Na tarde deste sábado (4), o ronco da ‘Dondon’ anunciou a jornada rumo ao extremo do planeta. Uma kombi totalmente equipada e adaptada para levar um passageiro pra lá de especial deixou o bairro Guanabara, em Campinas, sob a pilotagem do empresário Luiz Antonio Paterno.
Ao seu lado está Black (sem raça definida), o inseparável amigo que dá nome a um restaurante e a todo objetivo do rolê organizado pelo seu tutor nesses últimos dois anos. Ambos estão juntos numa longa jornada até o Ushuaia, cidade “no fim do mundo”. E de lá da Argentina vão retornar numa aventura ainda mais desafiadora: chegar até os Estados Unidos (EUA).
A kombi ganhou o nome de Dondon em homenagem ao brasileiro Jesse Koz, de 29 anos, conhecido por ter viajado mais de 15 países com seu fusca 1978, apelidado de Dondonga. Jesse e seu golden retriever Shurastey, que o acompanhava nas viagens, morreram após um acidente em Portland (EUA), em maio de 2022.
Luiz Paterno também estava nos EUA naquela época, visitando o filho, quando soube da morte de Jesse e seu cachorro. Ele era seguidor do canal do viajante e, depois desse fato, confessa que mais uma chave “virou na sua cabeça”. “Disse para mim mesmo: não tenho mais o que esperar”.
Mas antes de dar a partida na ‘kombosa’ ano 2009, Paterno contou ao Hora Campinas toda sua epopeia de superação, acolhimento e planejamento que lhe deram a bagagem necessária para sair com o “Pé na Estrada com Black O Dog” – nome do projeto que estampa, inclusive, a fachada do seu restaurante (Rockit), na rua Dr. Barros Monteiro.
Preparativos
Essa semana, o empresário reuniu amigos e familiares em seu estabelecimento para despedir-se. A kombi ainda passava por ajustes, mas ficou exposta na porta do local para todos admirarem sua transformação.
Imprevistos de última hora apareceram, como um farol queimado, troca de bateria e um pequeno vazamento. Mas tudo resolvido a tempo, segundo Paterno.
“Numa viagem de 60 dias (50 deles em território argentino), enfrentando temperaturas pra lá de negativas, precisei fazer um bom isolamento térmico”, explicava Paterno, ao mostrar o interior da kombi ao repórter. Black não gosta de usar roupas, e ganhou um colchão aquecido.
O veículo recebeu alto investimento financeiro, e agora tem o conforto de uma casa: painel solar, aquecedor a gás para banho quente, luzes de cabine, e até espaço para geladeira, que será instalada quando chegar a Curitiba.
Na bagagem de primeiros-socorros da Dondon, Luiz está levando disco de embreagem e outras peças da Volks que não são fáceis de achar na Argentina, segundo ele. No ano passado, sem o Black, mas com a namorada, o empresário também seguiu rumo ao Ushuaia, mas ficou no meio do caminho. A kombi quebrou e ele precisou ficar 10 dias parado. A namorada teve que retornar ao trabalho e os planos então foram adiados para esse ano.
Cuidados e roteiro
O empresário pega a estrada com seu pet no momento de uma ampla discussão no Brasil, que se formou sobre o transporte de animais, principalmente em compartimentos de aviões. Há duas semanas morreu Joca, um golden retriever que não resistiu ao ser, equivocadamente, despachado para Fortaleza, quando seu destino junto do dono seria o Mato Grosso.
“Um erro primário da companhia aérea”, classificou Paterno. “Espero que seja um divisor de águas para que se tenha mais cuidados. Muitas vezes a recepção de um cachorro é como apenas um animal de quatro patas, mas muitas vezes ele se torna filho. Então acho que eles deveriam ter treinamento, com pessoas que gostam e saibam o valor de um pet para seu tutor”, opina.
Black, com 10 anos, nunca andou de avião. “Ele sempre viajou de carro, com cinto de segurança. É uma vida que depende de mim. Nunca nem despachei de ônibus”, conta. “Eu acredito que a gente sai de uma notícia dolorosa, para uma em que muitas tem o desejo de compartilhar da mesma experiência que é colocar o pé na estrada com seu pet”.
A empreitada de Luiz e Black é algo mais comum do que se imagina. Ultimamente, basta uma busca na internet e é possível ver dezenas de pessoas que fazem longas viagens com seus animais de estimação, às vezes mais de um pet a bordo de fuscas, kombis ou motorhomes. Assim como no caso de Jesse e o Shuratey, que inspirou o campineiro.
“Quero incentivar as pessoas a fazerem viagens com baixo custo. Eu escolhi o Ushuaia por ser a última cidade do nosso território americano”. Para ele, a viagem começa “do fim do mundo para o mundo”, e não pretende mais parar.
De Campinas, a dupla partiu para Santos e de lá vai beirando o litoral sul do estado até o Paraná, quando quebram para a direita rumo a Foz do Iguaçu. O Black está munido de todos atestados e o principal, o Certificado de Vacina Internacional (CVI).
No total, serão cerca de 14 mil quilômetros rodados, em uma média de 100 Km diários de viagem. Até por que, mais do que isso, num ‘conforto’ da kombi, “não há corpo que aguente”, brinca.
Superações
No início da pandemia de Covid-19, Luiz Paterno foi acometido por uma doença autoimune, chamada Sarcoidose. Um aglomerado de células inflamatórias se formou em seu pulmão, e o quadro se assemelhava muito ao câncer.
“Me curei com remédios, mas para combater essa doença eu tive que tomar medicamentos para diminuir a imunidade. Fragilizado, no auge da pandemia eu não peguei a Covid, mas sim uma pneumonia que me levou para a UTI, por onde eu fiquei 20 dias”, relembra Paterno.
Proprietário da rede de restaurantes Nono Miquele, com mais de 200 funcionários, viu seis deles fecharam durante a pandemia. Eram locais que funcionavam dentro de empresas, e diante do quadro de isolamento e home office, os contratos foram cancelados pouco a pouco.
“Quando me curei, permaneci meio ano na casa do meu filho nos EUA, e então comecei a planejar o que eu queria para a minha vida”, recorda. Voltou ao Brasil com o objetivo certo de comprar uma kombi e em 40 dias iniciar sua viagem. No entanto, encontrou um dos restaurantes com dificuldades e postergou o projeto em dois anos.
Encontro inesperado
A história de Luiz e Black começou através de um dos fenômenos climáticos que mais marcaram Campinas nos últimos anos. Foi poucos dias antes do evento denominado microexplosão – chuva com ventos intensos (radiais) de até 120 km/h que devastou grandes áreas da cidade – que Black apareceu no restaurante do CPqD, próximo à rodovia SP-340 (Campinas-Mogi).
O restaurante, então administrado pelo grupo Nono Miquele, já havia tido a visita do animal um dia antes da tempestade, mas Luiz não conseguiu se aproximar. “Ele foi reaparecer depois de três dias da tempestade. Já estava sem esperança em encontrá-lo por lá novamente”. O ano era 2016.
Quando Black finalmente apareceu, logo foi recolhido. “Foi amor à primeira vista”, lembra. Mas como provavelmente o animal tenha sido abandonado pelos antigos tutores, ou passado por traumas, até um ano atrás Black avançava em Luiz. “Fizemos um processo de adestramento e hoje ele está super tranquilo”.
Black é o ‘sexto’ filho de Luiz Paterno. Todos são casados e já lhe deram sete netos. A última delas, Helena, ainda a caminho, deverá nascer enquanto o vovô e Black estiverem na estrada de volta à Campinas. Depois de curtir a nova netinha, a dupla planeja uma longa jornada até os EUA. Mas aí, será tema para uma nova reportagem.
A aventura até o Ushuaia poderá ser acompanhada através do Instagram @penaestradaeblackodog