Em meio a turbulências políticas e econômicas de escala global, provocadas por guerras, belicismo verbal e o tarifaço imposto pelo governo Trump, o mercado brasileiro se vê sob ameaça de forte instabilidade nos próximos meses. Foi neste contexto que esteve em Campinas na última quinta-feira a economista-chefe do Santander, Ana Paula Vescovi. Ela se reuniu com investidores e empresários para discutir o cenário macroeconômico e as perspectivas futuras. O clima é de grande apreensão.
O Hora Campinas aproveitou a sua presença para saber da executiva de uma das maiores instituições do mundo as suas opiniões sobre a macroeconomia e os percalços contemporâneos.

Hora Campinas – O tarifaço imposto pelo governo Trump gerou incertezas em todo o mundo. Mais que isso: o cenário é de impactos negativos em toda a cadeia produtiva mundial. A senhora acredita numa crise em escala global?
É um choque comercial relevante, mas não o definimos como uma “crise global”. Ainda assim, o risco de desaceleração mundial aumentou. No cenário-base do banco, identificamos aumento da tarifa média sobre exportações brasileiras aos EUA — de menos de 5% para cerca de 30,7% — e estimamos perda de US$ 6,2 bilhões na balança comercial ao longo de 12 meses, com US$ 2,6 bilhões já impactando em 2025. Itens como aço, carnes, café e açúcar são particularmente afetados. Esse tipo de impacto reverbera em vários pontos da cadeia produtiva, ainda que o núcleo da economia global mostre resiliência.
Qual é a importância de empresários de regiões afetadas pelo tarifaço, como a de Campinas, ficarem atentos às negociações e buscarem soluções?
É fundamental agir com foco no tema comercial, e baseado em negociações bilaterais com os EUA. Campinas é um polo que concentra manufatura, tecnologia e agronegócio — alguns setores diretamente expostos não somente às tarifas, mas também a choques externos. Alguns estudos indicam que, sem diversificação de fornecedores e mercados, as margens das empresas mais afetadas podem reduzir até 2 pontos percentuais nos próximos trimestres. Estratégia de negócios bem definida, logística e gestão eficientes, fluxos de caixa protegidos de oscilações bruscas, e tanto destinos comerciais quanto fontes de aquisição de matérias primas diversificados são caminhos essenciais para mitigar riscos e atenuar choques externos de diversas naturezas.
O multilateralismo sempre foi um dos pilares das relações comerciais. A tensão geopolítica mundial tem comprometido esse sentido amplo de relação. Como esse retrocesso afeta a instituição financeira da qual é economista-chefe?
O multilateralismo foi chave para ampliar a interdependência dos mercados globais e para reduzir tensões geopolíticas. Trouxe ainda ganhos de produtividade e contestação de preços e qualidade para os consumidores. Foi um processo inclusivo, mundialmente. Dar um passo atrás nessa estratégia, fragmentando comércio e criando disputas regionais, tem o potencial de frear esses benefícios e risco de trazer crescimento mais baixo, com maiores pressões inflacionárias.
A taxa Selic na casa dos 15% trava a economia, mas segura a inflação. Qual a expectativa para o segundo semestre e o início de 2026 na macroeconomia brasileira?
A taxa está alta e cumprindo o seu papel de ancorar expectativas e levar a inflação, gradualmente, para o centro da meta. No entanto, seu efeito é desacelerar a demanda. Projetamos Selic estável até o início de 2026, com cortes graduais até 13% em junho 26, no nosso cenário-base. Estimamos ainda PIB de 2,0% em 2025, e 1,5% em 2026; IPCA em 2026 na faixa de 4,5%, devido à menor inércia e câmbio mais apreciado — estimado em R$ 5,70/US$ no fim de 2025.
A política, invariavelmente, contamina a economia. Em tempos de polarização, isso fica ainda mais evidente. Como a senhora avalia esse cenário de ânimos políticos exaltados? Quanto pior a polarização, mais tensão econômica?
O capital também encarece em momentos de elevação de incertezas, de imprevisibilidade. Nesse contexto, é importante olhar para a nossa questão fiscal, que deve ser prioridade na agenda do País. Mesmo com melhoras no primeiro semestre, projetamos que o déficit nas contas públicas brasileiras irá alcançar cerca de R$ 90 bilhões em 2025 (0,7% do PIB); a e dívida bruta, por sua vez, tende a subir de 81% para aproximadamente 85% do PIB até 2026. Portanto, é preciso um consenso de todos os agentes da sociedade para empreendermos um ajuste nas contas públicas. Um cenário permanente de equilíbrio fiscal afetará positivamente o custo do capital (juros de longo prazo), a confiança de empresas e investidores, e impulsionará reformas e investimentos de longo prazo. Estabilidade institucional também é um ativo econômico. Quando se fragiliza, afeta a confiança de empresas e investidores e compromete reformas e investimentos.











