, excitantes e desafiadoras, podem experimentar sentimentos de inadequação ou rejeição. Essas experiências sociais, sem a lida adequada, podem intensificar a ansiedade, criando um ciclo retroalimentado por projeções de cenários hipotéticos tentando prever ou controlar, em vão, tudo que poderia acontecer além do tempo presente e das possibilidades de ser e estar de cada pessoa.
A ansiedade, portanto, tem um papel antecipatório importante, ajudando a prever e a evitar possíveis ameaças ou consequências negativas. Embora a ansiedade em excesso possa ser prejudicial, sua ausência total pode levar à falta de precaução e planejamento. Sem a ansiedade para temperar a alegria, os adolescentes podem subestimar riscos e superestimar suas capacidades, colocando-se em situações perigosas.
O tédio, complementarmente, pode servir como um motor para a busca de novas experiências e aprendizados conforme os interesses e prioridades se alteram na transição da infância para a juventude.
Se a alegria é sempre preferida e o tédio é evitado a qualquer custo, pode haver uma falta de desenvolvimento da tolerância à frustração e uma incapacidade de lidar com situações monótonas ou desafiadoras, o que é essencial para o crescimento emocional e cognitivo, além do aprimoramento de habilidades envolvendo concentração, disciplina e persistência.
A vergonha é uma emoção social que reflete a consciência de falhas ou inadequações em relação às normas e expectativas sociais. Ela promove a autorregulação e a conformidade com normas sociais, influenciando o desenvolvimento da autoestima e da identidade. A inveja, associada à comparação social, pode motivar o crescimento pessoal e a competição saudável, mas também pode levar a sentimentos negativos se não for bem gerida.
O neurodesenvolvimento contínuo permite que os adolescentes avaliem suas ações e comportamentos em relação às normas sociais e expectativas internas, criando a experiência da vergonha quando percebem que não atenderam a esses padrões e despertando a inveja ao identificar a manifestação de um comportamento ou aparência que consideram adequadas ou desejáveis.
Durante a adolescência, a sensibilidade da amígdala a avaliações sociais negativas é particularmente alta. Isso significa que os adolescentes são especialmente suscetíveis a sentimentos de vergonha em resposta a críticas, rejeições ou falhas percebidas. A vergonha, então, funciona como um sinalizador emocional que alerta o indivíduo para comportamentos ou ações que podem resultar em desaprovação social ou autoavaliação negativa.
A experiência da vergonha após um comportamento considerado inadequado pode inibir futuras ações semelhantes, promovendo a conformidade com normas sociais e valores culturais. Isso é essencial para o desenvolvimento de comportamentos socialmente aceitáveis e para a formação de uma identidade que é reconhecida e validada pelos pares e pela sociedade em geral.
Sem a vergonha para moderar a alegria, a raiva, a ansiedade, a inveja e até mesmo o tédio, os adolescentes podem ser menos propensos a considerar como seus comportamentos afetam os outros e a si mesmos em longo prazo, o que pode resultar em problemas envolvendo egocentrismo, indisciplina e ausência de autocrítica. Em excesso, todavia, a autoinibição pode ter consequências negativas, fazendo aflorar sentimentos intensos e persistentes de desmotivação, tristeza, medo e podem levar à baixa autoestima, isolamento social e problemas de saúde, como depressão e comportamento antissocial.
A raiva é uma emoção poderosa que surge em resposta a frustrações, injustiças ou ameaças percebidas. Base do comportamento humano, a raiva envolve áreas do cérebro que são responsáveis pelo processamento de emoções intensas e pela ativação da resposta de luta ou fuga. Durante a adolescência, a instabilidade na lida com novas situações e sensações pode resultar em uma maior dificuldade em controlar a raiva, levando a comportamentos impulsivos e, às vezes, agressivos. No entanto, a raiva também pode ser uma força motivadora, incentivando os adolescentes a enfrentar desafios, defender seus direitos e buscar justiça, enfrentando o medo, o tédio e a vergonha.

O nojo, por sua vez, é uma emoção que evoluiu para ajudar a evitar situações potencialmente prejudiciais à nossa saúde. Ele também envolve a amígdala, além de outras áreas do cérebro, como a ínsula, que processa as reações instintivas e viscerais. Durante a adolescência, o nojo pode se manifestar de maneiras mais complexas, incluindo aversões sociais e morais. Os adolescentes podem sentir nojo em resposta a comportamentos ou atitudes que consideram errados ou inaceitáveis, refletindo o desenvolvimento de um senso de moralidade e valores pessoais.
A raiva e o nojo estão interligados de várias maneiras no desenvolvimento emocional dos adolescentes. Ambos podem surgir em situações de conflito social, onde a raiva pode ser direcionada a indivíduos que violam normas sociais, enquanto o nojo pode ser uma reação a comportamentos percebidos como moralmente repulsivos. Essas emoções ajudam a estabelecer e reforçar limites sociais e pessoais, promovendo a coesão do grupo e a conformidade com normas culturais.
Experimentar e expressar raiva pode ajudar os adolescentes a afirmar sua independência e a estabelecer uma identidade separada de familiares e de outras figuras de autoridade. O nojo pode ajudar a definir o que é aceitável ou inaceitável em termos de comportamentos e valores, contribuindo para a formação de um senso crítico de identidade moral.
Imprescindível que os adolescentes aprendam a regular essas emoções de maneira saudável, empática e com bom senso, através da prática de esportes coletivos, por exemplo. A raiva descontrolada pode levar a conflitos desnecessários e agressivos, enquanto o nojo excessivo pode resultar em intolerância e exclusão social. As interações sociais e a busca pelo diálogo respeitoso, pela convivência com pessoas diferentes e pontos de vista plurais são estratégias fundamentais para o desenvolvimento neuropsicológico saudável na lida com a raiva e o nojo.
Finalmente, o filme ainda traz à discussão os riscos da rejeição ou repressão de memórias, processo muitas vezes inconsciente que afeta não só adolescentes, mas todo ser humano, em qualquer fase da vida.
Quando memórias negativas ou traumáticas são reprimidas, elas podem afetar inconscientemente o comportamento e as emoções, levando a padrões de pensamento e convicções distorcidas. Um adolescente que reprime memórias de rejeição ou falhas pode desenvolver a crença equivocada de que é inadequado ou incapaz de agir como pensa que deveria. Essas convicções podem afetar sua autoestima, sua autoconfiança e sua autopercepção.
Adolescentes frequentemente buscam validação e aprovação de seus pares, familiares, colegas e figuras de autoridade. Se essas interações não fornecem um espaço seguro para explorar, ressignificar e lidar com memórias difíceis, os adolescentes podem internalizar sentimentos distorcidos e angustiantes, criando traumas, recalques e bloqueios, monstros assombrando os confins da mente até que sejam confrontados e resolvidos.
Riley, a sorridente protagonista do filme, conta sempre com o apoio de seus familiares e colegas, acolhida em ambientes seguros, como seu lar e a escola, ao encarar os novos desafios que vêm com o Ensino Médio. Embora não haja fórmula mágica para uma adolescência saudável e divertida, as reflexões sobre a ficção nos levam a refletir, também, sobre essa travessia por crianças e adolescentes vítimas de abusos e violências, em situação de abandono, exploração e vulnerabilidade socioeconômica, e em (auto)negação de sua identidade por conta de intolerância étnica, sociocultural, sexual e capacitismo.
Quem fala mais alto na nossa mente diante disso: o tédio, o nojo, a vergonha, a raiva ou a tristeza?
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo, mestre em Linguagens, Mídia e Arte, pós-graduado em Neuropsicologia.











