Está para ser votado a qualquer momento, no Senado Federal, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que dispõe sobre licenciamento ambiental. Batizado carinhosamente de PL da Devastação, o projeto é “uma das propostas mais prejudiciais ao meio ambiente em tramitação no Congresso Nacional, provavelmente a mais danosa delas”, na avaliação do Observatório do Clima (OC), principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 133 integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais.
Aprovado na Câmara dos Deputados sob liderança da bancada ruralista e forte influência de lobby industrial, o texto também apelidado de “mãe de todas as boiadas”, segundo o Observatório do Clima, “implode as regras do licenciamento para os mais diversos tipos de empreendimentos em todo o país”, contribuindo portanto para a aceleração do desmatamento, maior emissão de gases que agravam as mudanças climáticas e para a poluição de modo geral, afetando também a segurança hídrica no Brasil. No Senado, os pareceres assinados por Tereza Cristina (PP-MS) e Confúcio Moura (MDB-RO), relatores das comissões de Agricultura e Meio Ambiente, respectivamente, “falham em promover qualquer avanço significativo em relação à versão aprovada pela Câmara”, segundo nota do OC, que fez uma avaliação ponto por ponto da iniciativa.
Um dos pontos críticos do PL nº 2.159/2021 é a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC), prevista no artigo 21 do projeto, permitindo que licenças ambientais sejam emitidas automaticamente, com base apenas na autodeclaração do empreendedor e sem qualquer análise técnica prévia. “Isso esvazia o papel do órgão ambiental, transforma o licenciamento em mera formalidade e abre margem para tragédias”, diz o Observatório do Clima.
O OC alerta que o Supremo Tribunal Federal “já estabeleceu que a modalidade de Licença por Adesão e Compromisso só pode ser aplicada a empreendimentos de baixo risco e pequeno potencial poluidor. No entanto, o projeto ignora esse entendimento e generaliza o uso da LAC”. Uma decisão do STF, igualmente, declarou a inconstitucionalidade de lei federal que permitia o licenciamento ambiental para empreendimentos de risco classificado como médio, sem análise humana.
Outro elemento inquietante do projeto, segundo a análise do OC, é o artigo 9º, que dispensa o licenciamento ambiental para uma ampla gama de atividades agropecuárias. “Na prática, o simples preenchimento de um formulário autodeclaratório passa a ser suficiente para garantir a dispensa, sem qualquer verificação sobre impactos ambientais ou compromissos firmados no âmbito dos programas de regularização ambiental. Isso é inconstitucional, uma vez que ignora decisões do STF que já vetaram normas semelhantes, reconhecendo que atividades agrossilvipastórias podem causar danos relevantes ao meio ambiente”, comenta o OC.
Outro ponto muito preocupante, segundo o Observatório do Clima, é a desvinculação da outorga de uso da água e do uso do solo.
“Em seu artigo 16, a proposta determina que o licenciamento ambiental independe de outorgas, desconsiderando a necessária integração com a gestão de recursos hídricos, fundamental para garantir segurança hídrica e o acesso à água em quantidade e qualidade. Ao desvincular esse instrumento do licenciamento ambiental a análise ficará totalmente prejudicada, potencializando conflitos e agravando impactos relacionados a eventos climáticos no que se refere a disponibilidade e ao acesso à água”, afirma.
O Artigo 16 do Projeto de Lei nº 2.159/2021 prevê, especificamente: “O licenciamento ambiental independe da emissão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano emitida pelos Municípios, bem como de autorizações e outorgas de órgãos não integrantes do Sisnama, sem prejuízo do atendimento, pelo empreendedor, da legislação aplicável a esses atos administrativos”.
Para o OC, ao desvincular o licenciamento de outorgas de usos da água, por exemplo, o projeto agora em discussão no Senado desconsidera “a importância de planos de bacias hidrográficas, da oitiva de comitês de bacias hidrográficas e dos Conselhos Federal e Estadual de Recursos Hídricos, responsáveis por definir prioridades e regras para o uso da água, de acordo com o enquadramento dos corpos d’água. Sem essa análise integrada fica completamente prejudicada e fragmentada a análise para o licenciamento ambiental, por exemplo, de uma estação de tratamento de esgotos. Com base em que o órgão licenciador definirá critérios de eficiência dos sistemas de tratamento se não receber dos órgãos gestores de recursos hídricos o enquadramento do rio ou as restrições aos usos da água de determinada bacia hidrográfica? A falta de visão integrada é um enorme retrocesso, cria insegurança jurídica, dificuldade burocrática e conflito com municípios e comitês de bacias hidrográficas”, alerta o Observatório do Clima.
É de grande e grave alcance, portanto, o impacto do PL se for aprovado conforme os pareceres dos senadores citados, agora em análise pelos seus pares. A sociedade de modo geral precisa ficar muito atenta, neste momento em que o governo federal se encontra fragilizado e às vésperas da COP-30.
A mensagem do Brasil ao mundo será muito negativa, se a propositura (de cunho negacionista em relação ao que a ciência tem defendido) for aprovada como está. Resta a mobilização, para sensibilizar o Senado no sentido de que, pelo contrário, desfaça o que já tinha sido aprovado de retrocesso pela Câmara dos Deputados.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com