A rotina do mundo dos negócios, das grandes empresas, mudou de maneira decisiva com a chegada da pandemia de coronavírus. No Brasil, em março do ano passado, foi adotado o trabalho home office em todas as companhias onde o modelo era possível de implantação e os escritórios ficaram vazios. Equipes inteiras e seus líderes precisaram aprender a usar a tecnologia para se comunicar, manter a produtividade e estabelecer estratégias para continuar motivados e saudáveis. Mais recentemente, com o avanço da vacinação, aos poucos os funcionários estão retomando seus postos mas novos formatos de trabalho estão em debate.
Sobre a experiência desafiadora de coordenar equipes de uma corporação global em um momento tao delicado, o Hora conversou com Felipe Barreiro. O executivo viveu em Campinas desde os primeiros anos de vida até a juventude e cursou Engenharia da Computação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Após a faculdade, a carreira profissional decolou, ele se mudou e trabalhou em grandes empresas, como Novartis e Johnson & Johnson, até chegar à vice-presidência da Medtronic Brasil, uma das líderes mundiais em tecnologia para a área médica, que desenvolve respiradores, cateteres, torres cirúrgicas, marca-passos e mais de dois mil equipamentos de tratamentos avançados para a saúde.
Barreiro conta, entre outros, sobre como foi assumir a liderança da gigante da área de saúde durante a fase mais complicada da pandemia e quais atitudes tomou para manter o engajamento da equipe que trabalhava remotamente. “A pandemia trouxe, e continuará trazendo, desafios para os negócios e a necessidade de transformações a uma velocidade assustadora”, diz o executivo. Confira a entrevista:
Hora Campinas – Sua trajetória profissional teve início na formação feita na Unicamp. Como foi sua caminhada desde o primeiro emprego até chegar ao cargo de vice-presidente da Medtronic Brasil?
Felipe Barreiro – Sou graduado em Engenharia da Computação pela Unicamp, com MBA pela Fundação Getúlio Vargas e especialização em Marketing Estratégico pela University of Miami – School of Business Administration. Durante o período da faculdade, fiz dois estágios, um na Motorola e outro no CPQD, ambos em Campinas. Em 2003, após a graduação, ingressei no programa de Trainee do Citibank, na área de operações da Tesouraria e neste período me mudei para São Paulo. Em 2004, ingressei na Novartis para trabalhar em finanças. Trabalhei na unidade de São Paulo, até 2006, como analista na área de finanças, na auditoria e controle de processos. Em 2006, fui convidado para assumir esta mesma área no Chile. No final de 2007, ainda no Chile, passei a trabalhar para a divisão de dispositivos médicos da Johnson & Johnson, desta vez na área de vendas, como especialista de produto. Em 2011, surgiu a oportunidade de trabalhar na Covidien, que quatro anos depois seria adquirida pela Medtronic. Ingressei como gerente de produto. No início de 2014, assumi um novo desafio, de fazer o lançamento da operação de Cuidados Avançados de Feridas da Smith & Nephew no Brasil. Em 2015, recebi o convite para voltar para a Medtronic. Na ocasião, assumi a diretoria de marketing da América Latina, para Surgical Innovations e Early Technologies, posição que permaneci até assumir a liderança da operação comercial da Medtronic no Brasil, no cargo de vice-presidente da Medtronic Brasil.
A Medtronic é uma corporação global de tecnologia para a área médica. Como foi para a empresa esse período de pandemia sob o ponto de vista dos negócios?
A Medtronic é líder global em tecnologia médica e pioneira no desenvolvimento do primeiro marcapasso externo portátil a bateria do mundo, criado em 1957, após parceria com médico de uma universidade norte-americana. A empresa possui um portfólio global com mais de 213 mil produtos que fazem diagnóstico, previnem e tratam doenças. Estamos presentes em mais de 150 países e temos 90 mil funcionários ao redor do mundo. Nossa sede operacional está localizada em Mineápolis (EUA). Contamos com 74 unidades de produção pelo mundo que fabricam soluções terapêuticas para mais de 70 condições de saúde, como as doenças cardíacas, cardiovasculares, respiratórias, neurológicas, de coluna, diabetes, cânceres, entre outras.
Acabamos de completar 50 anos de atividades no Brasil. Possuímos 690 funcionários em nossa estrutura comercial em São Paulo, e mais 370 pessoas em duas fábricas: 70 em Ribeirão Preto (SP) e 300 em São Sebastião do Paraíso (MG). As unidades são responsáveis pela fabricação de suturas e equipamentos de eletrocirurgia, respectivamente.
A pandemia trouxe, e continuará trazendo, desafios para os negócios e a necessidade de transformações a uma velocidade assustadora. Assim, a resposta da Medtronic Brasil foi investir no País, ampliando a presença no setor, com o objetivo de apoiar o acesso de mais pessoas a cuidados de saúde de qualidade. Assim, trouxemos novos produtos de alta tecnologia e um alto grau de inovação nas diversas áreas da medicina clínica e cirúrgica que atuamos. Em 2020, lançamos 16 produtos e, em 2021, lançaremos mais 13. O Brasil possui o maior faturamento da região América Latina, duas vezes maior que o segundo colocado, o México.
Como a inovação é vivenciada intensamente em todas as nossas unidades de negócios para levarmos a pacientes as melhores terapias, priorizamos também a educação médica para acompanhar este movimento. Desde o início da pandemia, substituímos as reuniões presenciais por webinars e treinamentos on-line. Ao todo, nos últimos 18 meses, foram treinados mais de 22 mil profissionais de saúde, abrangendo todas as nossas linhas de negócios.
A pandemia de coronavírus trouxe uma nova realidade às relações de trabalho, quando as equipes tiveram que se adaptar rapidamente ao home office. Como líder, quais as estratégias que o senhor adotou para manter os recursos humanos da companhia motivados e engajados no dia a dia?
Assumi a liderança da Medtronic no Brasil, em agosto de 2020, no auge da pandemia, e minha prioridade foi conhecer profundamente a equipe. Nos primeiros 60 dias, realizei 70 entrevistas. Foi um período intenso, mas esse primeiro passo foi fundamental para mostrar que estávamos juntos e a importância de cada um para vencermos a crise.
Desde o início, eu estava focado em valorizar as pessoas e ponderei que começaria conhecendo os representantes de todas as equipes para entender os objetivos e perspectivas dos colaboradores.
Dessa forma, foi possível estruturar um planejamento que considerasse nossos recursos e, ao mesmo tempo, identificar as mudanças que elevariam a motivação de todos. A dinâmica permitiu ainda que os funcionários se sentissem parte da companhia, ou seja, cuidassem da empresa como se fossem os próprios donos. Eles compreenderam que poderiam trocar ideias, apontar falhas e sugerir mudanças, enfim, que seriam ouvidos pela empresa. A simples atitude de escutar o time e de interagir diretamente com eles antes de tomar decisões difíceis, fortalece a sensação de pertencimento.
Com os insumos obtidos a partir dessas conversas iniciais, entendi o cenário, nossos pontos fortes e o que precisaria ser aprimorado. Além disso, construí com a equipe de liderança, a estratégia para o curto, médio e longo prazos, com base na aceleração e ampliação do acesso às terapias de ponta, criação de modelos sustentáveis de negócios em saúde e experiência do paciente.
Para manter a proximidade com as equipes, faço reunião mensal, chamada de Jogo Aberto, com todos os funcionários. Nela, apresentamos os resultados, os temas estratégicos para a companhia e respondo qualquer dúvida, com transparência.
O uso de mensagens regulares, em diversos formatos, texto, voz ou vídeo, reforça os temas abordados nas reuniões. Essas mensagens, enviadas pelos meios de comunicação interna, alimentam e solidificam os relacionamentos que vêm sendo construídos.
A troca e a real aproximação, mesmo que no formato virtual, foram fundamentais para criar um ambiente de motivação. Felizmente, atravessamos o momento mais delicado da crise porque passamos por isso juntos, como parceiros.
Ao aderir recursos que proporcionam proximidade entre líderes e suas equipes, mesmo que de forma virtual, realizar avaliações de desempenho remotamente não passou a ser um trabalho mais difícil. Pelo contrário, por se tratar de uma construção ao longo de um período e não apenas uma única reunião pontual de avaliação, tornou-se ainda mais fácil.
Com o avanço da vacinação e flexibilização das medidas sanitárias, a retomada econômica é esperada. O que os líderes empresariais esperam desse novo cenário?
Estamos com ótimas expectativas com o avanço da vacinação no País e a retomada das cirurgias eletivas. Acreditamos que o Brasil dê importantes passos rumo a retomada econômica ainda neste ano. No entanto, o momento ainda exige cuidados. Precisamos voltar, seguindo as recomendações das autoridades em saúde. É preciso ter cautela para que deslizes não nos façam voltar a estágios que já vivemos anteriormente.
A cidade de Campinas é reconhecida por ser um polo de ciência, inovação e tecnologia, em razão de abrigar empresas, institutos e centros de pesquisa de destaque nacional. Como o município pode contribuir nesta retomada do País?
A tecnologia é fundamental para a retomada do País. Tudo o que estamos vivendo é muito novo, apesar de já termos passado por outras crises, mas nada similar a uma pandemia dessa magnitude. Campinas concentra grandes universidades e empresas de tecnologia e vem destacando o Brasil no quesito inovação.
Acredito que intensificar parcerias entre a academia e a indústria com foco no desenvolvimento de soluções para o Brasil e o mundo, além de compartilhar boas práticas e aprendizados conquistados, tornando acessíveis as inovações nascidas na região, sejam uma boa forma de contribuir com a retomada do País.
A boa notícia é que as companhias de todos os segmentos nunca consumiram tanta inovação como estamos vendo neste período, o que trará soluções para os desafios da sociedade de forma ainda mais ágil.
Como executivo de uma empresa do setor, qual o alerta que o senhor faz para os cuidados que todos devem ter com a saúde?
Todos nós temos que estar muito atentos com a saúde de forma geral. Manter os cuidados recomendados pelas autoridades de saúde para evitar contrair o coronavírus é fundamental. Ao mesmo tempo, gostaria de deixar um alerta para as outras patologias, como as doenças do coração e o câncer.
Quando detectados e realizados os tratamentos no início, há maior probabilidade de o desfecho ser bem-sucedido. Felizmente, a tecnologia já avançou muito nos tratamentos dessas e outras enfermidades e, hoje, sabemos que tratá-las no estágio inicial faz toda a diferença para salvar vidas.
Alerto ainda para o cuidado necessário que indivíduos com fatores de risco para doenças como o AVC (Acidente Vascular Cerebral) e o infarto, devem ter. Durante a pandemia, houve aumento considerável nas ocorrências de pessoas que tiveram AVC e infarto, em casa, foram a óbito ou ficaram incapacitadas por falta de socorro imediato devido ao medo de irem ao pronto atendimento.