Com o avanço da vacinação da população contra o coronavírus, começaram as discussões sobre o retorno ao trabalho presencial, por conta disso, entrou no radar das empresas a possibilidade de implantação definitiva de um modelo híbrido, no qual os colaboradores alternam dias de trabalho na empresa e outros em home office.
Com os funcionários em casa, as companhias perceberam redução nos custos fixos, como água, energia elétrica, limpeza, entre outros. Além disso, a presença de um efetivo menor de funcionários no mesmo ambiente é uma vantagem sanitária, de saúde e segurança para adoção do modelo híbrido, evitando aglomerações e reduzindo os riscos de transmissão do coronavírus.
Pesquisa feita em março último pela Fundação Dom Cabral (FDC), em parceria com a EM Lyon Business School e a consultoria Grant Thornton, destacou que 58,8% dos brasileiros entrevistados consideraram a experiência de atuar em home office mais produtiva que o trabalho presencial (em 2020, o índice ficou em 44%).
Porém, entre os desafios enfrentados nesse sistema estão maior volume de horas trabalhadas (com 24% das respostas), dificuldades de relacionamento e de comunicação (ambas com 16% das respostas) e o equilíbrio com as demandas pessoais (14%).
Já um levantamento realizado no mês seguinte pela Zoom, empresa americana de videoconferência, com aproximadamente mil brasileiros – de um total de 7,6 mil pessoas entrevistadas em dez países –, aponta a falta de conexões entre pessoas como uma preocupação de 53% dos respondentes no Brasil e a falta de materiais e recursos de escritório como um quesito preocupante para 49% dos respondentes no modelo de trabalho híbrido.
A mesma experiência nos Estados Unidos mostra que 87% dos entrevistados desejam continuar no sistema de home office pelo menos uma vez por semana, conforme pesquisa feita pela consultoria Morning Consult.
Porém, para garantir proteção da relação trabalhista, esse modelo deverá constar dos contratos de trabalho, assim como determina a legislação trabalhista ao tratar do teletrabalho. Sem que as regras ou condições estejam expressamente previstas em lei para o teletrabalho, deverá ocorrer sua negociação e estipulação entre empregados e empregadores, como destaca Leonardo Bertanha, sócio na área Trabalhista na unidade Campinas de TozziniFreire Advogados.
Segundo ele, a legislação trabalhista exige que o teletrabalho esteja previsto em contrato de trabalho ou respectivo aditamento, o qual especificará as condições em que isso ocorrerá, como, por exemplo, o período do teletrabalho (total ou parcial/preponderante); se haverá (ou não) controle das jornadas de trabalho, assim como a flexibilidade dos horários e respectivos limites, caso haja registros dos horários; a disponibilização e os custos dos equipamentos ou da infraestrutura de trabalho, entre outros aspectos. “É importante que as partes negociem e estipulem aquilo que melhor se aplica a cada atividade empresarial e às necessidades dos empregados”, explica.
Se o processo de migração ou permanência do home office é inevitável, as empresas precisam se planejar, esclarecer as questões trabalhistas e investir em tecnologia para que a mudança seja feita com segurança, inclusive com observância da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e para evitar ataques cibernéticos. “As empresas possuem um grande desafio: manter o engajamento e o comprometimento dos seus empregados que atuam em home office, de forma que estes mantenham a performance e a qualidade na entrega dos trabalhos, mas também continuem se sentindo parte integrante da companhia. Assim, entendo que a gestão de pessoas terá um papel extremamente relevante, razão pela qual os departamentos de recursos humanos e os gestores deverão estar alinhados e atentos para as necessidades e anseios dos seus empregados, sempre no intuito de melhor capitalizar os ganhos inerentes desta forma de trabalho”, conclui Bertanha.
Mais do que nunca as empresas precisam fazer gestão de pessoas
O executivo de RH e Carreiras Marcos Tonin aponta que a intenção das empresas manterem o trabalho híbrido vem ganhando força com a vacinação. Mas, segundo ele, mais de 70% das que colocaram os funcionários em home office, por causa da pandemia, não estavam preparadas.
“A gente também descobriu que não tínhamos gestores preparados para lidar com a gestão de pessoas propriamente dita. Faziam gestão de resultados, não de pessoas. Tem casos de gestores que adotaram um modelo de extrema pressão, cobrança, mas nunca deu um telefonema para saber se o funcionário estava vivo. De que valem gestores com capacidades técnicas, se nesse momento que precisa de flexibilidade, de relação humana, habilidades comportamentais, essas pessoas não têm?”, questiona.
O especialista acrescenta que pesquisas apontam que 46% dos trabalhadores em home office relatam estar trabalhando mais de 12 horas diárias e que as empresas estão cometendo abusos, sem respeitar horário de almoço, de entrada e saída, com ligações o tempo todo e pressão.
“Tem muito assédio moral, ameaça de demissão tanto por escrito como por mensagem de voz. Então, tem aspectos sociais, emocionais e financeiros por trás do home office que as pessoas não se dão conta. Agora vamos ver quem é quem, que empresa é realmente responsável, diversa, realmente inclusiva”, avalia.
Ele acredita que pelo próximo período de um ano vai haver muita discussão e negociação acerca da implantação do trabalho híbrido justamente pela falta de preparo com o qual ele foi implantado na pandemia. “A área de relações trabalhista não tem descansado há mais de um ano, em contato com a área jurídica e em negociação com os sindicatos. Se a pessoa está em casa, vai até a cozinha beber água, tropeça e quebra o pé. É acidente de trabalho? Todos estão se fazendo essa pergunta”, diz.
A implantação definitiva do trabalho híbrido vai mexer com os benefícios, como vale-refeição, por exemplo. “Se a pessoa não vai na empresa todos os dias eu não preciso fornecer o vale para todos os dias. Mas como mexer em benefícios já adquiridos? Para exigir boa conexão a empresa vai ter de dar auxílio para isso. Então tudo vai entrar nessa discussão e negociação”, aponta.
De acordo com ele, para muitos funcionários houve ganho em qualidade de vida, principalmente para aqueles que enfrentavam grandes deslocamentos para chegar ao trabalho. “As empresas também gostaram da redução de custos, 76% das que iniciaram o home office na pandemia disseram que pretendem manter um modelo híbrido, mas ainda não sabem o modelo e nem a quantidade de dias”, finaliza Tonin.