“Falar até papagaio fala.” O provérbio popular, carregado de ironia, aponta para uma das tensões mais recorrentes nas relações humanas: a distância entre discurso e ação. No plano psicanalítico, essa dissociação nos leva a refletir sobre o funcionamento do sujeito dividido, capaz de elaborar falas sedutoras e envolventes, mas que, no ato, revela uma incoerência que denuncia tanto sua estrutura psíquica quanto seus mecanismos inconscientes de defesa.
Freud já chamava atenção para o fato de que o discurso consciente não é garantia de verdade subjetiva. Muitas vezes, o que alguém declara com eloquência nada mais é do que uma racionalização, uma formação reativa ou mesmo um sintoma envernizado pela retórica.
O sujeito fala de ética, mas age de forma cínica; exalta a solidariedade, mas pratica o egoísmo; clama por justiça, mas goza da posição de poder que lhe permite manter desigualdades. Nesse hiato entre palavra e ato emerge a experiência da hipocrisia, que, quando percebida pelo outro, provoca indignação, raiva e até desilusão.
Do ponto de vista da psicanálise, a fala pode ser compreendida como uma máscara, um lugar onde o sujeito tenta sustentar uma imagem idealizada de si. Lacan nos lembra que o discurso é estruturado como uma rede simbólica que organiza o desejo, mas não o esgota. Assim, a pessoa que fala muito, mas não age, encena uma versão narcísica de si mesma, sustentando um personagem que responde mais à sua necessidade de reconhecimento do que ao compromisso real com o que enuncia.
Essa dinâmica não é rara. No ambiente social, político, acadêmico ou até familiar, encontramos indivíduos com uma oratória impecável, capazes de encantar plateias, mas que, no cotidiano, falham em corresponder minimamente ao que defendem.
O efeito que isso produz no outro é uma mistura de fascínio inicial e posterior frustração, quando se revela a inconsistência do falante. É o momento em que o “papagaio” mostra que apenas repete palavras, mas não internaliza seus significados.
A psicanálise nos ensina, porém, que essa incongruência não deve ser entendida apenas como “maldade” ou “má-fé”, mas como expressão de conflitos internos. Muitas vezes, o sujeito deseja ser aquilo que anuncia, mas permanece aprisionado em mecanismos de repetição, ambivalências pulsionais e resistências inconscientes. O discurso elevado funciona então como defesa contra a angústia de reconhecer sua própria impotência.
Ainda assim, do ponto de vista ético, não podemos negar a responsabilidade do falante. Palavras têm peso, e o descompasso entre elas e os atos destroem vínculos de confiança. A indignação que surge diante da hipocrisia não é apenas moral, mas também afetiva: sentimos que fomos enganados, seduzidos por uma promessa vazia.
Esse engano toca na ferida narcísica de acreditar no Outro e, em seguida, deparar-se com sua falta.
Por isso, a expressão popular permanece tão atual. “Falar até papagaio fala” é um chamado à desconfiança saudável, à necessidade de confrontar palavras com ações. Mais do que valorizar discursos adornados, é preciso observar a consistência da prática. A psicanálise convida, então, a ir além da superfície verbal e investigar o que, no sujeito, insiste em não se traduzir em ato.
Assim, diante da retórica brilhante que não se confirma no real, podemos enxergar não apenas a hipocrisia social, mas também a fragilidade subjetiva. A indignação que sentimos é justa, mas também reveladora: mostra-nos o quanto esperamos do Outro uma coerência que, talvez, seja sempre parcial. Afinal, a fala humana nunca é plena, e mesmo os melhores discursos estão atravessados por falhas. Porém, quando a distância entre dizer e fazer se torna abismo, resta-nos repetir o ditado, como alerta e crítica: falar, até papagaio fala.
Thiago Pontes Thiago Pontes é Filósofo, Psicanalista e Neurolinguísta (PNL). Instagram @dr_thiagopontes_psicanalista – site: www.drthiagopontespsicanalista.com.br











