Se existia alguma certeza nesse tempo de incertezas era que Donald Trump, uma vez no poder de novo, faria de tudo para implodir o Acordo de Paris. E não deu outra, um de seus primeiros atos foi retirar os Estados Unidos da “única coisa que separa a humanidade de 3ºC de aquecimento global ou mais”, na definição do Observatório do Clima, coalizão de organizações da sociedade civil que atuam no enfrentamento às mudanças climáticas no Brasil”.
O Observatório lembra que, na realidade, os Estados Unidos sempre foram uma pedra no sapato nas negociações climáticas. Entretanto, é incontestável que, com Trump ainda mais afiado nesse segundo mandato, a “saída americana de Paris evidentemente é uma má notícia e um risco imediato de inspirar outros líderes de extrema-direita do mundo a seguir o mau exemplo americano”.
Outro risco, de mais longo prazo, complementa o Observatório, é o de “os EUA fazerem bullying para retardar a transição energética em outros países”.
O certo é que a posse de Trump na segunda-feira foi uma clara demonstração do atual poder econômico e político do líder global. Estavam ao seu lado os CEOs das famosas big techs, que não estão “nem aí” para as tentativas de regulação das mídias sociais. Um dos riscos associados é o de que elas, com Trump de novo na Casa Branca, facilitem a intensificação da campanha de negacionismo climático, como mais uma grande barreira às negociações climáticas, que agora tendem a ser ainda mais tensas.
Mais produção de gás e petróleo, é o que se pode esperar desse segundo mandato trumpista. Resta saber o que será feito em relação às importantes medidas que o governo de Joe Biden tomou como parte do enfrentamento da emergência climática global.
E não foram poucas. Por exemplo, foram aprovados 10 parques eólicos offshore. Moradias em Long Island já estão sendo, inclusive, abastecidas pelo primeiro deles, instalado na costa de Montauk Point, Nova York. Muitos outros parques offshore estão projetados.
Será que Trump vai dar continuidade a seus projetos? Provavelmente não.
Também não se espera que ele continue a aquisição de ônibus escolares com emissão zero ou reduzida, o que foi iniciado com ênfase no governo Biden. E qual, acima de tudo, será o futuro da IRA, a lei aprovada no governo democrata para estimular a transição energética, que resultou em mais de 130 bilhões de dólares em investimentos em parques eólicos e solares e outras fontes renováveis, gerando pelo menos 115 mil empregos diretos?
Nesse sentido é de se esperar algum contraponto de setores empresariais norteamericanos com relação às ideias de Trump e seus nomeados para o primeiro escalão. Mas serão suficientes para superar um negacionismo climático de raiz, que pode, sim, afetar os humores em escala internacional?
Com o cenário nada animador sinalizado ainda durante a campanha presidencial norteamericana, e agora reafirmado e potencializado com a posse do primeiro presidente condenado pela Justiça nos Estados Unidos, cresce em importância a COP-30, que acontece no final do ano em Belém. Uma Conferência do Clima que finalmente tem o seu presidente, o diplomata André Corrêa do Lago, anunciado ontem pelo presidente Lula e a ministra Marina Silva.
É evidente que a nomeação no dia posterior à posse de Trump não foi por acaso.
O governo brasileiro sabe da importância exata da COP-30, provavelmente a última chance para que haja um entendimento internacional para que sejam tomadas medidas efetivas de enfrentamento das mudanças climáticas.
“Corrêa do Lago, diplomata experiente com profundo conhecimento das negociações multilaterais de clima, tem diante de si uma agenda desafiadora, num momento em que o aquecimento da Terra ultrapassa o limite do Acordo de Paris ao mesmo tempo em que a geopolítica se volta contra a ação climática e contra a cooperação internacional”, resumiu, de novo, o Observatório do Clima.
Ainda segundo o Observatório, está claro que, com a saída dos EUA do Acordo de Paris, novas lideranças “também precisam preencher o vácuo deixado pelos Estados Unidos. Isso põe mais responsabilidade especialmente sobre a China, a UE, a África do Sul e o Brasil – anfitrião da primeira reunião do BRICS e da primeira COP pós-Trump 2.0. Está nas mãos de Luiz Inácio Lula da Silva dar em novembro a primeira demonstração de que o mundo está disposto a seguir em frente e evitar o colapso da civilização, mesmo com a maior economia do planeta dobrando a aposta na distopia”.
O Brasil terá, de fato, uma oportunidade única, histórica, de agora liderar as conversas sobre o futuro do clima no planeta, uma vez que nem os devastadores incêndios de Los Angeles parecem ter sensibilizado alguns dos círculos de poder em Washington. Sobre essa tragédia, Trump disse discretamente que deve visitar a região atingida pelos incêndios na próxima semana. Não é de duvidar que ele acabe culpando de vez o governador da Califórnia, Gavin Newson, que é seu desafeto.
Mas efetivamente não dá para esperar que as soluções venham apenas dos governantes, seja eles quem forem, mesmo os bem intencionados.
O gravíssimo panorama da escalada de eventos climáticos extremos, que vão continuar acontecendo, somente será alterado, sendo otimista, com uma grande, robusta, mobilização da sociedade civil planetária.
E essa mobilização da cidadania global precisa derivar para ações concretas, a partir das comunidades locais, das cidades e regiões, para que evoluam e atinjam as esferas mais altas de poder. Nesse sentido foi muito positiva a realização ontem da primeira Conferência Intermunicipal de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Região Metropolitana de Campinas.
Participaram do evento em Campinas representantes dos 20 municípios da RMC. Houve uma divisão em grupos para a continuidade do trabalho, que resultará em propostas a serem encaminhadas à Conferência Estadual, em março, e depois à Conferência Nacional, em maio.
A RMC já teve oportunidades de ouro para uma séria reflexão sobre as questões socioambientais mais urgentes da sociedade contemporânea, as mudanças climáticas entre elas.
Em 2004, foi criada a Agenda 21 da RMC, por iniciativa do então presidente do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana, o prefeito na época de Sumaré, Dirceu Dalben. A RMC se tornou então a primeira região metropolitana do Brasil com uma Agenda 21, que levou a iniciativas importantes. Tive a honra de ser o primeiro coordenador daquela iniciativa.
Mas depois não houve continuidade, e com isso a região perdeu tempo precioso.
Recentemente, com o agravamento das mudanças climáticas, e em particular depois da microexplosão atmosférica em Campinas em 5 de junho de 2016, a temática socioambiental ganhou maior amplitude. Ela se intensificou nos últimos anos, com a liderança do então prefeito de Jaguariúna, Gustavo Reis, como presidente do Conselho de Desenvolvimento da RMC.
Uma das ações concretas, nascida de discussões na Câmara Temática de Defesa Civil, foi a aquisição de um radar meteorológico de última geração, instalado na Unicamp, que melhor capacita a região no enfrentamento de eventos climáticos extremos.
Há muito trabalho a fazer. A RMC pode novamente ser uma referência, se conjugar o seu potencial científico e tecnológico a uma mobilização do poder público e sociedade civil, para ações efetivas de enfrentamento das mudanças do clima. E com isso inspirando outras comunidades e regiões. Não há outra saída para o mundo evitar o inferno climático que paira no horizonte.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com