Salvo alguma grande e inesperada mudança, Donald Trump deve ser eleito novamente presidente dos Estados Unidos no final deste ano. É o que indicam todas as pesquisas de opinião pública e análises da maioria dos grandes veículos e também na mídia independente norteamericana. O atual presidente, Joe Biden, apesar de colecionar bons números na economia, não tem-se apresentado como um candidato capaz de deter o favoritismo de Trump.
Esta é uma má notícia para o enfrentamento global das mudanças climáticas. Pelas suas ligações com as grandes corporações de combustíveis fósseis, Trump sempre foi um negacionista das mudanças do clima de primeira hora.
Em seu primeiro mandato em Washington, os Estados Unidos ficaram fora do Acordo de Paris e falar de energia renovável era quase uma heresia nos corredores da Casa Branca.
Joe Biden, ao contrário, recolocou os EUA no Acordo de Paris e durante o seu mandato as fontes renováveis avançaram no país, embora não com a velocidade que a emergência climática demanda. De fato, Biden assinou a principal lei climática na história norteamericana, mas essa vitória da luta contra as mudanças climáticas não tem-se firmado como um trunfo para sua campanha.
Já foram feitas, inclusive, projeções do aumento da quantidade de emissões de gases de efeito-estufa nos próximos anos, pelos Estados Unidos, em caso de vitória de Trump. Uma análise do serviço noticioso especializado no tema Carbon Brief, divulgada no início de março, mostrou que haveria um aumento de emissões da ordem de 4 bilhões de dióxido de carbono equivalente até 2030 nos Estados Unidos, em caso de vitória de Trump.
Estas 4 bilhões de toneladas, segundo Carbon Brief, são equivalentes às emissões anuais somadas de Japão e da União Europeia, ou de 140 países com baixas emissões. Ainda conforme Carbon Brief, as novas emissões com Trump de novo na Casa Branca representariam a anulação dos impactos positivos de todas as unidades de energia solar, eólica e outras fontes limpas de energia instaladas no planeta nos últimos cinco anos.
A provável vitória de Trump, de novo, salvo uma mudança espetacular de cenário, já tem estimulado ações de retrocesso em território norteamericano, em termos de enfrentamento das mudanças climáticas.
Uma ação muito preocupante nesse sentido foi o recente anúncio de megacorporações do mundo financeiro, como Pimco, State Street e JPMorgan, de que estavam se retirando da iniciativa Climate Action 100+, uma aliança internacional de grandes fundos de investimento.
Lançada em dezembro de 2017, a Climate Action 100+ foi idealizada com o propósito de que os grandes investidores influenciassem o mundo corporativo em geral a se engajar na luta global contra as mudanças climáticas, pelo fomento à energia renovável e cortes nos subsídios aos combustíveis fósseis. Em seu auge, a Climate Action 100+ somou cerca de 700 associados, entre grupos de investidores, grandes empresas e redes de investimento.
O recuo de vários investidores, em termos de engajamento contra as mudanças climáticas, tem sido explicado pelo temor de reação de seus acionistas mais conservadores, que são mais afinados com um capitalismo sem freios. Enfim, o recuo seria uma forma de atender ao desejo da total livre iniciativa, conforme uma forte corrente em curso nos Estados Unidos, muito associada às correntes mais fundamentalistas do Partido Republicano. O temor dos gestores de muitos fundos de investimento é que esses acionistas entrem com ações na justiça questionando os parâmetros favoráveis ao estímulo às energias limpas.
São as mesmas correntes, como já comentamos neste espaço, que tiveram grande efeito no recuo da aplicação da Agenda 21 nos Estados Unidos no início do século 21. Esse recuo teve um efeito dominó, levando a retrocessos na Agenda 21 em outras partes do mundo. O mesmo fenômeno vem sendo observado agora, com a reação de alas republicanas à adoção por muitas empresas da Agenda ESG (de Environmental, Social and Governance, Ambiental, Social e Governança em português).
Esses preocupantes recuos no centro do capitalismo norteamericano ocorrem justamente no momento em que se acumulam dados sobre a gravidade do quadro global das mudanças climáticas, atingindo, claro, os próprios Estados Unidos. Não são poucos os cientistas norteamericanos, por exemplo, que têm defendido a criação de uma nova categoria, a de número seis, para classificar a intensidade dos furacões, cada vez mais frequentes naquele país.
Atualmente, a categoria máxima para classificar os furacões é a de número cinco, equivalente a ventos superiores a 157 milhas por hora, ou 252 quilômetros por hora. A categoria seis seria para furacões com tempestades acima de 192 milhas por hora, ou 309 quilômetros por hora, conforme um estudo publicado por dois cientistas na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Essa nova categoria seria uma forma de contribuir para aprimorar os sistemas de alerta e enfrentamento de furacões cada vez mais potentes, no âmbito das mudanças climáticas.
Enquanto isso, a temperatura global cresce cada vez mais. O mês de janeiro de 2024, conforme os dados já consolidados, foi em termos planetários 1,66 graus Celsius superior à média pré-industrial. Como se sabe, o Acordo de Paris, de 2015, previa que todos os esforços deveriam ser feitos pelo conjunto de países para que a temperatura média global suba no máximo 1,5 grau Celsius em relação à média pré-industrial. Enfim, enquanto os poderes se digladiam, todos, mas sobretudo os mais pobres, sofrem com um mundo cada vez mais quente, com impactos imprevisíveis nos quatro cantos do planeta.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com