O casal de idosos Clóvis e Ivanir Braga perdeu tudo. Quando a água do Rio dos Sinos começou a invadir o município de São Leopoldo (RS) na última quinta-feira (2), deu tempo apenas de Clóvis, de 72 anos, erguer rapidamente os poucos móveis, pegar três mudas de roupas, agarrar o cachorro e abandonar sua simples casa. Ivanir, com problemas de saúde, hoje recebe cuidados médicos em Estância Velha, cidade onde estão hospedados na casa da filha.
“Estamos com Deus agora, e com a ajuda do povo em doar alimentos. As pontes ainda estão fechadas e a previsão é de que vamos poder ver o que sobrou da nossa casa só daqui 10 dias”, disse ao Hora Campinas a idosa de 72 anos, nesta sexta-feira (10). Cerca 15 mil moradores estão em abrigos, e 180 mil pessoas estão fora de suas casas em São Leopoldo.
Além da situação desesperadora de perder tudo, o coração de Ivani está fraco e requer cirurgia para lhe dar tranquilidade. “Estou com uma infecção grave no dente, e no momento não posso fazer a cirurgia. Mas agora, mesmo que eu curar dessa infecção, vai saber quando tudo vai ser normalizado?”
Essa e centenas de outras incertezas afligem milhares de famílias gaúchas que perderam praticamente tudo, desde a inundação de mais de 390 cidades no Rio Grande do Sul.
A mais de mil quilômetros do casal, a amiga Cleuza Cordeiro de Souza, de 53 anos, chorava, angustiada, ao relatar as dificuldades que sua ex-vizinha Ivani está passando. “Ela tem problemas sérios de saúde, e saiu com a roupa do corpo. Meu coração está muito apertado”, relatou.
Em Jaguariúna, onde Cleuza atuava como voluntária na arrecadação de donativos na última terça-feira (7), foram sete anos de bons momentos de convivência com o casal. “Pessoas que foram ótimas de conviver, que jamais deveriam passar por uma situação dessas. Não tem outra opção nesse momento a não ser ajudar aquele povo”.
Além do casal, Cleuza mantém contato com Saulo Padoin Chielle, de 40 anos, morador de Canoas. Há uma semana, o empresário, a esposa Daniela e duas filhas pequenas estão em uma moradia na região litorânea do estado, a 130 km de Porto Alegre. Saulo é um amigo-irmão para Cleuza. Ela o conheceu na época em que trabalhava com transportadora de cargas, em Curitiba.
Cenário de guerra
“Ela é minha irmã do coração”, retribuiu Saulo, reconhecendo o empenho da amiga de Jaguariúna na ajuda ao povo gaúcho. Morador do bairro Niterói, em Canoas (região metropolitana de Porto Alegre), ele não teve sua casa invadida pelas águas do Rio Gravataí. No entanto, 43% da população do município, ou seja, cerca de 150 mil pessoas tiveram que deixar suas residências.
“Saímos na sexta-feira (3) de casa. A cidade de Canoas é dividida pela rodovia BR-116, e o lado mais atingido é onde há maior concentração populacional. Nosso bairro sofreu risco porque é conectado com o Rio Gravataí, que desemboca no Lago Guaíba. Na quinta acolhemos um sobrinho e a minha cunhada que vieram do bairro Fátima, e na manhã de sexta-feira veio a sinalização de que poderia transbordar o dique e que teríamos que evacuar”.
Monitorando a distância a situação, através de vizinhos, Saulo avalia tudo o que está acontecendo como um cenário de guerra, sem muitos prognósticos positivos por um longo período.
Há diversos fronts de atuação, segundo ele, mas sua ação será quando a água baixar e começarem os mutirões de limpeza. “Mas ainda não passamos da primeira leva de dificuldades. Ainda existem pessoas e animais sendo resgatados e o prognóstico não é dos melhores com a previsão de chuvas fortes nas cabeceiras dos rios que alimentam o Guaíba”, contou.
Até o momento, Canoas conta com 97 abrigos para atender às vítimas da enchente. Das 27 unidades básicas de saúde, a cidade conta com 19 no momento. A causa a ser escolhida vai ser fundamental pois está tudo se precisando hoje no município.
União
Em Jaguariúna, a amiga Cleuza se juntou a uma legião de voluntários para conseguir doações para as cidades afetadas. Junto da sua amiga Juliana Gelain, separavam na última terça-feira as doações que receberam, para serem encaminhadas a um outro endereço, também na cidade, que está concentrado os produtos.
“Não tem ninguém melhor do que o povo para ajudar o povo“, dizia Juliana enquanto ajeitava uma pilha de sacos de ração. Proprietária de um hotel para cachorros e protetora animal, fica emocionada só de lembrar das cenas assistidas pela televisão. “Minha vontade era de ir agora para o sul e ajudar no resgate desses animais”.
No entanto, a recomendação de veterinários conhecidos era para não arriscar a viagem, pois poderão ficar pelo meio do caminho por conta da precariedade de acessos.
No estabelecimento de concentração dos donativos, para onde Juliana e Cleuza foram ajudar como voluntárias no fim do dia, o empresário Alexandre Cunha, o Gaúcho, estava a todo instante atendendo ou efetuando telefonemas.
Pelos irmãos
Há 15 anos morando em Jaguariúna, Alexandre fazia seus contatos nas cidades de Santa Maria, Lajeado e em Canoas, para onde partiu a primeira carreta do município, abarrotada de água, roupas, produtos de higiene e colchões.
“A gente começou no sábado, e foi tomando uma proporção enorme desde então. Montamos um setor de água no estacionamento, de roupas no subsolo, e hoje já temos mais de 50 voluntários ajudando a separar as doações. Só vamos parar de arrecadar assim que a situação se normalizar no Sul”.
Todos os ambientes do seu restaurante estavam repletos de produtos, homens e mulheres trabalhando, e um visível sentimento de solidariedade. Dentre as voluntárias, Simone Sousa, que separou um tempo do seu dia para ajudar ao próximo.
“O que me motivou foi a empatia em fazer um pouco pelo próximo. Às vezes achamos que não temos nada e vemos tanta gente precisando muito mais do que nós. Estou separando essas peças de roupa com alegria, oração e com muito amor”.