Desde a Independência, o Brasil tem sido conduzido por uma elite econômica e política que não representa o povo, mas sim os interesses externos, sobretudo europeus e estadunidenses. Essa elite, essencialmente agroexportadora, fundamentalmente conservadora, racista e classista, se coloca num lugar paradoxal: ajoelhada diante do capital estrangeiro, enquanto pisa nas costas do próprio povo. O projeto de nação das elites nunca foi verdadeiramente nacional. Foi, desde o início, um simulacro de soberania, conduzido por quem vê nos gringos o padrão de civilização e no povo brasileiro um fardo a ser administrado.
Quando tentativas de ruptura emergiram, como na Era Vargas, o militarismo se encarregou de desvirtuar o projeto de um Brasil independente e industrializado. Em vez de fomentar um patriotismo popular, enraizado na cultura e nas potencialidades brasileiras, impôs-se um nacionalismo autoritário, com discurso ufanista às avessas, sempre dependente dos EUA.
A suposta proteção à soberania nacional virou fachada para o alinhamento automático ao imperialismo norte-americano, que usou a ideologia como arma para manter o Brasil em posição subalterna.
Durante a Guerra Fria, o Brasil foi invadido, não por tanques, mas por ideias. A Doutrina Truman, o American Way of Life e a propaganda anticomunista forjaram um medo coletivo que jamais correspondeu à realidade. Falar em soberania nacional era sinônimo de ameaça vermelha, e a classe dominante tratou de associar qualquer tentativa de desenvolvimento autônomo à distorcida ideia de “perigo socialista”. Um truque ideológico eficaz para manter tudo como sempre foi.
A ditadura militar (1964-1985) levou isso ao extremo. Um falso patriotismo, construído a partir de censura e propaganda fajuta, consolidou o que Marilena Chauí denunciaria como a “síndrome do vira-lata”. O Brasil se achava inferior, menor, dependente. Nossa cultura, nossa história, nossa gente, tudo era secundário frente ao modelo estadunidense de civilização. Enquanto o povo era reprimido e torturado, os generais riam em banquetes com agentes da CIA.
Essa síndrome tem raízes profundas, e o racismo estrutural a alimenta diariamente. No imaginário de parte significativa da elite e da classe média brasileira, quanto mais próximo do branco europeu ou do americano conservador, mais “desenvolvido” e “civilizado” se é. Em contrapartida, a miscigenação, a cultura popular, a diversidade e a latinidade brasileira são ridicularizadas ou escondidas, como se fôssemos apenas uma caricatura – um vira-lata sem pedigree. Mas o “Caramelo”, esse símbolo popular que brotou do subúrbio para o mundo digital, nos lembra que há dignidade e potência naquilo que é mestiço, múltiplo e popular.
Como bem aponta Jessé de Souza, a elite financeira brasileira é parasitária: vive de impedir o progresso do país, mantendo o Estado como instrumento de seus próprios privilégios. Controlam o Congresso por meio de ruralistas, banqueiros, empresários, militares e pastores fundamentalistas: uma aliança perversa que desidrata políticas públicas, sabota avanços sociais e transforma qualquer tentativa de desenvolvimento autônomo em ameaça ao “livre mercado”.
Não é exagero dizer que o Brasil, com sua vasta extensão territorial, riqueza em recursos naturais, água doce, biodiversidade, capacidade produtiva e criatividade cultural, tem tudo para ser uma potência global. Mas precisa assumir isso. Não basta sonhar – é preciso romper com a subalternidade. A soberania não é bandeira em camisa da CBF: é projeto de nação. E esse projeto passa por enfrentar os que, aqui e fora daqui, nos querem apenas como colônia.
As recentes ameaças de Donald Trump, em seu segundo e desastroso mandato à frente dos EUA, escancaram a face mais suja do imperialismo. Ao anunciar taxas de 50% sobre produtos brasileiros, o presidente norte-americano tenta desestabilizar nossa economia como forma de chantagear o governo Lula, pressionando-o a anistiar seu aliado, o ex-presidente Jair Bolsonaro, investigado por conspirar contra a democracia brasileira. Isso não é política externa, é sabotagem imperial maquiada de diplomacia.
A presença do deputado federal Eduardo Bolsonaro nos EUA, com direito a passeios pela Disney e reuniões com extremistas, representa não só a fuga da responsabilidade institucional, mas também um projeto de traição ao país.
Ele atua como lobista da extrema-direita internacional, conspirando contra as instituições brasileiras, enquanto o povo paga seu salário. A família Bolsonaro nunca escondeu seus interesses: estão em missão pessoal, não em compromisso público.
As taxas de Trump atingirão em cheio justamente os setores que mais o aplaudem: empresários ruralistas e exportadores que adoram posar de “homens de bem”, mas vivem de entregar riquezas nacionais ao capital estrangeiro. Agora provam do veneno que sempre defenderam. São, ironicamente, as primeiras vítimas da chantagem estadunidense e, talvez seja hora de repensarem sua fidelidade canina ao patrão do norte.
Lula, neste contexto, age com coerência ao acionar o princípio da reciprocidade. A balança comercial Brasil-EUA é desfavorável a nós: importamos mais do que exportamos. Não há qualquer fundamento técnico ou ético para que Trump imponha barreiras tarifárias. Pelo contrário: trata-se de uma retaliação com viés político, uma forma de intervir em assuntos internos do Brasil e tentar salvar um criminoso da justiça, o que, por si só, é uma afronta à nossa soberania.
O episódio serve como termômetro: mostra quem realmente defende o Brasil e quem usa o patriotismo como máscara para seus interesses pessoais e ideológicos.
A extrema-direita se alimenta do caos, do medo e da desinformação. Não há compromisso com a verdade, com o povo ou com a democracia – apenas com o lucro e o poder. Trump e Bolsonaro não são aliados do Brasil, mas sim cúmplices de um projeto neocolonial, autoritário e antinacional.
O Brasil tem nas mãos a oportunidade de se afirmar como liderança global a partir da cooperação Sul-Sul, dos BRICS, da defesa da multipolaridade e de uma nova geopolítica baseada na justiça, na autonomia tecnológica, na reindustrialização e na inclusão social.
A imagem do Caramelo, esse cachorro de rua que virou ícone nacional, deve ser ressignificada: não como símbolo da submissão, mas da resistência, da criatividade e da coragem.
O Caramelo não é vira-lata: ele é brasileiro, com muito orgulho e consciência de classe! Será que ele vai morder de volta?
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo, mestre em Linguagens, Mídia e Arte, doutorando em Psicologia.