Nada mais importante que a saúde, este é um consenso absoluto. Pois no Brasil a promoção democrática e integral da saúde ainda depende da superação de muitos desafios e, hoje, um deles é a retomada em larga escalada da cobertura vacinal, contra o negacionismo que infelizmente passou a ser estimulado. Mas há notícias positivas.
Em julho de 2024, relatório conjunto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sinalizou a reversão de uma tendência que representava grave ameaça à saúde pública no Brasil. De acordo com o relatório, o Brasil deixou o ranking de 20 países com menor número de crianças vacinadas no mundo.
Conforme os dados do monitoramento permanente realizado por OMS e Unicef, em 2021 o Brasil estava em sétimo lugar no ranking. Em função de uma série de medidas, tomadas desde o início de 2023, o país deixou o grupo de 20 países com menores taxas de cobertura vacinal em crianças contra várias doenças.
As informações são animadoras, considerando a queda brusca na cobertura vacinal no país desde 2016. Entretanto, de acordo com vários especialistas, continuam múltiplos os desafios para uma consistente retomada da ampla vacinação no Brasil, que na história recente foi um modelo mundial nessa política pública. O avanço do movimento antivacina e do negacionismo científico, associado à proliferação de fake news, é de fato um desses desafios, mas também existem outros, alertam os especialistas.
A cobertura vacinal no Brasil vinha apresentando quedas inquietantes desde 2016. As taxas consideradas ideais de imunização são de 90%, mas chegaram a atingir 50,4% em 2016. Em 2021, segundo o DATASUS, o percentual foi de 60,7%. Em 2022, evoluiu a cobertura em algumas vacinas, mas de modo geral com proporção longe do desejável.
As reduções na cobertura vacinal foram alarmantes no caso de algumas doenças. A cobertura da vacinação contra o rotavírus caiu de 86,3% em 2012 para 68,3% em 2021.
Os índices para a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) também tiveram queda alarmante, de 86,2% em 2017 para 71,4% em 2021. Igualmente preocupante o caso da vacinação contra a poliomielite, que sofreu uma queda de 96,5% em 2012 para 67,6% em 2021, o que acendeu o alerta em termos de risco de volta da doença.
Logo no início do novo governo federal, em 2023, foram tomadas medidas direcionadas para a revitalização do Programa Nacional de Imunização (PNI), criado em 1973 e que se tornou um modelo global de política pública. Foi lançado o Movimento Nacional pela Vacinação, passou a ser adotada a estratégia do microplanejamento e foi implantado o programa Saúde com Ciência, para monitorar e combater a desinformação sobre vacinas.
O Zé Gotinha, personagem associado a campanhas de vacinação desde a década de 1980, passou novamente a integrar ações de incentivo por todo o país.
Com as medidas tomadas, os primeiros resultados apareceram. De acordo com dados do Ministério da Saúde, referentes ao período de janeiro a outubro de 2023, houve o aumento da cobertura em sete das oito vacinas recomendadas para crianças de até um ano de idade: Hepatite A (73,0% em 2022 para 79,5% em 2023), Pneumocócica reforço (71,5% para 78,0%), Meningocócica reforço (75,3% para 79,8%), Poliomielite (67,1% para 74,6%), Difteria – tétano – coqueluche (67,4% para 75,2%), Tríplice viral primeira dose (80,7% para 85,6%), Tríplice viral segunda dose (57,6% para 61,6%) e Febre amarela (60,6% para 67,3%). Houve a redução na cobertura de varicela, de 73,3% para 71,6%).
Outra iniciativa do novo governo federal foi a adoção de um novo painel de vacinação. Os dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Vacinações (SIPNI) foram transferidos para a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), onde as doses aplicadas passaram a ser vinculadas a um número de Cadastro de Pessoa Física (CPF).
Com essa migração de plataformas, foi viabilizada a carteira digital de vacinação. Todo cidadão ou cidadã passou a ter acesso online a sua situação vacinal, por meio do ConecteSUS, o que já ocorre com as doses de vacinas da Covid-19.
Mas os desafios permanecem. Justamente durante a crise sanitária da Covid-19 emergiu com mais força no Brasil o movimento antivacina, associado a conceitos do negacionismo científico. Proliferaram diversas fake news associando a vacinação contra o novo coronavírus ao aparecimento ou reaparecimento de doenças. Eram notícias falsas sustentando que a vacina contra a Covid-19 provoca fibromialgia ou Alzheimer, que induz as pessoas idosas ao óbito ou que altera o DNA do ser humano.
O certo é que a multiplicação de fake news sobre a vacina contra a Covid-19, muitas vezes implicando negacionismo científico, contribuiu para a catástrofe sanitária no Brasil. E não foram raras as situações em que as notícias falsas envolvendo negacionismo tiveram como fonte altas autoridades do país.
Esses retrocessos alimentaram a urgência de enfrentamento do movimento antivacina no Brasil. Muitas iniciativas foram tomadas na época, no âmbito das Universidades e por instituições independentes, mas o desafio permanece.
Curiosamente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia apontado – ainda em 2019, antes da pandemia de Covid-19 – o movimento antivacina como uma das dez grandes ameaças à saúde global, ao lado mesmo de doenças como ebola, dengue e influenza ou ou HIV.
Além do combate ao negacionismo, um dos roteiros para o fortalecimento do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e, consequentemente, para revitalizar a vacinação no Brasil é ampliar o alcance e o impacto da Estratégia Saúde da Família. Esta é a posição de especialistas como o sanitarista Gonzalo Vecina. Vacina é vida, é um dever de todo cidadão consciente defender a vacinação ampla e democrática.
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com











