Meu avô paterno, filho de italianos, foi funcionário da prefeitura. Conta com orgulho que foi encarregado de obras no tempo de Rui Novaes. Liberato Crecci, conhecido zagueiro da várzea, lembra das visitas que o prefeito vazia aos canteiros de obra da cidade logo ao amanhecer. Lembra-se, também, de ter dividido café e pão com o executivo da cidade.
Os anos se passaram e meu avô trabalhou e cresceu junto com Campinas, acompanhando seu ritmo de expansão e transformação.
Deixou o serviço público, decidiu empreender e fundou uma serralheria. Os anos se passaram foi, então, que meu pai abandonou o futebol profissional e deu continuidade ao pequeno negócio. Sua função era medir e fazer orçamentos em diferentes pontos da cidade. Sem qualquer intenção conscientemente antropológica, ele colocava minha irmã e eu em sua Variant azul, que já era velha, quando solicitado para a realização de alguma medição de grades, portas, portões, corrimões, janelas… E foi assim que percorremos o território campineiro, ainda crianças, ao lado dele.
Foi nesse vai e vem que conhecemos a Campinas dos sobrenomes quatrocentões. Tomamos café e comemos bolo com senhoras distintas que, até mesmo, achavam graça ao ver um serralheiro que levava suas filhas ao trabalho. E, também, convivemos com trabalhadores recém-chegados, moradores da periferia, que com frequência nos recebiam com a mesma gentileza – e com café também.
Nossa cidade é diversa, desigual e cheia de contrastes. Desde cedo aprendemos que ela não cabe numa única narrativa. E talvez por isso mesmo, minha irmã e eu tenhamos escolhido a docência como caminho. Hoje, é a educação que nos leva às entranhas dessa cidade – e o que antes era passeio de infância virou compromisso político.
Foi em Campinas que nasci, cresci e renasci após um período adoecida. E é aqui que sigo escutando e aprendendo. No Observatório da Educação Campineira (OEC), temos nos dedicado a conhecer e valorizar a história das professoras que cuidam e educam da primeira infância. Mulheres que sustentam o cotidiano da cidade com afeto, técnica e resistência. Sou profundamente grata por ter acesso a cada uma dessas narrativas – elas me tiram de tantas bolhas, seja do distante feminismo acadêmico ou da narrativa estável do funcionalismo público, são elas que me fazem repensar a cidade todos os dias.
Porque a verdade é que a Campinas confortável dos cafés e restaurantes sofisticados do meu bairro do coração, o Cambuí, não é a única Campinas. Ela existe – e resiste – em paralelo a outras realidades que são igualmente legítimas, mas muitas vezes invisibilizadas. Não acredito que devamos construir cidades dentro de uma mesma cidade. O que precisamos é de pontes. O que devemos fazer é aproximar o Campo Belo do Gramado.
Será na fronteira – nesse espaço de encontro entre mundos distintos – que construiremos uma cidade acessível, equitativa e potente, tal como nossa vocação histórica nos impõe. Campinas não precisa de discursos bonitos. Campinas é grande. Precisa de coragem para enfrentar suas contradições e de vontade política para unir o que foi separado por décadas de desigualdade estrutural. E é nesse lugar de fronteira que eu escolho estar.
Enquanto professora e cidadã apaixonada por essa cidade, reconheço que, com uma base sustentada pelo Legislativo, a gestão do prefeito Dário Saad teve coragem ao enfrentar o desafio de ampliar o acesso às vagas em creches. Com essa mesma coragem, esperamos que enfrente agora os desafios que a realidade impõe – entre eles, a urgente equiparação salarial das professoras que cuidam e educam da infância campineira.
A partir de diversas contradições, foi Rui Novaes quem travou duras lutas para fazer e acontecer nesse território. Esperamos que, agora, a educação seja enfrentada com a mesma coragem daquele prefeito que se sentasse nos canteiros de obra e compartilhava o pão com o operariado.
Quando a velhice – que logo virá – me alcançar, quero poder contar, com orgulho, que vi as desigualdades educacionais serem tratadas como prioridade. Que vi a gestão que legisla e executa nesta cidade enfrentar, de frente, as condições de trabalho das professoras que cuidam e educam da infância campineira. Quero poder dizer que vivi num tempo em que a justiça começou pela base.
Vanessa Crecci é pedagoga e doutora em educação pela Unicamp. Coordenadora do Observatório da Educação Campineira. Professora da rede municipal de educação de Campinas. Apresentadora e roteirista da EducaTV.











