É com muita honra que aceitei o convite da Fundação Educar e da companhia DPaschoal para ser o responsável pela coluna de sustentabilidade do Hora Campinas.
É a Hora Sustentabilidade, que faz sua estreia simbólica nesta data em que é lembrado mais um Dia Mundial da Água. Para mim é especialmente significativo, pois foi a questão da água que me levou a me interessar pelas questões ambientais, um dos eixos do que hoje é chamado de sustentabilidade.
Foi quando ainda era estudante de jornalismo na Unimep em Piracicaba. Era comecinho da década de 1980.
Na época a cidade toda se mobilizava para defender o famoso rio do mesmo nome, que vinha sendo castigado de múltiplas formas. Foram várias iniciativas em defesa do rio e passei a olhar mais de perto para a temática das águas, ainda estudando e já trabalhando em jornal, no caso O Diário.
Naquele momento tive mentores importantes, como o engenheiro Nelson Rodrigues, um dos idealizadores da Campanha Ano 2000 – Redenção ecológica do Rio Piracicaba, que teve relevantes desdobramentos.
Outro mentor foi o promotor público Paulo Affonso Leme Machado. Ele era promotor em Piracicaba e depois se tornaria uma das maiores referências no Brasil e no plano internacional em Direito Ambiental.
Depois de formado me mudei para São Paulo, para trabalhar na Agência Ecumênica de Notícias (AGEN). Experiência maravilhosa em jornalismo, na AGEN pude me aprofundar nas questões ambientais e de direitos humanos.
Foram, por exemplo, várias viagens à Amazônia, para reportagens sobre os povos indígenas e demais povos da floresta. Fiz muitas entrevistas com Chico Mendes, cujo assassinato em 1988 começou a chamar a atenção mundial para a Amazônia. Também cobri em Brasília a luta pela inclusão da temática socioambiental na nova Constituição brasileira.
Ainda pela AGEN, cobri eventos internacionais de peso sobre a questão, como o Tribunal Permanente dos Povos sobre as políticas ambientais do FMI e Banco Mundial, em Berlim, em 1988, e a Consulta Justiça, Paz e Integridade da Criação, do Conselho Mundial de Igrejas, em Seul, em 1990.
Já em Campinas, no início dos anos 1990, passei a trabalhar no jornal Correio Popular, onde continuei o olhar para as questões ambientais e sociais. E nessa condição tive a oportunidade de participar do maior e mais importante evento ambiental já realizado, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92. Foi em junho de 1992, no Rio de Janeiro.
A Rio-92 é a “mãe” de toda a agenda socioambiental contemporânea. Nela foi consagrado o termo desenvolvimento sustentável e sua associada, a sustentabilidade.
Nesses últimos anos publiquei diversos livros sobre assuntos ambientais e sociais.
Agora com muita honra aceito o convite para assumir a coluna Hora Sustentabilidade. Um espaço de informação e reflexão sobre as questões cruciais para o planeta e a humanidade.
Como disse, é significativo que o espaço seja apresentado em mais um Dia Mundial da Água. Hoje o planeta, e obviamente a humanidade, passam por várias crises simultâneas e uma das mais graves é a da água.
Um relatório que acaba de ser publicado pela Comissão Global sobre a Economia da Água mostrou que até 2030 a demanda pela água estará em 40% superior à capacidade natural de suprimento pelo planeta. Poluição desenfreada, desperdício, urbanização intensa e a crise climática também em curso são fatores que fazem com que a água seja cada vez mais escassa para bilhões de pessoas em todo o mundo.
Será cada vez mais difícil, no ritmo atual de consumo e devastação, suprir água suficiente para uma população que hoje é superior a 7,5 bilhões de pessoas e pode chegar a 10 bilhões em 2050.

Outro estudo, mais antigo, realizado com base em imagens de satélite da Nasa, já havia apontado 19 regiões do planeta em que os recursos hídricos estão se esgotando rapidamente, colocando em risco o abastecimento para bilhões de pessoas. Entre essas regiões está a Amazônia brasileira, território com a maior concentração de água doce no planeta mas que sofre cada vez mais com o desmatamento e outros indutores da crise climática.
Como já tem sido fartamente demonstrado, a crise climática que vem se acelerando apenas vai tornar mais crítica a questão da água. Nesta segunda-feira, 20 de março, inclusive, o Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC) publicou mais um relatório, alertando que o tempo para se deter o processo que agrava as mudanças climáticas se esgota cada vez mais rápido. Uma das consequências desse fenômeno tem sido o agravamento de situações de estiagem em vários territórios, afetando portanto o suprimento de água, enquanto em outros ocorre um excesso de tempestades.
Um dos dados mais alarmantes do relatório foi sobre a concentração atmosférica de dióxido de carbono (CO2). Em 2019 ela foi de 410 partes por milhão, a maior em ao menos 2 milhões de anos, enquanto as concentrações de metano, de 1.866 partes por bilhão, e de óxido nitroso, de 332 partes por bilhão, foram as maiores em 800 mil anos. Isto significa que os esforços que têm sido feitos para o enfrentamento das mudanças climáticas não têm surtido efeito prático.
O Brasil, país privilegiado em água (detém 12% das reservas planetárias), de fato passa por esse drama. Recentemente foram registradas chuvas recordes no Litoral Norte de São Paulo, com muitas mortes e milhares de desabrigados, enquanto o Rio Grande do Sul passa por uma seca extrema.

Um dos grandes desafios no Brasil é acelerar o tratamento de esgotos, muito desigual nas diferentes regiões, ao lado da redução do desperdício nas redes de água, que chega a 36% em média nas 100 maiores cidades brasileiras, como demonstrou o ranking anual de saneamento do Instituto Trata Brasil, que acaba de ser publicado.
Neste ranking, Campinas fica em 21º lugar em eficiência no serviço de saneamento, com 98,09% em Índice de Atendimento Total de Água, 94,77% em Índice de Atendimento Total de Esgoto, 73,05% em Tratamento Total de Esgoto e 20,57% no Indicador de Perdas na Distribuição de Água, um dos menores índices entre os 100 maiores municípios brasileiros.
A “governança da água”, ou seja, como os recursos hídricos devem ser geridos para a superação da crise hídrica é tema de uma conferência das Nações Unidas que começa hoje (22 de março) em Nova York. Um ingrediente de pessimismo é o fato de que, ao contrário dos grandes eventos sobre a crise climática, este sobre a água esteja chamando muito menor atenção da mídia e dos próprios governos.
Ocorre que tudo está conectado, tudo deveria ser importante, como tentaremos mostrar nessa Hora Sustentabilidade. Bem-vindas e bem-vindos!
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País
E-mail: josepmartins21@gmail.com