Indignação. Esse é o sentimento que tomou conta das pessoas que moram nas proximidades da Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), no Jardim Chapadão, em Campinas. Os manifestantes bolsonaristas, contrários ao resultado das eleições presidenciais, acampam em frente ao local desde o fim do segundo turno e transformaram a região, antes marcada pela tranquilidade, em uma área sem segurança. Revoltados, moradores reclamam que seus direitos básicos são desrespeitados e acusam as autoridades de omissão. Parte dos moradores passa por constrangimento para ir até à padaria. Outros alegam que solicitar comida pelo iFood também é complicado.
Algumas faixas defendem intervenção federal e sugerem o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos os pedidos são ilegais e afrontam a Constituição brasileira. Juristas têm defendido de forma repetida que esse tipo de protesto, que não reconhece a legitimidade das eleições, não é liberdade de expressão, mas sim um comportamento que pode ser enquadrado como crime.
O cenário na vizinhança
Os arredores da EsPCEx estão tomados por tendas. Segundo moradores, há grupos que acampam no local dia e noite. Há relatos de mau cheiro, proveniente dos banheiros químicos espalhados pela área, sujeiras e bloqueios de ruas e avenidas.
Nos finais de semana e feriados, aumenta a concentração de pessoas e, consequentemente, o transtorno, afirmam os moradores.
As principais reclamações estão relacionadas ao som alto, bloqueio de garagens, estacionamento irregular de veículos e alteração dos horários de funcionamento do comércio. Com medo de represálias, os moradores preferem o anonimato.

“Minha mãe é idosa e mora há 20 anos na região, que sempre foi tranquila. Mas agora está insuportável”, afirma uma professora.
VEJA FOTOS DO ACAMPAMENTO (Crédito: Leandro Ferreira)
“O barulho alto e a dificuldade de acesso às residências são as coisas piores. E o clima é hostil. Nos alto-falantes os gritos incentivam um golpe de Estado e ameaças contra ‘pessoas de esquerda’ e contra ‘aqueles que podem deixar o movimento’. Eles também dizem que ninguém vai tirá-los de lá”, relata a docente.
A professora ainda afirma que os manifestantes falam com orgulho do golpe militar de 1964. “Já ouvi conversas assim na rua: ‘lutei em 64, não vou desistir agora’. E sempre há ameaças, como ouvi certa vez uma pessoa dizer assim: ‘olhe para o seu lado, essa pessoa vai lhe apunhalar pelas costas? Não. Não vamos abandonar o movimento.’” A moradora diz que pensa em alugar um imóvel longe da região para sua mãe morar pelo menos até janeiro. “Mas quem vai pagar a conta?”, questiona.
Outra moradora, de 68 anos, diz que foi hostilizada ao passar em frente ao EsPCEx com uma máscara vermelha quando retornava de um laboratório após fazer exame. “Isso é um absurdo. Qual o direito de nós moradores? Aquele lugar virou um inferno”, reclama, citando também o sofrimento do seu animal de estimação por causa do barulho. “Em um domingo, meu gato se escondeu dentro do armário do quarto pela manhã e só saiu de lá no final da tarde.”
O trânsito de veículos é outra dificuldade no local. Uma moradora afirma que em função dos bloqueios impostos pelos manifestantes precisa mudar seu trajeto para cumprir os compromissos diários. “Para quem tem o horário contado, fica difícil. É um tempo perdido”, relata, enfatizando também que sua mãe não consegue mais se deslocar até a padaria na qual costuma ir. “O tumulto ali é grande, não dá”, lamenta. A moradora expõe sua indignação. “Tenho medo. Não posso revelar meu nome porque o direito de falar o que penso é tolhido. Ter uma opinião diferente é errado? Quero ter pelo menos o direito de andar na rua, mas parece que nada vai ser feito para muda isso.”
VEJA MAIS FOTOS DO ACAMPAMENTO (Crédito: Leandro Ferreira)
Residentes nas áreas próximas ao EsPCEx, onde bolsonaristas estão acampados, têm direitos básicos desrespeitados e acusam autoridades de omissão
Área militar
Uma moradora diz que ligou no serviço de atendimento da Prefeitura de Campinas, na Guarda Municipal e na Polícia Militar para questionar a respeito do transtorno no Jardim Chapadão. E a resposta que ela recebeu foi a mesma. “Todos responderam que não podem fazer nada, pois se trata de uma área militar”, disse a moradora, revoltada.
“Afinal, eu pago IPTU para a Prefeitura ou para o Exército?”, questionou.
“Está na hora do Dário (Saadi, prefeito de Campinas) acordar. Isso aqui virou terra de ninguém. Não sou contra manifestações, desde que meus direitos não sejam desrespeitados.”
A mesma moradora faz referência à Lei do Pancadão para exemplificar a ilegalidade dos atos na área em que mora. A lei municipal que existe desde 2015 proíbe o alto volume de som nas ruas para preservar o sossego público. “O que eles usam é caminhão de som e o barulho é praticamente diário. Nos finais de semana e feriado, fica insuportável.”
Ela observa um perfil curioso de parte dos manifestantes e acredita que o local virou ponto de encontro para conversas sem relação com a política. “São donas de casas, mulheres de idade e crianças que aparecem. Acho que há pessoas que nem mais sabem o motivo de estarem ali. Devem estar só matando o tempo.”

Marchas, orações e distribuição de alimentos entre os acampados também são comuns na área, assim como a presença de vendedores ambulantes.
Mais denúncias
Há moradores ou parentes de quem reside na região do Jardim Chapadão que já registraram Boletim de Ocorrência em distritos policiais, enviaram carta ao Supremo Tribunal Federal (STF) e acionaram a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas (Emdec).
Responsável pela gestão do trânsito em Campinas, a Emdec se manifestou sobre o caso por meio de uma nota. A empresa afirma que “promove bloqueios provisórios no entorno da Avenida Papa Pio XII (enfrenta ao EsPCEx), com foco na segurança.”
Cita também que “as equipes vêm atuando de forma a priorizar o diálogo para alcançar a liberação da via em várias oportunidades”. E garante que “veículos flagrados em situação irregular foram autuados e removidos.”

A Câmara Municipal de Campinas também foi procurada pela população e o vereador Paulo Bufalo (PSOL) cobrou a Prefeitura por meio de um requerimento já protocolado e assinado por seis parlamentares. “A Prefeitura tem sido bem evasiva nas respostas aos requerimentos, mas minha expectativa é que providências possam ser tomadas o mais breve possível para que o Executivo não tenha que responder por omissão”, afirmou Bufalo.
O que diz o Exército?
O Comando Militar do Sudeste, ao qual a EsPECex faz parte, se manifestou a respeito dos atos em Campinas. Em nota, afirma que “são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública.”
E acrescenta: “a solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.”
