Por volta das 15h, debaixo de um sol forte, Araújo Djalma desce a calçada da Rua Dr. Quirino e dobra à esquerda para dentro da Galeria Trabulsi. Bengala, boina e uma camisa engomada, o senhor de 88 anos caminha com facilidade, e logo entra em uma lotérica, no centro da galeria. O local tem alguns clientes, mas não demora para Araújo fazer a ‘fezinha’ e pagar.
Ao invés de retornar em direção a Dr. Quirino, aproveita o embalo do vento que encana na galeria e vai descendo até a ‘esquina’ da Trabulsi, onde agora vira a direita, e entra no Ponto Café, um dos mais tradicionais na Rua Barão de Jaguara.
Depois de tomar uma mini xícara de café, entra novamente na galeria e, antes de seguir, comenta com o repórter: “a galeria é um local modesto, mas eficiente. É acolhedor e com uma ótima ventilação”. O aposentado abriu um sorriso quando informado que o edifício da Trabulsi acaba de ser tombado como mais um patrimônio cultural. “Excelente notícia para Campinas”, disse, enquanto posava para a foto.
Na semana em que o tombamento do edifício vertical em estilo Art Déco foi sacramentado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), outros personagens que compõem a história daquele endereço na região central também se mostravam entusiasmados.
“A maioria dos comerciantes que estão aqui é das antigas”. Inclusive ele, João Almeida, há 26 anos como zelador da galeria. É João quem abre e fecha todos os dias às 20hs o tradicional corredor de comércio. “Você veio falar a respeito do tombamento? Então procure a síndica ali na frente que ela passa as informações”, orientou.

Hoje com 61 anos, começou a trabalhar na galeria para cobrir a ausência de um outro zelador, e acabou ficando. Deixou a fábrica de estofados e foi prestar informações aos frequentadores da Trabulsi. “Onde fica a manicure?”, pergunta uma passante, interrompendo a conversa.
“O movimento diminui com a saída das audiências no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) aqui do centro. Daí veio a pandemia e parou tudo. Foi um período muito difícil, mas que agora está melhorando aos poucos”, completou o zelador.
Quase em frente ao balcão de João fica a loja de produtos naturais de Soraya Ferreira dos Reis Valente, 56 anos, síndica da ala comercial da Trabulsi há 20 anos. Para ela, o tombamento é importante para manter a tradição da família, e por que deverá preservar as características originais da galeria. “É preservar a história da cidade”.

Soraya foi casada por 30 anos com o neto de um dos fundadores do edifício, e há 14 anos possui um espaço na galeria. “Hoje não temos lojas vagas no térreo. Apesar da pandemia, que foi muito difícil para os comerciantes, a galeria se manteve ocupada”.
A loja de Soraya e a de produtos cirúrgicos, ambas da área da saúde, foram as únicas a ficarem abertas durante o sombrio período em que a covid-19 esvaziou o Centro de Campinas. “Aos poucos o movimento foi voltando, mas não mais como era antes. Mas sobrevivemos”, suspira.

A ala comercial possui 68 unidades nos quatro andares mais o térreo. São 50 salas comerciais e 18 lojas. Somente três unidades não pertencem à família Trabulsi.
“Sentimos muito abençoados por Deus por nunca ter tido um contratempo aqui dentro da galeria”, completou Soraya. A galeria foi construída pelos irmãos libaneses Alberto, Camilo e Michel Trabulsi.
Ao longo do tempo, a galeria se tornou um espaço comercial frequentado por consumidores de alto poder aquisitivo. Havia agências de viagens, restaurantes finos e até a Charm, primeira butique de Campinas.

Quem lembra bem dessa época é Fukue Miyamoto, 83 anos, dona de um dos mais antigos espaços na Trabulsi. Ela e a irmã Julieta Yoshie Ide, 81, tocam há 50 anos o salão Mimi e Juju, um dos mais tradicionais no Centro.
Bom humor e seriedade no trabalho deram às sócias uma clientela fiel, que dividem com as irmãs e funcionárias algumas horas do dia, em um ambiente amplo.
“Sentimos muito com a pandemia. Muita gente deixou de frequentar o centro depois de tudo o que aconteceu. Mas conseguimos nos manter”, disse Mimi. “Sempre tivemos um ótimo relacionamento com os fundadores”, completa.
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