Por Eduardo Martins e Gustavo Magnusson
Reportagem especial
Neste mês de março, o futebol brasileiro completou um ano sem torcida nos estádios, em virtude das restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus. Um ano singular, sombrio, em que o próprio futebol e os torcedores forçosamente reinventaram a forma de acompanhar os clubes do coração. O Hora Campinas mostra, em uma série de quatro reportagens, histórias de bugrinos e pontepretanos para reforçar que uma paixão repousa, mas não morre. Que o futebol é alento e esperança. São tempos difíceis, porém, ainda há alegria em ver a bola rolar. Da maneira que der. Acompanhe a seguir a primeira história, de Totó, o “irmão quase gêmeo” do Majestoso.
Ilustre torcedor da Ponte Preta, Américo Zeferino Bissoto, popularmente conhecido como Totó, já havia comprado passagem para o duelo de volta da terceira fase da Copa do Brasil do ano passado, em Afogados da Ingazeira, no sertão pernambucano, a cerca de 300 quilômetros da capital Recife, mas a chegada da pandemia frustrou os planos. Originalmente marcado para o dia 19 de março, o jogo foi realizado apenas cinco meses depois, no dia 25 de agosto, com vitória pontepretana por 2 a 0 (5 a 0 no agregado), no estádio Vianão completamente vazio.
O Dérbi 196 entre Guarani e Ponte Preta, no estádio Brinco de Ouro, em 16 de março de 2020, foi o primeiro jogo disputado com portões fechados. Com vitória bugrina por 3 a 2, o clássico campineiro, válido pela 10ª rodada do Paulistão, também representou a derradeira partida antes da paralisação de quatro meses das competições no país.
Assim, Totó perdeu a chance de ampliar a extensa lista de cidades que visitou, de Norte a Sul do Brasil, para acompanhar de perto a Ponte Preta. “É duro ficar em casa, ainda mais para mim. Eu brinco que conheço do Oiapoque ao Chuí, pois já estive tanto em Boa Vista quanto em Pelotas. Também visitei Vilhena, em Rondônia, além de Itabaiana, no Sergipe, e Imperatriz, no Maranhão”, enumera o incansável viajante de 72 anos, entre muitos outros destinos triviais e exóticos.
“Os únicos estados que eu ainda não conheço são aqueles onde a Ponte ainda não jogou, então são poucos”, salienta Totó, que sempre aproveita para comprar camisas de times locais, além de colecionar cachaças de cada região que visita. “Se estivesse tudo normal, teria ido para Luziânia também”, afirma, referindo-se ao local do confronto contra o Gama, no início deste mês, quando a Ponte Preta venceu por 2 a 1 e avançou para a segunda fase da Copa do Brasil.
Além de rodar pelos quatro cantos do país, quase sempre acompanhado do filho, Totó também já extrapolou as fronteiras. Em 2013, foram duas excursões para Buenos Aires, na Argentina, e uma para San Juan de Pasto, na Colômbia, perseguindo a Ponte Preta na grande campanha do vice-campeonato da Copa Sul-Americana. “Foi uma aventura, uma loucura”, resume Totó. Depois, em 2015, ele encarou nove horas de avião até Orlando, nos Estados Unidos, onde a Macaca disputou um amistoso contra o Fort Lauderdale Strikers, com direito a goleada por 4 a 0. “Tirei o visto americano em 14 dias, foi um recorde”, ressalta.
“Irmão gêmeo” do Majestoso
Por uma dessas incríveis coincidências da vida, Totó nasceu em 13 de setembro de 1948, apenas um dia depois da inauguração do Estádio Moisés Lucarelli. “Eu sou irmão gêmeo do estádio, só que 12 horas mais novo, pois nasci às 6h10 da manhã e o jogo inaugural terminou por volta das 18h do dia anterior”, compara o orgulhoso Totó. Ele frequenta o Majestoso desde 1965, quando seu pai o levou pela primeira vez a um jogo contra a Portuguesa Santista. Foi o início de uma paixão que carrega há quase 56 anos.
O último jogo com presença de público no Brinco foi em 28 de fevereiro de 2020, no empate por 0 a 0 com o Água Santa, pelo Paulistão. Já a última vez que o Moisés Lucarelli recebeu torcedores foi no dia 12 de março, quando a Ponte bateu o Afogados-PE por 3 a 0, pela Copa do Brasil.
Em 1967, Totó tornou-se sócio do clube e, desde então, não perde praticamente nenhum jogo da Macaca disputado em Campinas e vai a todos que pode fora da cidade. “Em 1979, não pude ir a um Dérbi porque coincidiu com o batizado da minha filha. Ganhamos de 1 a 0”, relembra Totó, que ostenta orgulhoso o título de Cidadão Pontepretano.
Há pouco mais de um ano afastado das arquibancadas por conta da pandemia provocada pelo coronavírus, Totó tenta matar a saudade do Majestoso como pode. De certo modo, é até um privilegiado por poder apreciar os símbolos de seu clube quando tem vontade, graças a um enorme grafite feito no início deste ano dentro de sua casa, em Vinhedo. “Deu um problema no muro e chamei um amigo tatuador para fazer o desenho. Ele é um verdadeiro artista”, elogia Totó.