As habilidades imprescindíveis para os cidadãos e cidadãs do futuro não têm nada a ver com utilizar dispositivos tecnológicos ou equipamentos sofisticados. Nem com fundir o cérebro à nanotecnologia ou conectar a mente a processadores conectados à internet. Da mesma forma, as inovações que dão forma aos devires não devem servir para colonizar o espaço, prolongar a vida de tiranos egocêntricos ou realizar sonhos megalomaníacos de fama e riqueza.
Esse é um futuro imaginado por pessoas que já estão envelhecidas, com ambições e desejos que manifestam aspirações de um mundo que já não existe mais, edificado sobre o paradigma industrial-progressivista, que desconsiderava a Terra como organismo vivo, reduzindo a própria vida a objeto-mercadoria. O futuro-velho sonhado por aqueles que imaginaram a ordem político-econômica triunfando sobre os ciclos ecológicos e expressões culturais, da sensibilidade, da empatia e da solidariedade – esse destino manifestado pelos pretensiosos homens-de-negócios materializa, hoje, no presente, uma distopia perversa.
Produto do ecocídio em curso, da desumanização das pessoas e da idolatria às coisas, um sonho de egoísmo e acumulação, de controle e domínio mediado por aparatos tecnológicos e pela exploração da vida como mercadoria a ser produzida, negociado e vendida nas bolsas de valores, avaliada e convertida em criptoativos.
Nesse pesadelo anunciado como tempo vindouro de bonança e fartura, não têm valor as relações e vínculos afetivos entre os seres humanos, entre os acasos e os acontecimentos não planejados, que seguem o tempo da natureza, que é imprevisível, e que não se dobra aos imperativos do deus-mercado ou do deus-da-ira.
Robôs simulam inteligência artificial, produzindo réplicas fajutas de música, literatura e artes enquanto as pessoas reais seguem escravizadas em campos de mineração, galpões industriais, carregando coisas pra lá e pra cá; ou imersas nas telas do smartphone, calibrando algoritmos, na busca intangível por dinheiro fácil, em joguinhos infantilizados, ou aprovação nas redes sociais. Foram deixadas de lado as máquinas que poupariam o trabalho exaustivo da humanidade, para que as pessoas, elas sim, pudessem exercitar a criatividade e desfrutar do teatro, do teatro, das praias e cachoeiras, da boa comida e do descanso.

Bilhões, trilhões de dólares continuam financiando a indústria das armas, das doenças e do medo, pervertendo a revolução técnico-científico-informacional na mais cruel e covarde guerra de todos-contra-todos, que poupa apenas os poderosos – políticos, empresários, oligarcas e sacerdotes que, do alto da pirâmide, ousam viver o sonho que vendem como ilusão aos súditos, fiéis e alienados, sonâmbulos perseguidores da meritocracia, corroídos pela insônia do individualismo e do imediatismo. Mas nem mesmo esses escaparão da roda do tempo.
O futuro velho, afinal, imaginado por aqueles que destroem o presente em nome do lucro e do poder, justificando guerras, miséria e morte, chega todos os dias a quem passa sede, perece no frio, definha de fome ou sofre por doenças cuja cura já foi inventada.
Incontáveis vidas negligenciadas enquanto os olhos da modernidade se voltam a bombas teleguiados por satélites, sementes transgênicas embebidas em agrotóxicos, sistemas de vigilância e controle usados para espalhar ódio e notícias falsas, softwares que induzem as pessoas a abrirem mão de suas vidas para buscar satisfação e entretenimento se viciando em apostas, pornografia e recompensas virtuais.
O futuro que nos aguarda, independente de nossa chegada, segue o ritmo insubmisso das chuvas e dos rios, do crescer e do florescer das plantas e das florestas, dos ciclos das marés e da Lua, na dança cósmica de um universo onde o tempo quantificado, cronometrado, remunerado, monetizado, não faz sentido.
Se há futuro possível para a humanidade, há que ser um que resgate o valor da vida, das relações olho-no-olho, da confiança e da solidariedade, onde se valorize tudo aquilo que não pode ser codificado, mercantilizado, coisificado e simulado por inteligências artificiais.
Um futuro que nasce da criatividade despretensiosa, da espontaneidade sincera, do afeto e do amor genuíno – por si mesmo, pelas pessoas e por todos os seres vivos com que a humanidade compartilha o presente.
Um futuro possível onde a normalidade não seja a luta de 99% pela sobrevivência para que 1% mantenha privilégios e extravagâncias destrutivas, mas onde faça sentido a convivência e o exercício da liberdade guiado pela tolerância e pela empatia, de cada um segundo sua capacidade, a cada qual segundo suas necessidades.
Um futuro não só de paz, terra e pão, mas onde a humanidade seja capaz de usar as tecnologias a favor da vida num sentido amplo e profundo. Um futuro de resgate ancestral, como provoca Ailton Krenak, ou o cada vez mais inadiável fim do mundo como o conhecemos.
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo, mestre em Linguagens, Mídia e Arte, pós-graduado em Neuropsicologia.











