O presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, provocou importante polêmica recentemente, ao afirmar que o seu país provocou uma série de crimes contra povos indígenas e pessoas escravizadas no Brasil durante o período colonial. O presidente português também defendeu algum tipo de reparação por esses crimes.
Uma sugestão de Rebelo de Sousa para essa reparação histórica seria o cancelamento da dívida dos países africanos onde houve o sequestro de milhões de pessoas, levadas como escravos para o Brasil mas também para outros países.
As declarações de Rebelo de Sousa provocaram controvérsia em seu próprio governo e foram feitas por ocasião da lembrança dos 50 anos da Revolução dos Cravos, ocorrida a 25 de abril de 1974.
Naquela data, militares de baixa patente, descontentes com os rumos das guerras coloniais, entre outras questões, se rebelaram contra a ditadura do presidente Antônio Salazar, que durava desde 1926.
O povo aderiu em massa à Revolução, que instalou a democracia em Portugal e contribuiu para a independência das ex-colônias portuguesas na África. Os 50 anos da Revolução foram celebrados com festa em Portugal, mas as declarações do presidente Rebelo tocaram o dedo em uma ferida histórica que continua aberta e sangrando.
O tema diz respeito diretamente ao Brasil.
O país também está comemorando uma data importante, os 40 anos da campanha das Diretas-Já, fundamentais para sepultar de vez o regime ditatorial instalado em 31 de março de 1964. Pois a liberdade política foi alcançada, embora pairem nuvens como aquelas do 8 de janeiro de 2023.
Entretanto, permanecem grandes desafios para que o Brasil trilhe em definitivo os rumos do desenvolvimento sustentável. Um deles é sem dúvida a permanência de milhares de brasileiros em situação análoga à escravidão, em vários pontos do território nacional. Na Amazônia, no Centro-Oeste, no Nordeste, mas também na própria cidade de São Paulo, a mais rica do país, no caso em relação aos trabalhadores, na maioria estrangeiros, submetidos a condições típicas de escravidão em confecções clandestinas.
Há vários anos o Brasil, através da união de vários órgãos públicos, vem combatendo esse tipo de escravidão moderna. Contudo, prosseguem as condições estruturais para que essa modalidade de escravidão continue e é uma tarefa urgente para que essa barbárie acabe.
Outro ponto importante é que seja finalmente ratificado pelo Congresso Nacional o Protocolo de 2014 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) à Convenção sobre Trabalho Forçado, de 1930.

Na época de sua aprovação, na Conferência Internacional do Trabalho em 2014, o Protocolo foi saudado como um importante instrumento para o combate às condições de trabalho análogas à escravidão. O Protocolo entrou em vigor em 9 de novembro de 2016 e a partir de então os países que o ratificaram passaram a ter que cumprir as obrigações nele contempladas. Os países que ratificam o Protocolo devem adotar medidas adicionais às eventualmente existentes para a prevenção, proteção e assistência às vítimas do trabalho forçado, além de permitir que elas tenham acesso à justiça e à compensação.
Para garantir o cumprimento do Protocolo, a OIT possui um sistema de supervisão sofisticado que verifica se os governos efetivamente adotaram as medidas necessárias.
O sistema está fundamentado na análise periódica dos relatórios fornecidos pelos países, avaliando as ações e apontando questões, quando necessário. Os resultados dessa supervisão são públicos, o que significa que qualquer pessoa, seja jornalista, ONG ou cidadão, pode acompanhar como um país está cumprindo suas obrigações.
De acordo com o Sistema de Informação sobre Normas Internacionais do Trabalho da OIT, até o momento mais de 50 países já ratificaram o Protocolo, incluindo aqueles democráticos, como Alemanha, Dinamarca, Reino Unido e Bélgica, e outros historicamente de governos autoritários, como a Arábia Saudita, que já ratificou e onde o instrumento entrará em vigor em 26 de maio de 2022. Nas Américas, já ratificaram o Protocolo o Canadá, Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru e Suriname. No México, o Protocolo entrará em vigor em 11 de junho de 2024.
Em suma, a ratificação do Protocolo pelo Brasil seria um importante passo para o combate ao trabalho escravo contemporâneo no país.
A escravização de pessoas durou mais de três séculos no Brasil, o que deixou marcas profundas nas estruturas sociais. Erradicar de vez o trabalho análogo à escravidão é uma urgência ética e civilizatória.
As declarações do presidente de Portugal deveriam repercutir também nesse sentido no Brasil.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com











