A história de Campinas deixou de ser contada pelos salões tradicionais do Restaurante Rosário, no Centro da cidade. As mesas ficaram vazias de memórias. Pelos corredores não passam mais os garçons e maitres que fizeram do lugar um ponto de lembranças. A comida, essa sim, ainda pode ser saboreada – mas apenas aos finais de semana, pelo sistema delivery ou de retirada no estabelecimento.
“Desde 1948 tornando seu momento mais especial” é a mensagem postada na página do Rosário nas redes sociais. Foram 75 anos de funcionamento presencial na esquina das ruas General Osório e Regente Feijó, até que, no segundo semestre de 2023, as portas principais baixaram. A princípio, como comentavam alguns clientes, para dar lugar à reforma do espaço. Mais de seis meses depois, o fechamento do atendimento à la carte descerra outra realidade.
O novo contexto desviou a atenção das mesas de toalhas brancas do Rosário, que por décadas serviram personalidades de Campinas e de fora. Figuras da política, do esporte e do cenário artístico e cultural, como o ex-jogador Pelé e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram alguns dos clientes do lugar.
Quem já esteve no Rosário, com certeza lembrará do alinhado maitre, especialmente atencioso a um pedido de sugestão do variado cardápio. Camarão à grega ou Saint Jacques, filé chateaubriand e filé mignon à vilalva. Também não podia faltar o couvert. Era um privilégio fazer parte do ritual.
Linha do tempo
A linha do tempo dos anos finais dos salões do Rosário é um acumulado de infelizes interseções. Euclides Pires Assis Junior, que assumiu o restaurante em 1967, faleceu em dezembro de 2020. No começo daquele mesmo ano, a Covid-19 impôs as primeiras medidas de lockdown. A economia começou a estremecer diante das restrições.
A pandemia foi devastadora para o setor de alimentação fora do lar. Também não dá para ignorar os impactos da degradação do Centro de Campinas. Os pratos elaborados, à base de frutos do mar e filés especiais, e a formalidade do serviço não condiziam mais com a frequência cada vez mais rala do comércio do entorno.
Comerciantes próximos do Restaurante Rosário apontam que a transformação do Centro de Campinas não perdoou nem a tradição. O cenário atual, acredita o proprietário de um estacionamento próximo ao estabelecimento, contribuiu para colocar um ponto final a uma referência da cidade.
“Essa região era movimentada, tinha muitos escritórios de advocacia por causa do Palácio da Justiça, o comércio central era valorizado e movimentado. Hoje a luta aqui é para sobreviver, da forma que der. É triste ver aonde as coisas chegaram”, diz, sem querer se identificar.
História
Na página do Rosário no Facebook, uma imagem dos tempos dos bondes faz referência à longevidade do lugar. O texto também conta como tudo começou. Relata que antes de chegar à General Osório, o Rosário era um quiosque na Avenida Francisco Glicério, ao lado da Igreja Nossa Senhora do Rosário, e chamava-se Abrigo.
Com a mudança para o endereço atual, o Rosário foi se adaptando aos tempos. Um dos salões virou pizzaria e área para happy hour, enquanto o outro se manteve fiel à formalidade. Sobretudo nos finais de semana, conseguir uma mesa demandava alguma paciência – que os clientes demonstravam ter por consideração à qualidade.
Desde o fim do ano passado, o ritual de sentar nos salões do Rosário é rememorado por quem pôde aproveitar a experiência. Parte da nostalgia ainda existe, entregue pelo delivery, expressão que há 75 anos, quando o restaurante nasceu, sequer existia. Os sabores continuam a contar a história do estabelecimento, só que agora somente aos sábados e domingos, das 10h às 15h.
O Hora Campinas procurou o proprietário do Rosário, mas não obteve retorno.