Não bastassem as enormes barreiras para a construção de um modelo de desenvolvimento mais sustentável, de respeito aos direitos humanos e proteção dos recursos naturais, a sociedade contemporânea tem pela frente o enorme desafio de enfrentar a escalada da desinformação e das chamadas fake news. Para mim, particularmente, são mentiras mesmo. Usar o termo importado fake news enfraquece o que realmente é, mas que seja. Todo mundo já sabe o que são as fake news.
Não é um desafio trivial. As redes sociais têm influência cada vez maior na formação da opinião pública. Uma mentira, desculpe, uma fake news divulgada com cara de verdade demora para ser rebatida. O estrago já pode ter sido feito. É um enorme dilema para as instituições. A desinformação de forma geral e as fake news em particular são uma séria ameaça ao próprio sentido da democracia. A imprensa séria também é muito afetada pelo avanço da desinformação.
No âmbito do grande elenco de questões socioambientais a serem enfrentadas pelo planeta, a desinformação e as fake news também têm provocado muitos danos, como no âmbito do combate às mudanças climáticas. Há anos se fala de campanhas das grandes empresas que lucram com os combustíveis fósseis, questionando se existe mesmo o aquecimento global das temperaturas.
Mesmo com toda a comprovação, com anos quebrando recordes de temperatura, esse tipo de campanha continua, com milhões de dólares gastos pelas companhias de fósseis nas redes sociais e veículos tradicionais de comunicação.
Com atraso considerável, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas citou pela primeira vez em seu último relatório, de fevereiro de 2023, a desinformação como um desafio a mais no enfrentamento das mudanças do clima. Um ingrediente adicional que complicada o quadro é o avanço da Inteligência Artificial, que pode criar textos e fatos em milésimos de segundo e disseminar pelas redes. De novo, o impacto da mentira propagada pode ser letal, difícil de ser rebatido e desmontado depois. Considerado o “pai” da Inteligência Artificial, o cientista Geoffrey Hinton fez sérias advertências sobre as possíveis consequências dessa tecnologia, depois de deixar o seu emprego no Google em maio deste ano.
No caso do Brasil, a desinformação em geral e as fake news em particular também estão evoluindo de modo assustador, e sem que os poderes públicos constituídos deem respostas adequadas para a proteção da cidadania. Apenas uma forte mobilização dessa mesma cidadania organizada pode levar a medidas de proteção mais adequadas.
Apesar de todas as evidências de escalada de destruição da Amazônia, por exemplo, a desinformação também é identificada como um grande desafio para quem luta pela preservação e uso sustentável da floresta. Na realidade, o Brasil ainda não conhece direito a Amazônia e isso dá margens para a proliferação da desinformação sobre a região. Aquele é um país à parte, com o transporte de pessoas e cargas feito em grande parte por rios.

Garantir educação e saúde para os milhões de amazônidas que vivem praticamente isolados exige um trabalho gigantesco. Assim, um esforço enorme para que todo brasileiro conheça melhor a Amazônia, de fato, deve começar pelo sistema educacional, como uma medida preventiva contra a escalada da desinformação, que tende a prosseguir considerando os interesses (geo)políticos e econômicos ligados à região.
No momento, um conjunto de organizações da sociedade civil se dedica a identificar e rebater um verdadeiro ecossistema de desinformação que foi estruturado nos últimos anos para espalhar fake news e conceitos falsos sobre a Amazônia. Um primeiro fruto importante desse trabalho é o relatório “Combate à desinformação sobre a Amazônia Legal e seus defensores”. Estão envolvidas em sua confecção organizações como Intervozes, Mídia Ninja, Casa Ninja Amazônia e Instituto Mapinguari.
O relatório mostra o resultado da pesquisa que identificou 70 difusores de desinformação sobre a Amazônia e seus defensores e que utilizam plataformas como Facebook, Instagram e Twitter para espalhar seus conteúdos.
Segundo o relatório, são pessoas identificadas em sua maioria com grupos de direita e extrema direita. O relatório também contemplou a atuação de três portais na Internet que divulgam notícias falsas.
Supostos complôs internacionais pelo domínio da Amazônia, inclusive com a participação da Organização das Nações Unidas; negativas quanto aos índices de desmatamento e queimadas da floresta; notícias falsas sobre as lideranças indígenas e de movimentos sociais que lutam pela preservação e uso sustentável do bioma – esses são alguns dos eixos da desinformação que vem sendo propaga sobre a região. Como se sabe, o desmatamento, e em particular na Amazônia mas também no Cerrado, é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil. São os gases que alimentam as mudanças climáticas globais em curso.
Em síntese, enfrentar a desinformação e as fake news é mais uma relevante tarefa no processo de construção da sustentabilidade. E isso não apenas no caso da urgente defesa da Amazônia ou do Cerrado, onde o desmatamento também avança em um ritmo inquietante. Nos ambientes urbanos, a missão é igualmente relevante.
Os alimentos que consumimos têm origem saudável e sustentável? Aquela roupa que apreciamos foi produzida com total respeito aos direitos de quem a fabricou?
Todas as atitudes cotidianas hoje podem envolver algum tipo de embate entre verdade e desinformação. A melhor fórmula de amadurecimento de uma cidadania ativa diante desse cenário é antiga, é a educação de qualidade, crítica, questionadora.
O Brasil ainda está longe dessa realidade, mas é fundamental que o sonho continue a ser perseguido.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com