Em meio ao espaço abarrotado da academia, dezenas de corpos se movem como autômatos, cada um envolto em seu próprio universo sonoro. Os fones de ouvido funcionam como pequenas cápsulas de isolamento, barreiras acústicas que separam o indivíduo do contato direto com o outro. Curiosamente, a multidão parece mais distante quanto mais próxima fisicamente se encontra. O suor, antes sinal de esforço físico voltado à saúde, transforma-se em ritual de evasão.
O corpo em movimento deixa de ser expressão de vitalidade e passa a ser instrumento de fuga. Uma pauta extremamente atual que é vista tanto em vídeos em redes sociais, bem como nas academias, ao vivo, é sobre isso que lhe convido a refletir hoje comigo nessa coluna, posso contar com sua companhia meu caro leitor, minha caríssima leitora? Fico feliz que sim, então, acompanhe-me, por favor.
O fenômeno revela algo profundo da psique contemporânea: a necessidade de encontrar refúgios diante da realidade dura. O cotidiano, com sua pressão e exigências, provoca um desconforto que a mera presença física não consegue suportar. Assim, a academia deixa de ser espaço de construção corporal e torna-se um local de autossilenciamento, de tentativa de dissolver o contato com o mundo exterior. Cada repetição de exercício carrega consigo um gesto quase defensivo, um afastamento simbólico do que dói.
O fone de ouvido não é apenas aparelho de música: é uma barreira psíquica, um objeto transicional que permite suportar a presença do mundo. Dentro dessa cápsula sonora, o indivíduo encontra a ilusão de controle sobre suas emoções, sobre a angústia que insistiria em se manifestar fora do espaço da academia. A intensidade do esforço físico funciona como anestésico temporário, e a respiração ofegante substitui, em parte, o grito contido que não ousa emergir. É notável observar a repetição silenciosa: corpos lado a lado, mas sem olhar, sem toque, sem troca. O outro é percebido apenas como ruído periférico, não como sujeito que compartilha o mesmo espaço de vulnerabilidade. Nesse isolamento coletivo, a multidão se torna um espelho paradoxal: cada um sozinho, mas todos juntos. A solidão não é mais apenas individual, mas socialmente compartilhada, legitimada pelo ritual do exercício.
Psicanaliticamente, podemos dizer que o corpo torna-se objeto de projeção da ansiedade e do vazio. O esforço físico, o ritmo, o suor e a música criam uma ilusão de controle sobre a realidade que, de fato, permanece inalterada fora do espaço protegido. Há uma necessidade de “escapar do mundo” sem realmente se afastar dele: a academia lotada oferece essa possibilidade. Cada repetição é uma tentativa de modular o inconsciente, de criar fronteiras entre o interno e o externo, entre o que se pode suportar e o que ameaça transbordar.
Assim, o espaço da saúde física transforma-se em um espaço psíquico, um território intermediário onde o indivíduo tenta reorganizar seu sofrimento, mesmo que de forma provisória. A ironia é evidente: quanto mais se busca o refúgio, mais a presença do outro é invisibilizada, e a realidade continua a persistir, implacável, fora do alcance dos fones, do suor e da música.
E então, me pergunto: até que ponto nossas fugas silenciosas nos protegem ou nos aprisionam? Quanto do nosso sofrimento seguimos carregando, mesmo enquanto respiramos ofegantes e sentimos a música nos envolver? Talvez seja hora de olhar para além do corpo em movimento e encarar a própria mente em sua totalidade.
Thiago Pontes Thiago Pontes é Filósofo, Psicanalista e Neurolinguísta (PNL). Instagram @dr_thiagopontes_psicanalista – site: www.drthiagopontespsicanalista.com.br











