Rara leitora, raro leitor, deparei-me hoje mesmo com um cartaz cujo conteúdo coloco como título do meu artigo, e por isso, utilizo-me das aspas. Confesso que por alguns milésimos de segundo meu cérebro processou uma informação que não convergia com a realidade do banner, que se encontrava em cima de uma (quase extinta) banca de jornais.
Veio uma imagem à minha mente, como aqueles balõezinhos de quadrinhos: uma gatinha e uma cadela (ou um gato e um cachorro) sentados lendo um livro.
Que imaginação infantil, é verdade, beirando a inocência, mas às vezes nossa mente processa de uma maneira que procura escapar das podridões contemporâneas (note-se que, no Brasil, “animal de estimação” virou “pet”, “igreja” virou “church”, “mentira” virou “fake News” e por aí vai).
A verdadeira intenção do grande anúncio era dizer que, naquela banca, jornais eram vendidos não para os pets especificamente, mas para os dejetos deles: cocô de gato, cachorro, passarinho e por aí vai. Lembrou-me um episódio que assisti uma vez do humorístico Pé na Cova, escrito por Miguel Falabella, em que o dono de uma banca de jornais estava fechando seu estabelecimento e voltando ao interior para cuidar das galinhas porque, dizia ele, “ninguém mais lê”.
É uma grande ironia. Mas querem nos fazer acreditar que “nunca se consumiu tanto conteúdo”… Talvez seja até verdade, mas se adicionarmos “de qualidade”, a frase torna-se inverídica.
Fenômeno que acontece nos dias de hoje – e que o dicionário Oxford elegeu como a “palavra do ano” de 2024 foi a “brain rot”, que, traduzindo para a língua portuguesa, seria algo como “podridão cerebral” (lembro-me que alguns anos atrás a palavra escolhida foi a “carinha”, o famoso emoji. Já tivemos também o verbete “fake News”). O termo descreve o que acontece quando passa-se muito tempo nas “telas”, e há a transferência da consciência para aquele ambiente virtual, escapando da vida real.
Por sinal, bem parecido com a ação dos zumbis. Ailton Krenak, um grande escritor indígena, disse uma vez que “tem gente vivendo e tem gente zumbizando por aí”. Eu adicionaria que tem MUITA gente zumbizando por aí. Os zumbis e sua podridão estão tomando conta do mundo. Os zumbis trocam mensagens, mas sua troca de mensagem não é comunicação. Os zumbis falam, mas não dizem nada.
Os zumbis contemporâneos são treinados para acreditar, não para saber; são aqueles que seguem certas personalidades vazias, conteúdos sem importância. Os mesmos apodrecidos cerebrais só podem se mover por carinhas, acreditar em notícias fraudulentas…
E é melhor algo vazio que podre. O vazio ainda pode ser preenchido com algo bom; o único destino de algo podre é o lixo, lugar onde se efetuará a sua realização plena. Necrose!
“Tik tak, o tempo vai passando, e a gente aqui sentado no banquinho conversando” (Doctor MC´s)
Hoje, é no “TikTok” que o tempo vai passando, e a nossa podridão cerebral só aumentando.
Gustavo Gumiero é Doutor em Sociologia (Unicamp) e Especialista em Antigo Testamento – gustavogumiero.com.br – @gustavogumiero











