Uma denúncia da vereadora Guida Calixto (PT) chacoalhou os gestores da rede municipal de Campinas e de uma editora da cidade que tem trilhado um caminho de sucesso editorial. A parlamentar, que tem um trabalho voltado à defesa das minorias, com forte agenda social, publicou em suas redes sociais uma informação que deixou dirigentes de ensino e leitores atônitos. Ela levou o caso, em ofício, ao prefeito Dário Saadi.
É que a imagem de capa do livro sobre Luiz Gama, publicado pela Editora Mostarda e adotado pela Secretaria Municipal de Educação, trazia indevidamente um símbolo da suástica num cantinho da obra, no lado superior direito. A publicação, obviamente, nada tem a ver com essa temática genocida e persecutória. Ao contrário, as obras da editora têm procurado jogar luz em personagens que, em sua história, combateram a intolerância e buscaram uma sociedade justa e sem preconceitos.
Obras que exaltam e aprofundam as histórias de personagens negros como Mandela, Machado de Assis, Conceição Evaristo, Obama e Marielle Franco, entre muitos outros, estão no portfólio da editora. Há ainda versões dedicadas a um segmento voltado à temática indígena. Quem entra no site da Mostarda pode perceber o rumo de seu negócio e o nicho editorial que aborda. Clique aqui para ver
O Hora Campinas já contou a história da Mostarda em reportagem especial. Veja aqui.
Por isso, o episódio da suástica numa obra com temática abolicionista gerou espanto, tristeza e constrangimento.
Mais que isso, decepção para os envolvidos na publicação, entre eles o autor, o jornalista Francisco Lima Neto, integrante da equipe do Hora Campinas. O profissional é um ativista assíduo de políticas de afirmação e de uma agenda voltada à comunidade preta, sempre com um olhar de acolhimento às pessoas vítimas de racismo e injúria racial. Neste sentido, aquele símbolo indevido virou um ruído, que está sendo corrigido. O jornalista e escritor ressalta sua confiança na editora e salienta que sua causa antirracista “fala por si”.
A impressão dessa imagem indevida revelou-se uma falha, obviamente, de revisão, reforça a editora Mostarda. A capa passou por várias instâncias sem que fosse percebida. Em nota ela atribuiu o erro a um problema de impressão “no recorte da estampa étnica do fundo, que é vetorial”.
Quem trabalha no mercado digital e impresso conhece o que é um arquivo em vetor. Ele é uma imagem gerada a partir de vetor matemático e não em pixel, como geralmente são as fotos em PNG ou JPEG, por exemplo. Uma imagem vetorial é derivada de um modelo matemático, portanto. O que teria levado a essa imagem, uma espécie de “sujeira” na linguagem popular de paginadores e de quem trabalha com design.
No lado esquerdo da imagem de capa, é possível perceber um traço do que também formaria o símbolo nazista, mas o fundo foi cortado.
O livro estava exposto numa das maiores feiras literárias do País, a FLIP, em Paraty. E foi retirado dos espaços físicos. A obra foi lançada inclusive na Bienal do Rio, em dezembro passado.
VEJA O QUE DENUNCIOU A VEREADORA
“A partir de conversas com educadoras da rede municipal, tomamos conhecimento da publicação da Editora Mostarda em que símbolos da suástica aparecem na capa do livro sobre Luiz Gama. Sabemos da seriedade da Editora Mostarda e do autor e entendemos que trata-se de um erro que será reparado, conforme declaração da Editora Mostarda.
Em nenhum momento questionamos o autor do livro, que possuiu uma brilhante trajetória intelectual e compromisso com a educação antirracista.
Nossa preocupação é que os símbolos nazistas não sejam naturalizados, ainda mais levando em conta o contexto atual de fortalecimento de organizações nazifascistas no Brasil.
Nesse sentido, solicitamos o imediato recolhimento desses livros e a verificação se nos demais livros existem símbolos semelhantes, além de notificarem a editora sobre esse grave acontecimento”.
VEJA O PEDIDO DE DESCULPAS DA EDITORA MOSTARDA
“A Editora Mostarda, por meio de seu diretor geral, Pedro Mezette, esclarece e se desculpa desde já pelo erro ocorrido com a imagem de fundo na capa do livro Luiz Gama, de autoria do jornalista e escritor Francisco Lima Neto.
Houve um problema no recorte da estampa étnica do fundo, que é vetorial. Tanto que os exemplares em braille não apresentaram este problema.
Assim que fomos alertados deste erro, retiramos os exemplares da obra do site e interrompemos imediatamente a comercialização deste título até que nova capa seja feita com o reparo necessário excluindo este símbolo. Estamos fazendo isso o mais rápido possível.
Nosso empenho em oferecer uma educação antirracista jamais permitiria uma atitude proposital deste tipo, seria uma contradição dentro da proposta da Editora Mostarda.
A partir desta segunda-feira, 28 de novembro de 2022, a Secretaria de Educação dá início ao processo de recolha dos livros das escolas para imediata substituição de cada exemplar que já tenha sido distribuído. A editora trocará a capa do material e o devolverá à Secretaria sem custo para o município. Todos os leitores que já adquiriram o livro também poderão solicitar a troca gratuita pelo site da editora”.
A Mostarda já removeu links de seu site que direcionavam para a compra do livro por e-commerce. E parte das imagens com a capa do livro que estão na internet já foi alterada, com a suástica retirada.
VEJA O POSICIONAMENTO DO AUTOR FRANCISCO LIMA NETO
“Nós lançamos essa obra na Bienal do Livro do Rio de Janeiro e, até então, ninguém tinha percebido nada de errado. Eu sou uma pessoa negra e periférica, tenho um histórico de militância e atuação dentro desse movimento que busca enfrentar o racismo, tenho um compromisso com essa causa e minha atuação fala por si só. Foi um erro grosseiro com a estampa e vamos trabalhar para corrigir isso. Por meio da literatura, eu busco honrar essas figuras históricas que fizeram a diferença no nosso país e que muitas vezes foram invisibilizadas.”
“Eu reforço meu compromisso com a causa, com a luta e minha total confiança na equipe da editora”
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