O mundo contemporâneo tem sido desafiado há pelo menos duas décadas pelo avanço perigoso das fake news e pela disseminação descontrolada da desinformação. São conteúdos criados de forma proposital para gerar engajamento e expor, na maior parte das vezes, uma visão desprovida de embasamento científico e sensatez.
Essa tem sido, de forma metafórica, a Terceira Guerra Mundial.
A disputa por informação de qualidade, devidamente checada e amparada pelas técnicas da pesquisa e do jornalismo profissional, passou a antagonizar o mundo. Essa polarização tem forte impacto na geopolítica e nas relações sociais.
É por isso que a recente decisão do CEO da Meta, Mark Zuckerberg, de eliminar o processo da checagem de fatos em suas plataformas digitais, é um grande retrocesso global. Ele abre as portas para o verdadeiro faroeste digital, entendido por uma beligerância sem pé nem cabeça de grupos de ódio se vociferando pelas redes sociais.
Mark Zuckerberg, em pronunciamento, anunciou que suas plataformas (ele é dono das bigtechs Facebook, Instagram e WhatsApp) passariam a modificar o seu processo de moderação.
Ao contrário de contratar agências profissionais para verificação de informação, essa “checagem” estaria disponível no próprio ecossistema, sujeito às ponderações e correções dos usuários. De acordo com Mark, a moderação passaria a ser feita dentro do modelo “Notas da Comunidade”, com usuários contribuintes.
Ainda não se sabe quem serão esses moderadores. A mudança é um alinhamento direto ao que faz hoje o X, antigo Twitter, plataforma conhecida por disseminar desinformação e ódio e que, enfrentou, no Brasil, uma crise ao ver o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), questionar a política de terra sem lei do X.
Ao tomar a decisão, Zuckerberg argumentou que a Europa está “institucionalizando a censura”, que os países latino-americanos têm “tribunais secretos que podem ordenar que empresas retirem coisas discretamente” e que a China “censurou nossos aplicativos”.
Em princípio, essas mudanças estariam concentradas apenas nos EUA. Mas há de se supor que rapidamente tenham impacto em todos os continentes por conta da capilaridade do ecossistema digital.
Mark, ao fazer isso, faz forte e inequívoco alinhamento com o futuro presidente Donald Trump, um contumaz divulgador de fake news e que volta à Casa Branca ainda nesse mês de janeiro.
O fim do programa de checagem de fatos que verifica a veracidade de informações que circulam nas redes é, na prática, o encerramento da parceria da Meta com empresas que praticam o jornalismo profissional. São agências de checagem que fazem o chamado fact-checking ou núcleos de veículos de comunicação, como o Estadão Verifica.
Esses núcleos e agências têm ou tinham a missão de monitorar o conteúdo publicado nas redes sociais. Se detectada desinformação ou fake news, o post ou comentário era informado à Meta. Geralmente, esses conteúdos eram ocultados ou removidos. Agências e empresas de comunicação recebiam uma remuneração.
Cursos para combater notícias falsas se espalharam pelo mundo nas últimas décadas, justamente por conta do avanço das fake news. São instrumentos para qualificar os profissionais e tornar o ambiente digital mais saudável.
Um desses cursos de grande reputação está justamente nos EUA. Ele é oferecido pelo Knight Center for Journalism in the Americas, ligado à Universidade do Texas.
O curso foi fundado por um brasileiro, o professor Rosental Calmon Alves.
Ou seja, o esforço global por um ecossistema de informação seguro e responsável, comprometido com o jornalismo e a ciência, é mais antigo do que se imagina.
Defender responsabilidade nas redes sociais jamais será uma forma de censura. É exatamente esse o argumento que os defensores utilizam para exigir “liberdade de expressão”.
Que liberdade de expressão é essa para pregar a morte de um adversário político?
Que liberdade de expressão é essa para associar a comunidade LGBTQI+ a uma doença? Que liberdade de expressão é essa para dizer que tomar vacina pode gerar autismo?
Esses conteúdos estariam novamente autorizados a circular pela rede, já que a decisão da Meta implica, por exemplo, no fim de restrições para assuntos como migração e gênero; e libera o chamado “conteúdo cívico”, entendido como informações com teor político-ideológico.
Há de se reconhecer que esse será uma batalha difícil para a coerência. Na psicologia social e na comunicação, sabe-se que as pessoas são levadas a consumir conteúdo que faça sentido para elas, ou seja, informações nas quais elas acreditam por conta de suas crenças, costumes e influências. É o chamado viés da confirmação.
Diante desse quadro inexorável, o pessimismo se avizinha, já que as big techs sinalizam que estão fechadas com a bárbarie. Leia-se também, interessadas em ganhar mais dinheiro, já que debates acalorados geram engajamento, que levam a mais monetização.
As bolhas de ódio estão prontas para se sentirem mais endossadas.
Cabe, portanto, ao jornalismo profissional continuar os seus esforços por uma comunicação civilizada, por um conteúdo devidamente checado e pela defesa intransigente da democracia.
A liberdade de expressão se sustenta no debate das ideias e da pluralidade, mas ela perde o seu sentido quando avança os sinais do destempero, do crime de ódio e da desinformação.
Marcelo Pereira, editor-chefe do Hora Campinas, é escritor, professor de Comunicação e especialista em fact-checking pelo Knight Center for Journalism in the Americas

 
			 
					






















