Campinas deu um importante passo na proteção à infância ao assinar um projeto de lei para Guarda Subsidiada, que prevê apoio financeiro às famílias extensas ou com vínculos afetivos que acolham crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, sob decisão judicial.
A medida busca oferecer uma alternativa ao acolhimento institucional, fortalecendo o cuidado familiar e comunitário. Exemplos de municípios da região que já aplicam o serviço mostram bons resultados para a preparação das crianças.
A proposta da nova lei, agora em trâmite na Câmara de Campinas, é estimular aquela família que tem um vínculo afetivo ou consanguíneo com a criança, mas que por diversas razões e principalmente as questões financeiras não consegue fazer o acolhimento.
A estrutura de atendimento será fornecida pela secretaria municipal de Assistência Social, com uma meta de atender até 60 crianças e adolescentes. Para participar as famílias ou indivíduos devem residir em Campinas, ter a guarda concedida judicialmente e participar de formação e acompanhamento psicossocial.
“É importante dizer que este vínculo é verificado antes de ser definida a guarda. A criança e o adolescente são ouvidos para que seja comprovado o vínculo da criança com a família e vice-versa. Dessa forma, com a decisão judicial a família guardiã vai receber o suporte financeiro, e o acompanhamento da equipe técnica de psicólogos e assistentes sociais durante o desenrolar desse acolhimento”, detalhou a secretária Vandecleya Moro, no dia da assinatura do PL.
Exemplos acolhedores
O serviço de acolhimento familiar não é algo recente. Faz parte do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e está presente na Constituição Federal. Indaiatuba, Americana e Sumaré oferecem há alguns anos essa possibilidade de se tornar uma família acolhedora, através de programas acompanhados por organizações da sociedade civil (OSCs).
Ainda que o número de famílias acolhedoras esteja longe do ideal, cada história tem sido marcada por vínculos fortes, transformações emocionais profundas e o reencontro do amor em meio à vulnerabilidade.
“Nosso papel é evitar que um bebê vá para um abrigo. Ele precisa de colo, de cuidado e de alguém que diga: ‘Você é amado’”, afirma Juliana Asevedo Santana, de 42 anos, que junto do marido, Airton, acolhe crianças desde 2022 em Americana.
Além deles, outros cinco lares em Americana são acolhedores através da Associação de Promoção e Assistência de Americana (Apam) – entidade conveniada com o município há seis anos, e que já teve a contribuição de 44 famílias acolhedoras.

Dedicação com amor
Juliana e o marido Airton, de 48 anos, são uma família que atualmente estão em seu terceiro acolhimento. A cada chegada de uma criança a casa se transforma, seja com móveis, rotina e horas de carinho e atenção.
“Dizemos para essa criança como ela é muito amada, desejada, e que o ‘tio’ e ‘tia’ a amam muito”, conta Juliana, que no momento está com uma menina. “Fazemos um berço de acolhimento, para que ela (criança) que possa evoluir futuramente”.
A ideia de ser “curativo de uma ferida” emociona e fortalece a família Santana. “Eles vão embora, a gente chora. Mas logo a gente espera a próxima criança”, diz. “Mas contribuir para cicatrizar algo que doía, isso não tem preço”.
Família Acolhedora é lei
Também em Americana, o casal Amanda Aquidauana Biazon, 35, Gabriel Henrique Gozzi, 38, estão nas últimas fases de acolhimento de um bebê de 10 meses. Em abril, a criança foi adotada por uma família. Foi a primeira experiência para o casal.
Foram 10 meses de acolhimento, juntamente com a fase de crescimento da filha do casal, hoje com 2 anos.
“No período em que ficamos com ele o nosso foco principal era levar muito amor, mas também fazer com que ele acompanhasse os desafios da idade dele. Ele chegou até nós com poucos estímulos, com saúde também fragilizada”, conta Amanda.
A analista comercial trabalha em Campinas, e por lá conheceu um adulto que, na infância, relatou ter sido acolhido por uma família. Falou a ela que foi o período em que o amor recebido ajudou a superar um momento difícil com a família biológica, para onde voltou mais tarde. A história mexeu com Amanda, e o casal se inscreveu no serviço da Apam.
“O momento em que ele esteve conosco foi inexplicável. Poder partilhar de um amor sincero é uma experiência extraordinária que eu aconselho todas as pessoas a viverem esse acolhimento. Esse serviço é regulamentado através de lei, então precisamos de mais gente a cumprindo”, acrescentou.
O serviço de acolhimento familiar da associação de Americana existe desde 2019, e tem crescido, mesmo com desafios. De acordo Isabela Albuqueque Cruz, psicóloga e coordenadora do serviço de acolhimento Apam, atualmente seis famílias estão ativas no programa e outras três em processo de formação. Pouco para um universo de 240 mil habitantes de Americana, avalia.

A seleção das famílias acolhedoras é cuidadosa: há aulas de capacitação, visitas domiciliares, avaliação psicológica e social, e apresentação de uma série de documentações. A maior parte das famílias acolhem bebês e crianças.
“O foco sempre será a reintegração familiar dessa criança. E quanto mais rápido ele ocorrer melhor é para todos. Os acolhimentos duram em média de 9 a 10 meses”, ressalta a coordenadora.
Ela explica que o trabalho junto a família de origem daquela criança e composta de diversas etapas, que vão de traçar a competência parental dessa família, se os fatores de riscos que aquela criança passava se cessaram, se há presença de outras violações, do uso de drogas e a família cumpriu o plano de ação determinado pela justiça.
“A primeira infância precisa de colo. De cuidado exclusivo. E isso um abrigo não consegue dar. O que move essas famílias vai além do dinheiro. Elas entendem o papel social e emocional que cumprem”. O acolhimento, em Americana, é remunerado com um salário mínimo estadual.
Até hoje, a parcela de crianças que retornaram às famílias de origem e aquelas que foram adotadas mantém-se iguais em Americana.
Outros municípios
Outro exemplo na região é o Projeto Moradas, realizado em Indaiatuba em parceria com a OSC Associação Beneficente Abid. Desde a implantação da lei municipal, em 2022, a cidade já acolheu mais de 50 crianças.
O modelo prevê ajuda de custo de até um salário mínimo e meio para as famílias. Atualmente, de acordo com o site da Abid, 20 crianças estão sendo acolhidas através do programa.
Já em Sumaré, o acolhimento familiar de crianças e adolescentes a existe desde 2023, em uma parceria da Secretaria Municipal de Inclusão, Assistência e Desenvolvimento Social e do Lar Batista.
Em Jaguariúna, a lei que instituiu o serviço de acolhimento familiar foi aprovada no ano passado, mas segundo a Prefeitura o texto está em análise na Câmara Municipal para inclusão de um artigo que permita parcerias com organizações da sociedade civil e empresas privadas.

Números
Segundo os dados mais recentes do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, em 2023 havia no país 2,9 mil unidades de acolhimento institucional e 620 serviços de acolhimento familiar.
O número de crianças e adolescentes acolhidos por famílias vem crescendo: eram 1,3 mil em 2018; 1,6 mil em 2019; 1,8 mil em 2020; 1,9 mil em 2021 e 2022; e 2,1 mil em 2023.
Além do acolhimento familiar, o Brasil também conta com serviços de acolhimento institucional. Nesses espaços, são oferecidos cuidados especializados a indivíduos afastados temporariamente do núcleo familiar ou comunitário, em situação de abandono, ameaça ou violação de direitos.
As unidades funcionam como moradia provisória, até que a criança possa retornar ao convívio familiar, ser encaminhada a uma família substituta ou alcançar autonomia.











