O nome dela é Paula, mas também pode ser chamada de anjo. Afinal, qual seria o destino daquele bebê de apenas seis dias de vida abandonado pela mãe se não fosse a disposição dessa mulher em acolhê-lo? Paula, por outro lado, considera anjo de verdade a criança que recebeu. E assim enxerga, pois se diz impactada pelo amor que a criaturinha levou para sua casa.
Essa experiência de troca a professora Paula Cristina Breda, de 45 anos, vivenciou em 2018 e não foi só uma vez. No total, já foram seis bebês na mesma situação acolhidos em sua casa. O primeiro, de apenas 6 meses de idade, chegou em 2016, após ela tomar uma decisão que deu um sentido a sua vida. Por meio de uma amiga, Paula conheceu o serviço Família Acolhedora da Prefeitura de Campinas e não pensou duas vezes em se envolver no trabalho, que adotou como missão.
Nesta quinta-feira (13), a importância do serviço Família Acolhedora, que existe há 26 anos em Campinas, será lembrada em uma solenidade na Câmara Municipal. A sessão, que terá início às 14h, também homenageará os 33 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O serviço, ligado à Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, se casou com os ideais de Paula. As buscas são por famílias disponíveis a oferecer um atendimento individualizado a crianças e adolescentes que precisam ser afastadas temporariamente do núcleo familiar de origem. E a professora enxergou no contexto a possibilidade de preencher, pelo menos em parte, um vazio. “Eu sempre quis ser mãe e vi uma oportunidade de servir de mãe de alguém que no momento não tem”, diz ela, que é casada há 20 anos com Osmael e não pode ter filhos.
Todas as seis crianças acolhidas por Paula são bebês que não chegaram aos 7 meses de vida. Neste ano, ela recebeu um de 19 dias.
“Meu esposo e eu acreditamos que esse serviço nos traz a oportunidade de amar. Temos tempo, experiência de vida e muito amor para dar. É uma experiência gratificante”, comenta.
A permanência é temporária. A criança que mais tempo conviveu com Paula ficou 20 meses sob seus cuidados. E a com passagem mais rápida teve 9 meses de acolhimento. Segundo a professora, duas voltaram para a família biológica e as outras quatro foram encaminhadas para a adoção. Ela conta que o difícil é o momento do adeus.
“Amaremos todos para sempre”, diz. “Durmo e acordo pensando em cada um e diariamente oramos por eles. Queremos que sejam felizes, seja onde for.”
Paula afirma que já pensou em adotar uma criança, mas descartou a possibilidade por considerar o processo muito prolongado. “Para se adotar uma criança entre 0 e 3 anos de idade o tempo estimado é de 8 a 10 anos, o que consumiria muito minha energia. Se eu estivesse na fila, minha vez não teria chegado ainda e, nesse período, já pude amar seis crianças.”
Convocação
Paula e Osmael integram o grupo cadastrado no serviço Família Acolhedora da Prefeitura de Campinas. Responsáveis pela demanda, o Sapeca (Serviço de Acolhimento e Proteção Especial à Criança e ao Adolescente) e o ConViver contam com 10 e 14 famílias inscritas, respectivamente. Do total de 24, no entanto, somente 14 estão ativas acolhendo neste ano 16 crianças e adolescentes.
A Administração faz campanha para ampliar o número de voluntários, que vem reduzindo desde a pandemia. “Há muitas crianças precisando de uma família para serem cuidadas e educadas”, relata Paula. Hoje, o alvo da Secretaria é cadastrar pelo menos 40 famílias. “Equipes técnicas estão visitando empresas, igrejas, escolas e unidades de saúde para apontar essa necessidade e fazer o trabalho de conscientização”, diz a coordenadora da proteção social especial de alta complexidade da Secretaria de Assistência Social, Maria José Geremias.
Os candidatos, diz a coordenadora, passam por uma avaliação e orientação antes do cadastro. “O responsável precisa ter no mínimo 21 anos e assinar um termo de guarda provisória. Não há restrições relativas a estado civil, condição econômica ou orientação sexual”, esclarece.
Os contatos dos núcleos da Família Acolhedora são os seguintes: Sapeca: 19-3256-6067 ou 19-3256-6335. ConViver: 19-3772-9699 ou 19-99368-1440.
O endereço do site é familiaacolhedora.campinas,sp.gov.br
Detalhes do serviço
Maria José explica que os encaminhamentos das crianças e adolescentes às famílias acontecem por meio da aplicação de medida de proteção de acolhimento por parte da Vara da Infância e da Juventude. Os alvos, diz, são aquelas que precisam ser afastadas temporariamente da família de origem por terem sido vítimas de violação, como abandono e violência domésticas, por exemplo. O atendimento é voltado para pessoas até 17 anos e 11 meses, mas a preferência é atribuída às da primeira infância (entre 0 e 6 anos de idade).
“Em um primeiro momento, a busca é para que a permanência aconteça na família estendida, como avós e tios. Não havendo essa possibilidade, o serviço é acionado por meio de medida judicial”, explica Maria José. “Algumas crianças precisam de um direcionamento mais individualizado e focado, mesmo que provisório, para que possam ter uma outra referência de família”, complementa.
O acolhimento em uma nova casa ainda pode ser aplicado a um grupo de irmãos, diz a coordenadora.
Durante o período de acolhimento, a família biológica também passa por atendimento, já que o planejamento ideal é que a criança possa retornar para junto dos pais dentro de uma estrutura adequada de convívio familiar. Segundo a Secretaria, 469 crianças já passaram pelo serviço desde sua criação, há 26 anos, com 50,1% delas reintegradas à família de origem. “Estamos cumprindo com o nosso propósito”, afirma Maria José.
Apesar de ser aplicado em Campinas desde 1997, o serviço Família Acolhedora só foi legalmente reconhecido em 2009, por meio da Lei 12.010, que o adicionou ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em Campinas, há outros 25 serviços de acolhimento ligados à Secretaria: sete abrigos, 16 casas lares para crianças e adolescentes, uma casa lar voltada para grávidas ou mãe com crianças e uma casa de passagem.