Poucas tragédias causaram tanta comoção quanto o acidente automobilístico que matou o piloto brasileiro Ayrton Senna, um dos maiores nomes da história da Fórmula 1, idolatrado por milhões ao redor do planeta. Ele partiu há exatamente 30 anos, no dia 1º de maio de 1994, feriado do Dia do Trabalhador, durante uma corrida em Ímola, na Itália.
Antes de se tornar tricampeão mundial em um espaço de apenas quatro anos, em 1988, 1990 e 1991, Ayrton Senna teve uma passagem marcante pela cidade de Campinas em setembro de 1986, atraindo dezenas de profissionais de imprensa, amantes de automobilismo e fãs do então jovem piloto de 26 anos, que ainda iniciava sua trajetória de sucesso na Fórmula 1, mas já despertava enorme simpatia e admiração.
“Senna estava no segundo ano de Lotus Renault e veio a Campinas para visitar a loja Sprint Vespa, de um primo do Reginaldo Leme”, explica o jornalista campineiro Fernando Passos, especializado em automobilismo, que cobriu o evento para o jornal Correio Popular.
O jornalista campineiro Edson Silva recorda-se com precisão do contexto que cercou aquela agitada visita de Senna a Campinas. “Era o ano de 1986 e haveria eleição para o Governo de São Paulo. Senna ainda não tinha conquistado nenhum de seus três mundiais de Fórmula 1 e veio a cidade a convite do repórter automobilístico Reginaldo Leme, seu amigo pessoal, para a inauguração de uma revendedora de motos Vespa”, detalha Edson, que realizou a cobertura para a Rádio Antena 1 de Campinas, à época chamada Rádio Universitária Andorinhas FM.
O estabelecimento, que não existe mais, ficava na Avenida Benjamin Constant, em frente ao Largo das Andorinhas, no centro de Campinas. No interior do então recém-inaugurado espaço, Ayrton Senna concedeu entrevista coletiva com a presença de repórteres de diferentes emissoras locais e também parou para atender fãs ávidos para conseguir uma foto ou um autógrafo do ídolo.
“Em minhas participações na coletiva, fiz perguntas sobre o fato do bom brasileiro Emerson Fittipaldi ter sido campeão nos anos 70 pela Lotus e se poderíamos esperar que ele, Senna, mais um grande piloto na Lotus e cobiçado por outras grandes equipes, poderia surpreender os brasileiros e o mundo. Também perguntei sobre a diferença que havia de relacionamento com a imprensa, especialmente a brasileira, entre ele e outro piloto brasileiro, Nelson Piquet”, lembra Edson Silva.
“No ano da coletiva, como grande piloto que sempre foi, Senna despontava para ir a outras grandes equipes como a McLaren e a Williams, onde disputaria com grandes adversários, como foi o caso do francês Alain Prost”, destaca Edson Silva.
Confira abaixo a entrevista coletiva de Ayrton Senna em Campinas, em 1986:
Na época, faltavam apenas duas etapas para a definição do grande vencedor da temporada da Fórmula 1, mas Senna já não tinha mais chances de ser campeão. A disputa estava entre o francês Alain Prost, o britânico Nigel Mansell e o brasileiro Nelson Piquet, que buscava o tricampeonato, mas acabou tendo que esperar mais um ano para conquistar o terceiro título, já que Prost acabou levando a melhor em 1986. Não demoraria muito para Senna chegar ao lugar mais alto do pódio e estabelecer uma hegemonia.
Durante os 10 anos em que competiu na Fórmula 1, Ayrton Senna viveu o auge entre o fim da década de 80 e início de 90, período em que venceu três títulos (1988, 1990 e 1991), todos pela McLaren, equipe que defendeu entre 1988 e 1993. Ele foi campeão pela primeira vez em 1988 e depois conquistou uma dobradinha em 1990 e 1992.
Ao longo de uma década de dedicação à Fórmula 1, Senna também defendeu outras três escuderias: estreou pela Toleman, em 1984, passou três temporadas na Lotus, de 1985 a 1987, e disputou apenas três corridas pela Williams em 1994, entre elas a fatídica em Ímola, na Itália, a última de sua vida.
O piloto brasileiro não resistiu após perder o controle de seu carro Williams FW16 e bater forte contra a barreira de concreto, na curva Tamburello, a mais traiçoeira do Autódromo Enzo e Dino Ferrari, na cidade italiana de Ímola, durante a disputa do Grande Prêmio de San Marino, a terceira etapa da Fórmula 1 de 1994.
O grave acidente que tirou a vida de Ayrton Senna, aos 34 anos, aconteceu no dia 1º de maio de 1994, às 14h13, tarde de domingo na Itália – ou às 9h13, manhã no Brasil.
Ele chegou a ser socorrido na pista e encaminhado de helicóptero para o Hospital Maggiore, em Bologna, mas foi declarado morto pelos médicos após seu coração parar de bater às 18h40, no horário local italiano, ou às 13h40, horário de Brasília. Estava consumada uma tragédia que abalou o Brasil e o mundo como quase nenhuma outra, antes ou depois.
Força-tarefa para cobertura da tragédia
Diante da inesperada notícia da perda de um dos maiores ídolos do esporte brasileiro, uma verdadeira força-tarefa foi realizada em Campinas para a produção de uma edição extra do jornal Correio Popular, que circulou na segunda-feira, dia 2 de maio de 1994.
“Na época, o Correio não circulava às segundas-feiras ou após feriados nacionais, e o dia em que o Senna faleceu foi exatamente um domingo, feriado nacional. A comoção foi tamanha que muitos de nós jornalistas, mesmo quem não era especializado em automobilismo ou sequer da editoria de esportes, prontificaram-se a trabalhar para que saísse uma edição naquela segunda-feira que deixou o Brasil e grande parte do mundo em luto, como se cada um fosse parente do brasileiro Ayrton Senna da Silva… do Brasil”, descreve Edson Silva.
“Foi uma correria, tivemos que chamar todo mundo para trabalhar à noite e de madrugada. Eu fiquei mais diagramando as páginas e escolhendo fotos no arquivo, mas também escrevi uma matéria pequena sobre o tempo em que o Senna andava de kart, no início da carreira. A capa preta [imagem acima] foi uma das nossas ideias para ser bem chocante. Foi um dia muito triste para todo mundo, mas a edição saiu quentinha no dia seguinte”, acrescenta o jornalista campineiro Fernando Passos, especialista em automobilismo.
Autoridade quando o assunto é motor e rodas, Fernando Passos acompanhou de perto toda a trajetória de Ayrton Senna nas pistas, desde o começo disputando provas de kart até a consagração absoluta na Fórmula 1, e o trágico capítulo final. “Eu vi o Senna correndo de kart e depois indo para a Europa para competir na Fórmula Ford e na Fórmula 3. Ele foi campeão nas duas categorias e passou direto para a Fórmula 1, em 1984. Antes disso, em 1983, fez teste na Williams, mas acabou contratado pela Toleman em 1984”, resume Fernando Passos, sobre o início da trajetória de Senna.
“Eu cobri todos os GPs do Brasil entre 1984 e 1996, tanto em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, quanto em Interlagos, em São Paulo. Tenho mais de mil fotos do circo inteiro da Fórmula 1 e já organizei duas exposições fotográficas, a primeira antes e a segunda depois que o Senna morreu”, conta Fernando Passos, que deseja realizar uma terceira exposição neste ano, que marca o 30º aniversário da morte do lendário e até hoje venerado piloto brasileiro.
“O kart foi a base do sucesso de Senna” (texto do jornalista Fernando Passos, publicado na edição especial do Correio Popular, em 2 de maio de 1994):
Desde que sentou num kart pela primeira vez, Ayrton Senna da Silva, na época com quatro anos, começou a desprezar as brincadeiras normais da infância. Ficava “pilotando” aquele pequeno carrinho motorizado, presente do seu pai, Milton da Silva. Empresário do ramo metalúrgico, ele mesmo projetou e o montou com um motor de 1 HP para seu filho Beco, apelido do menino. Ele adorava dirigir no pátio da empresa, onde iniciou seu aprendizado como piloto e mecânico.
Com sete anos começou a frequentar o Kartódromo de Interlagos para treinar – a idade mínima para competir era 13 anos. A primeira corrida, já com 10 anos, foi na base da brincadeira entre os kartistas num dia de treino. As posições de largada foram definidas no sorteio. Ayrton conquistava a primeira pole. Largou atrasado, não venceu, mas ultrapassou muita gente.
“Em 1974 e 1975, [Senna] foi campeão paulista e brasileiro, época em que participou de algumas provas em Campinas, no Kartódromo do Taquaral. Chegou a treinar com vários pilotos locais, entre eles Afrânio Ferreira Júnior, que mais tarde emprestaria seu nome à pista”, lembrou Fernando Passos, em matéria de sua autoria na edição extra do Correio Popular, no dia seguinte à morte de Ayrton Senna.
Certa ocasião, Senna liderava uma prova e começou a chover. Rodou e perdeu a liderança. Prometeu que nunca mais repetiria a barbeiragem e tornou-se imbatível em pista molhada. O segredo foi revelado depois. Toda vez que chovia em São Paulo, o que não era incomum, Senna punha o kart na carreta e pedia ao motorista para levá-lo ao kartódromo. Depois de colecionar vários títulos, Senna ficou conhecido como o maior kartista do Brasil.