Há exatamente 100 anos, assim como hoje, o Brasil ainda se recuperava dos efeitos de uma pandemia que havia assolado o mundo, no caso a gripe espanhola, e vivia um momento de transformação nos campos da tecnologia e da comunicação, na época com a criação da primeira emissora de rádio do país.
A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro surgiu em 1923, na esteira da primeira transmissão radiofônica realizada no Brasil, acontecimento que marcou a abertura da Exposição Internacional do Centenário da Independência, no dia 7 de setembro de 1922. Na ocasião, os brasileiros puderam ouvir pelas ondas do rádio o discurso do então presidente Epitácio Pessoa, seguido da ópera “O Guarani”, do famoso compositor campineiro Carlos Gomes.
Por falar em Campinas e Guarani, o ano de 1923 também representou um marco importante para o futebol da nossa cidade, com a inauguração do primeiro estádio do clube, o “Estádio Guarani FC”, que mais tarde viria a ficar conhecido como “Pastinho”. O campo ficava localizado na Rua Barão Geraldo de Rezende, no bairro Guanabara.
Ao longo de seus 30 anos de existência, entre 1923 e 1953, o Pastinho recebeu 520 jogos, com 329 vitórias e 100 derrotas do Guarani, além de 91 empates. Outras duas partidas possuem resultados desconhecidos. Foram 1.422 gols marcados e 685 sofridos pelo Bugre. O levantamento foi feito pelo historiador bugrino Celso Franco de Oliveira Filho.
“Sem qualquer doação de verba pelo Poder Público e contando somente com o esforço e a colaboração de seus sócios e torcedores, o estádio bugrino, oficialmente chamado de Estádio Guarany Futebol Clube, foi erguido, oferecendo pela primeira vez a Campinas um campo perfeitamente gramado e cercado, com uma confortável arquibancada coberta, sustentada por seis conjuntos de colunas de madeira, tendo vestiários e mictórios por baixo. Do outro lado, uma pequena geral de madeira. O estádio passou a ser o principal centro esportivo de Campinas, alugado até para eventos além do futebol”, descreve o almanaque “A História do Estádio Guarani FC”, de autoria do historiador e torcedor bugrino Fernando Pereira da Silva.
Construído em um terreno doado pela Prefeitura de Campinas, porém erguido com recursos próprios de sócios e torcedores do Guarani, o Pastinho foi inaugurado oficialmente no dia 15 de julho de 1923, um domingo, com direito a vitória por 1 a 0 sobre o Paulistano, uma das principais equipes da época, que contava com o lendário atacante Arthur Friedenreich, considerado o primeiro grande craque do futebol brasileiro. O gol do triunfo bugrino foi marcado por Zequinha, aos 36 minutos do segundo tempo, numa partida amistosa apitada pelo benemérito bugrino Nagib José de Souza.
“A torcida bugrina estendeu para as ruas a festa pelo triunfo e pela inauguração do estádio que assegurava ao clube, já em 1923, uma colocação entre os de melhor estrutura em todo o estado de São Paulo”, atesta o almanaque “A História do Estádio Guarani FC”, do historiador e torcedor bugrino Fernando Pereira da Silva.
“O Guarani se apressou para deixar seu estádio em condições de uso antes do Campeonato do Interior de 1923, que seria disputado no segundo semestre. Para a partida inaugural, com a intermediação de Nagib José de Barros, foi convidado o grande Club Athletico Paulistano, o principal clube do futebol paulista na fase amadora desse esporte, com Arthur Friedenreich e muito mais”, relata Fernando Pereira, em seu almanaque.
“Na manhã de 15 de julho de 1923, uma multidão aguardava o desembarque dos paulistanos defronte à estação ferroviária da Cia. Paulista. A delegação visitante foi depois levada ao Restaurante do Bosque dos Jequitibás, onde foi servido um almoço”, detalha o almanaque.
Ao todo, o Pastinho recebeu 39 Dérbis Campineiros, com 15 vitórias do Guarani (uma por W.O.), 14 empates e 10 vitórias da Ponte Preta. O primeiro clássico, e segundo jogo do estádio, aconteceu no dia 22 de julho de 1923, apenas uma semana após a inauguração, e terminou em empate por 1 a 1, pelo Campeonato do Interior. O último duelo entre os rivais do futebol campineiro também terminou em igualdade, por 2 a 2, no dia 25 de janeiro de 1953, pelo Campeonato Paulista.
Casa do Guarani durante três décadas, entre 1923 e 1953, o Pastinho recebeu jogos inéditos da história do futebol campineiro, como o primeiro jogo interestadual realizado na cidade, que reuniu Guarani e América-RJ, então tricampeão carioca, no dia 7 de setembro de 1925. O duelo registrou vitória da equipe visitante por 1 a 0.
Três anos depois, no dia 20 de maio de 1928, o Pastinho também foi palco do primeiro duelo internacional disputado em Campinas. Na ocasião, o adversário do Guarani foi um combinado uruguaio chamado Peñarol Universitario – não confundir com o Club Atlético Peñarol. O confronto terminou em empate sem gols.
Naquele mesmo ano, também no Pastinho, o Guarani aplicou uma goleada de 6 a 2 sobre o Corinthians, sua maior vitória até hoje sobre o rival da capital, pelo quadrangular final do Campeonato Paulista de 1927. O Bugre terminou na quarta colocação, assim como voltaria a acontecer em 1928. No Pastinho, o Guarani mandou jogos da primeira divisão estadual de 1927 a 1931, e também de 1950 a 1952.
Em 1929, o Pastinho abriu as portas para a Seleção Paulista, que iniciava sua preparação para a disputa do Campeonato Brasileiro, à época disputado por seleções estaduais. Para surpresa de muitos, o Guarani venceu por 2 x 0, em duelo disputado no dia 3 de fevereiro de 1929. O pontapé inicial da partida foi dado pelo então prefeito de Campinas, Orosimbo Maia.
O Pastinho existiu durante exatamente três décadas (1923-1953) e acabou demolido após a inauguração do estádio Brinco de Ouro da Princesa, que completou 70 anos em 2023 e está prestes a receber o 70º clássico campineiro entre Guarani e Ponte Preta. O Dérbi 206 acontece na noite deste sábado (2), às 18h, pela 26ª rodada da Série B do Campeonato Brasileiro.
Na década de 40, entre várias reformas e ampliações, o Pastinho passou a ostentar um obelisco, “construído em homenagem ao empresário Sábaddo D’Angelo (proprietário da Cigarros Sudan) – que em vida muito ajudara o Guarani – e indiretamente à empresa que ele deixou, que continuou colaborando com o clube mesmo depois da morte do empreendedor, em 1938. Foi inaugurado no intervalo de uma partida amistosa contra o Palmeiras em 24/02/1946. O obelisco desapareceu após a demolição do estádio”, revela o almanaque “A História do Estádio Guarani FC”.
Também foi na segunda metade dos anos 40 que o estádio recebeu o apelido de Pastinho, chamado assim de forma pejorativa pelos torcedores pontepretanos, após a inauguração do estádio Moisés Lucarelli, no dia 12 de setembro de 1948. No entanto, apesar do tom provocativo, o nome Pastinho acabou abraçado pela torcida bugrina.
A despedida do Pastinho aconteceu no dia 5 de abril de 1953, com um jogo amistoso entre Guarani e São Paulo, que terminou empatado por 1 a 1. No dia 31 de maio, houve a inauguração do estádio Brinco de Ouro da Princesa.