Quase 90 anos de tradição no Centro de Campinas sucumbiram à somatória de fatores que trabalha contra o comércio de rua da cidade. A Skina Magazine encerrou suas atividades nesta sexta-feira (14). É mais uma esquina de saudade em Campinas. Abdo El Banate, proprietário do magazine, avisa, porém, que uma pequena porta permanecerá aberta nos próximos dias para atender aos clientes que possuem carnês com prestações a vencer – sim, a Skina era do tempo dos carnês.
O prédio de sete andares de departamentos e administração e 2,7 mil metros quadrados viveu seus dias finais reduzido ao térreo de uma esquina que traz lembranças aos campineiros. O outro lado do cruzamento das ruas 13 de Maio com José Paulino já abrigou a loja de departamentos Muricy – a primeira do Centro com escadas rolantes – e, mais abaixo do Calçadão, a esquina com a Francisco Glicério testemunhou tempos de glória com o Hotel Términus.
Vale lembrar da esquina da Barão de Jaguara com Bernardino de Campos, que pertenceu à padaria Orly durante 55 anos. E da esquina da General Osório com Regente Feijó, casa do Restaurante Rosário, hoje funcionando somente pelo sistema de delivery e drive-thru. Tinha também o Mappin, no Calçadão, bem no cruzamento das ruas Costa Aguiar e José de Alencar. Muitas esquinas de Campinas perderam significado com o tempo.
El Banate
O propósito de Abdo El Banate, o simpático proprietário da Skina Magazine que completará 83 anos no próximo dia 4 de julho, foi cumprido. Para edificar uma história tão longeva, o empresário diz ter contado com a ajuda de um grupo especial de apoiadores, como destacou em entrevista ao Hora Campinas.
“Gostaria sinceramente de agradecer a todo mundo que colaborou com a gente nesses mais de 60 anos de trabalho. Tivemos muitas pessoas que nos ajudaram, muitos funcionários e ex-funcionários, clientes que nos seguiram desde o tempo da Paratodos, fornecedores, amigos e a própria família. É só agradecimento a todo mundo”, afirma.
O fechamento da Skina, explica, foi resultado de uma somatória de fatores de ordem econômica, familiar e pessoal. Uma conjunção de situações que pesavam sobre os ombros.
“Tenho 83 anos, trabalho desde garoto, estou cansado. Tive problemas com minha esposa agora, há questão de quatro meses, além do fato de que a situação do país é difícil. Minhas duas filhas também não quiseram seguir com a empresa. Somando tudo, a gente chega à conclusão de que é hora de parar”, revela, acrescentando que o fechamento do comércio migrou de possibilidade à certeza há cerca de quatro meses.
“A Skina representou e representa para muitas pessoas como se fosse alguma coisa da família. Tínhamos um carinho muito especial por nossas clientes e elas sempre foram muito fiéis a nós. Clientes que nos acompanharam desde o tempo da Paratodos”, descreve.
Foi uma longa história, semelhante à de muitos outros comércios tradicionais criados em Campinas décadas atrás. Tudo começou com Elias Abdala Set El Banate, nascido em Antioquia, na Síria, e que imigrou para o Brasil na década de 1920. Elias foi o fundador da Casa Paratodos, em 1936. Em 1975, a Skina nasceu sob administração dos três filhos de Elias. Em 1999, Abdo assumiu sozinho o magazine.
“Tenho certeza que deixaremos saudades em Campinas. E eu vou sentir muitas saudades”, finaliza.
Clientes
Um ano antes de completar meio século de existência, a Skina baixou as portas sem muito alarde, a não ser pelas faixas de liquidação decorando os vidros da fachada. Restaram saudosas compradoras sem uma antiga referência para a busca por roupas e artigos de qualidade.
Uma das clientes surpreendidas pelo fechamento foi a dona de casa Ruthie Alves Teles, de 58 anos, frequentadora da Skina Magazine desde os anos 1980. Na sexta-feira (14), parada em frente à loja, tentou explicar a melancolia trazida pelo fim de uma parte da história de Campinas.
“Essa loja é uma família pra gente, conheço até o dono, fiquei muito triste com essa notícia, triste mesmo”, disse.
Ruthie descreve uma das características especiais da Skina. “Eles ainda tinham costume de fazer carnê, coisa que estávamos acostumados a ter antigamente, mas que hoje em dia ninguém faz mais. Era uma tradição. Tinha ouvido falar do fechamento e agora que estou vendo que isso é verdade, nem acredito.”
O sentimento de Deusa Aparecida Camilotti, de 73 anos, é de pertencimento ao comércio da família El Banate. A aposentada lembra que seus pais eram clientes da Casa Paratodos e depois migraram, junto com ela, para a Skina Magazine.
“O pessoal fazia a gente se sentir em casa ali. Lembro que quase sempre que estava na Skina eu encontrava o dono andando pelos departamentos. Muito simpático, ele nos cumprimentava e perguntava o que estávamos achando, se estávamos satisfeitas e se poderia nos ajudar com algo. Isso não se vê mais hoje em dia”, detalha.
Deusa lamenta o fim daquilo que considera referência do comércio de Campinas e mais um capítulo triste da degradação do Centro do município.
“O atendimento era especial, as vendedoras nos conheciam. Lembro bem da Vera, sempre atenciosa. Consegui comprar uma TV Sharp porque, muitos anos atrás, a Skina parcelava em dez vezes no carnê, coisa que quase ninguém fazia em Campinas. É muita história, vai deixar saudades. O Centro já não é mais o mesmo.”