A movimentação na Avenida Francisco Glicério era o anúncio de que faltavam poucos dias para a festa começar. A armação de arquibancadas nas laterais e a instalação de acessórios ao longo do trecho entre a Avenida Aquidabã e a Rua Barreto Leme preparavam o sambódromo campineiro. Nos dias marcados, carros alegóricos, fantasias, mestre salas, porta bandeiras, alas, sambas de enredo e baterias tomavam conta da principal avenida de Campinas. As apresentações atraíam grande público ao local, onde por mais de duas décadas se concentrou o Carnaval de rua da cidade.
Atualmente, os protagonistas daqueles carnavais campineiros das décadas de 1970, 1980 e 1990 passam por uma realidade bem diferente. Poucas escolas de samba sobreviveram e as que ainda estão em atividade se limitam a apresentações pontuais, sem os elementos que caracterizam uma escola.
“Não há estrutura e recursos e os grupos hoje se transformaram em blocos”, define Israel Moreira, sociólogo e pesquisador da história do Carnaval de Campinas.
Fundada em junho de 1950, no bairro Taquaral, por Liberato de Moraes, o Beiçola, falecido em 1979, a Estrela D’Alva é uma das que ainda resistem. No entanto, o luxo em azul e branco, as cores da escola, ficou no passado. “Há duas semanas, a Estrela D’Alva fez um desfile na Vila Costa e Silva, onde está a sua sede desde os anos 70, mas só com bateria e estandarte”, conta Israel. “Ela fez parte também do desfile do bloco ‘Nem Sangue Nem Areia’ no último dia 12, na Vila Industrial, junto com a Rosas de Prata.”

Tradicional escola da Vila Castelo Branco, a Rosas de Prata é outra que segue na cadência lenta. Em sua sede, as reuniões de batucada embalam alguns eventos ou aniversários. A Unidos do Shangai, da região do Ouro Verde, também limitou suas atividades (o grupo tinha apresentação marcada no bairro Jardim Shangai, das 16h às 22h de domingo), assim como a Leões, da Vila Padre Anchieta. Já outras escolas tradicionais sobrevivem apenas “no papel”. “Possuem só CNPJ”, lamenta Israel.
“A Princesa de Madureira, por exemplo, saiu do São Bernardo, foi para o Parque Oziel e ficou por pouco tempo. A Ponte Preta Amor Maior, que surgiu mais recentemente, também não realiza mais atividades. E as demais se dissolveram. Essa é a triste realidade das escolas de samba de Campinas.”
No passado
Entre as que marcaram época e não existem mais está a Mocidade Independente. Segundo Israel, a agremiação fundada por grandes sambistas da cidade, dissidentes de escolas tradicionais, como a Acadêmicos do Ubirajara e Voz do Morro, foi batizada pela sua homônima carioca, em 1975.
“A Mocidade Independente do Rio de Janeiro veio até Campinas na época”, lembra, acrescentando que grandes escolas de São Paulo também visitaram a cidade. “A Camisa Verde e Branco batizou a Estrela D’Alva, e em 1987 a Nenê, da Vila Matilde, desfilou na Glicério.”
Os desfiles mobilizavam Campinas e eram cercados de expectativas por parte da população. Até o lançamento de um LP com as gravações dos sambas de enredo do ano fazia parte da promoção do Carnaval campineiro.
O disco de 1988, por exemplo, época em que o prefeito da cidade era Magalhães Teixeira, tinha composições gravadas e levadas à avenida por escolas que se perderam na poeira do tempo, como Unidos do Grajaúna, Batutas do Samba e Sabiá. “Infelizmente, os registros sobre o Carnaval de Campinas são precários e as informações, via de regra, só são transmitidas verbalmente por aqueles que viveram a época, correndo o sério risco de serem esquecidas”, lamenta Israel.

Decadência
A difícil relação entre as escolas de samba e o poder público foi provocando o enfraquecimento dos desfiles. O ponto de concentração que no passado saiu da Avenida Sales de Oliveira, na Vila Industrial, para a Glicério, mudou para a Avenida Tancredo Neves, o Tancredão, no Campos Elíseos, ainda na década de 90. A partir de então, a Prefeitura não estabeleceu um novo local para as apresentações, que rodaram pelo túnel Joá Penteado, Estação Cultura e a região dos Amarais. O último desfile aconteceu em 2015.

Israel diz que a Liga das Escolas de Samba de Campinas ainda existe, mas perdeu a essência. “A entidade fazia a intermediação entre as agremiações e a Prefeitura e hoje sobrevive realizando alguns eventos com a presença de uma ou outra escola.”
Atualmente, com os blocos de rua dominando os festejos, Campinas vive um outro carnaval, bem longe da perspectiva de que o formato antigo venha ressurgir.











