Uma política consistente para a proteção das pessoas idosas contra as mudanças climáticas no Brasil, sobretudo em relação aos eventos extremos. É o que pede o médico gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional Longevidade Brasil e codiretor do Age Friendly Institute, nos Estados Unidos. Como mostrou o Hora Campinas, os impactos das mudanças do clima nas pessoas idosas não estão em discussão na programação oficial e paralela da COP30, a Conferência do Clima que está acontecendo em Belém (PA) até o dia 20 de novembro.
“Em qualquer situação de emergência, as pessoas idosas são as mais vulneráveis”, observa Kalache, que dirigiu o programa global de envelhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) entre 1995 e 2008. Ele lembra que, quando estava para sair da OMS, encomendou em 2007 um conjunto de 16 estudos de situações de emergências as mais variadas, como nevascas, tsunamis, terremotos, secas, incêndios florestais, enchentes. Ele comenta:
-E o que acontece? Cada vez mais essas situações de emergência vão ocorrer em populações envelhecidas. Este século será caracterizado por duas tendências que correm em paralelo. O envelhecimento populacional e o câmbio climático. Então é preciso melhorar a proteção da população, principalmente nos casos mais previsíveis. As populações idosas são as mais vulneráveis, primeiro pelas condições biológicos. Com 30, 40 anos, a pessoa aguenta bem uma onda de calor. Depois dos 60, 70, que dirá 80, você não tem mais os mesmos mecanismos de homeostase, de você se ajustar à situação.
Kalache nota que o que o levou a fazer os estudos em 2007 “foi uma onda de calor avassaladora na Europa que matou mais de 40 mil idosos. Foram necessários dias para as autoridades acordarem. O toque de alarme foi das funerárias. Era mês de agosto, pessoal da área da saúde em férias. Bastaria que houvesse uma vigilância, vamos ter uma onda de calor, precisamos mandar agentes comunitários visitar as casas, temos o controle das pessoas idosas, sobretudo das que vivem sozinhas, aquelas que tem comorbidade”.
No verão de 2003, houve mais de 70 mil mortes pela onda de calor em vários países europeus. Na França, segundo o Ministério da Saúde, 80% tinham mais que 75 anos. Novas ondas de calor foram registradas recentemente na Europa, com o mesmo impacto. Foram 67.900 em 2022, 50.800 em 2023 e 62 mil em 2024, em sua grande parte de idosos, de acordo com estudo publicado na Nature Medicine. O estudo estimou que a mortalidade entre as pessoas com mais de 75 anos foi de 323% maior do que em outras faixas etárias.
“Temos igual no SUS, esse mapeamento (da população idosa) está praticamente feita em todo território nacional”, observa Alexandre Kalache. “É inadmissível que não temos uma política para proteger essa população tão vulnerável”, ele acrescenta.
Alexandre Kalache nota que muitas pessoas idosas perderam as vidas e outras as suas casas nas enchentes que ocorreram em Teresópolis e outras cidades da zona serrana do Rio de Janeiro, em 2011. Para ele, o que ocorreu na época “sumariza a tragédia de você não ter segurança e proteção, que são os elementos fundamentais para você ter um envelhecimento ativo, centrado nos eixos de saúde, de aprendizado ao longo da vida, de ter direitos de participar plenamente na sociedade e dos eixos segurança e proteção. Isso não se consegue construir sozinho, precisa da sociedade, do Estado, de políticas de Estado, para a proteção da população idosa que só faz crescer, com todas as suas limitações, medos, receios. Nós envelhecemos antes de sermos ricos como país, ao contrário do que ocorreu nos países desenvolvidos, que cresceram antes de envelhecer. Não está nada fácil”, acrescenta.
Mas Kalache também assinala que “as pessoas idosas não são apenas as mais vulneráveis. Elas também são mais resilientes. Elas conseguem trazer a população unida. Observei isso em um dos estudos em campos de refugiados, onde as outras pessoas adultas estavam desesperadas e as pessoas idosas, poucas que fossem, mantinham um fio de esperança, conseguiam vir uma luz no fim do túnel. Elas já tinham passado por muitas”, comenta o gerontólogo, principal referência no Brasil em questões de envelhecimento e saúde.
De fato, há claros exemplos de um avanço no protagonismo de grupos de pessoas idosas no debate sobre as mudanças climáticas. No dia 9 de abril de 2024, a organização de mulheres idosas suíça Klima Seniorinnen Schweiz obteve uma vitória histórica no debate sobre a emergência climática. Naquela data, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) decidiu que a Suíça viola os direitos humanos das mulheres idosas porque o país não está fazendo a sua parte para combater o aquecimento global em curso. É uma decisão inédita em um tribunal em termos de associação de direitos humanos e questão ambiental em geral e, no caso, especificamente das mudanças climáticas.
A mobilização do grupo de mulheres suíças e a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos são fortes evidências da importância da discussão a respeito dos impactos das mudanças climáticas em pessoas idosas, o que está sendo negligenciado pela COP30, em Belém (PA), a exemplo do que ocorreu nas Conferências do Clima anteriores. Tomara que o texto final da Conferência, prevista para concluir na quinta-feira, dia 20 de novembro (o que pode não ocorrer em função de impasses nas negociações), inclua alguma referência ao tema, mas é improvável que aconteça. O etarismo ambiental ainda é forte e precisa ser superado com urgência. (Publicado originalmente em longevinews.com.br).
José Pedro Martins é jornalista, escritor e consultor de comunicação. Com premiações nacionais e internacionais, é um dos profissionais especializados em meio ambiente mais prestigiados do País. E-mail: josepmartins21@gmail.com.











