Enfim chegamos a 2022. Os anos de 2020 e 2021 foram dramáticos para a humanidade e absolutamente terríveis para a saúde pública de todo o mundo. Nenhuma das gerações que hoje habitam a Terra viveu ou esperava viver uma crise sanitária como a da pandemia causada pelo SarsCov2 e sua doença denominada Covid-19. Foram mais de cinco milhões de mortes em todo o mundo e centenas de milhões de casos distribuídos por todo o planeta. Nada parecido havia sido experimentado nos anos recentes e, por mais preparados que estivéssemos, não foi possível atender a todas as demandas que a pandemia trouxe a todos os sistemas de saúde.
Assistimos sistemas avançados e países com estágios de desenvolvimento humano e econômico bastante elevados, sucumbirem à severidade da progressão da epidemia. O país mais rico do mundo teve o maior número de casos e de mortes. O Brasil, infelizmente, foi o segundo colocado em casos e mortes em todo o mundo. Tivemos que enfrentar duas ondas, uma em 2020 pelo vírus selvagem original e, uma ainda pior já em meio às variantes, principalmente a P1, em 2021.
Nesta segunda onda tivemos 3x mais mortes do que na primeira devido à enorme capacidade de disseminação e contágio do vírus. Aí vieram as fantásticas vacinas.
Impressionante como elas foram capazes de arrefecer a pandemia em muitos países e também no Brasil, apesar do negacionismo inaceitável ainda prevalente aqui e no mundo. Em nosso país, mesmo sem comando único e um governo federal disfuncional, a existência e estrutura do SUS em cada ponto de nosso território, e a tradição e aceitação por parte da população de vacinar que vem da década de 1960, quando as primeiras campanhas de multivacinação começaram, fizeram toda a diferença. Apesar de tudo e do atraso de três meses, avançamos no programa de vacinação e conseguimos reduzir de maneira altamente significativa os casos e a mortalidade da Covid-19.
Agora, não temos dúvidas de que chegou a hora e a vez das crianças. Devemos vaciná-las e assim, fechar todo o ciclo populacional e reduzir agravos e risco à vida neste grupo e ainda a transmissão viral através das crianças.
A atual polêmica não tem sentido tendo em vista os riscos que todos ainda estamos correndo, inclusive as crianças. Sabemos que a vacinação não é por si só um salvo conduto contra a doença. As medidas não farmacológicas, associadas às vacinas, quanto mais tempo puderem ser mantidas, melhores serão os resultados globais de enfrentamento da pandemia. Não sabemos ainda como será nossa relação de longo prazo com esta pandemia, por quanto tempo e em que periodicidade deveremos manter a vacinação. Por hora, não há como pensar em nossa vida sem as vacinas. Tudo leva a crer que seremos vacinados periodicamente baseado nas cepas vigentes como ocorre todos os anos em relação à influenza. Qual será esta periodicidade? Quais serão os grupos alvos desta vacinação? Qual (is) será (ão) a (s) melhor (es) plataforma (s) de vacina (s) a ser (em) produzida (s) e utilizada (s)? Como enfrentar as sequelas e a Covid-19 “longa”?
Nesta última demanda, provavelmente, enfrentaremos com a criação, no âmbito do SUS e do sistema complementar, de ambulatórios multiprofissionais e multidisciplinares. Enfim, muitas dúvidas e desafios ainda existem e o avanço da ciência e dos dados epidemiológicos constantemente disponíveis farão as orientações aos vários sistemas de saúde a respeito desta convivência futura com o vírus e a doença.
Entretanto, a vida segue e é muito mais ampla e complexa do que a que vivenciamos na pandemia. Na saúde pública, esperamos grandes rebotes em várias áreas. Por dois anos muita coisa ficou para trás e deverão ser enfrentadas com organização e priorização. Tenho discutido e alertado que a oncologia, possivelmente, será uma das áreas mais desafiadoras. Neste período de pandemia, milhões de procedimentos de rastreamento, diagnóstico e terapêutica, clínica e cirúrgica, ficaram sem execução. Mas, devemos recuperar na rede de atenção básica, as melhores práticas de pré-natal e assistência ao parto. Neste período de pandemia, infelizmente, tivemos uma piora na mortalidade infantil e materna. Tivemos uma preocupante redução da cobertura vacinal em nossas crianças e adolescentes. Tivemos ainda um não menos preocupante recuo no número de transplantes de todos os tipos, em alguns casos este recuo foi de décadas, como o de córnea. Mas todos os transplantes sofreram uma piora nunca vista.
No campo das doenças cardíacas e vasculares, muito deverá ser feito. O que atenuou em parte este prejuízo foi a liberalização da assistência farmacêutica aos pacientes estáveis com doenças crônicas como os hipertensos e diabéticos tipo 2 e o grande desenvolvimento do cuidado remoto desenvolvido no âmbito do SUS e do sistema complementar. Enfim, há um enorme trabalho de reconstrução dos sistemas de saúde e de resgate dos pacientes e da população em suas necessidades.
Com o retorno de todas as atividades da sociedade é esperado que em 2022 alguns problemas recorrentes dentro da saúde pública também reapareçam como a doença respiratória aguda grave (SRAG) da infância de causa viral (que praticamente desapareceu durante a pandemia pois as crianças ficaram em casa); as arboviroses, sempre com destaque à dengue, mas não menos importante, a chikungunya, que já vem mostrando sua face no Nordeste brasileiro e no Litoral paulista, dentre outras doenças sazonais que possam ocorrer.
Os sistemas de saúde deverão voltar a sua plenitude com grande enfoque à prevenção e assistência às doenças mais prevalentes e seus agravos. A vigilância em saúde deverá se multiplicar para atender as demandas da pandemia, que não estará finalizada, e todas as outras demandas da sociedade devidas ao retorno de quase todas as atividades.
Em minha opinião, 2022 será um ano muito desafiador pois conviveremos com a manutenção do cuidado com a pandemia e seus rescaldos e todos os desafios das retomadas sociais em todos os seus campos de atuação.
Espero que não tenhamos novas ondas e para isto precisamos ainda cuidado e muito “juízo” de todos. Importante é que mantenhamos nosso espírito de vigilância, solidariedade e complementariedade que prevaleceu em todos os momentos de enfrentamento da pandemia, principalmente nos mais aflitivos. Que possamos ultrapassar mais estes desafios com sabedoria, inteligência e espírito público. Feliz 2022 a todos: saúde, paz, sucesso e muitas alegrias!
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020.