Único clube do Interior do País campeão brasileiro da Série A, feito conquistado em 1978, o Guarani completa 111 anos de existência neste sábado (2). A equipe, que sofreu com rebaixamentos no início deste século, voltou a se tornar figura carimbada no Campeonato Paulista da Série A1 nos últimos anos e sonha nesta temporada com o acesso à Primeira Divisão do futebol nacional, que bateu na trave em 2021.
Sinônimo de paixão para torcedores espalhados por Campinas e todo o Brasil, a história do Guarani começou em 1911, por meio de alguns adolescentes de classe baixa e média que tinham como sonho a fundação de mais um clube de futebol na cidade, além da Ponte Preta e de outras equipes que já existiam no município na época. Diante desse cenário, os amigos Pompeo de Vito, Vicente Matallo e Hernani Felippo Matallo passaram a conversar com amigos e parentes para que comparecessem a uma reunião, marcada para a Praça Carlos Gomes, no centro da cidade.
Jornalista e apaixonada pelo Guarani, Isabella de Vito foi a responsável por escrever a biografia de Pompeo de Vito, seu tio-bisavô e um dos líderes da fundação do Bugre. Ainda na adolescência, ele foi um dos mais fortes entusiastas da ideia de criar mais um clube em Campinas.
“Eu cresci sempre ouvindo da minha família que o Pompeo teve uma boa relação com o Moysés Lucarelli, de frequentar a casa, inclusive. Nessa época, já existia a Ponte Preta em Campinas e os clubes eram diferentes do que são hoje. Eram mais os jovens que faziam esses times para jogar na cidade. Só que o Pompeo e alguns amigos achavam que Campinas comportava outro clube para os campineiros terem mais uma opção e não precisarem torcer para os times de fora. A partir daí, surgiu a ideia de criar mais um clube, além da Ponte e dos outros que já existiam na cidade na época”, conta Isabella de Vito.
“O Pompeo tinha alguns amigos que estudavam no colégio que atualmente chama Culto à Ciência, mas na época tinha outro nome. Ele reuniu esse grupo de amigos para decidir pela fundação do Guarani. O Pompeo morava a poucos metros da Praça Carlos Gomes e os pais dele cederam a casa algumas vezes para reuniões entre os fundadores do clube”, acrescenta a escritora.
Naquela época, a Praça Carlos Gomes, situada na esquina das ruas Conceição e Irmã Serafina, não passava de um terreno cercado de palmeiras, sem jardins. Era comum jovens irem até o local jogar futebol. O nome Carlos Gomes foi uma homenagem de Campinas ao maestro e compositor campineiro Antônio Carlos Gomes, autor de óperas internacionalmente conhecidas, como II Guarany, baseada em um romance homônimo escrito por José de Alencar.
Em um sábado, dia 1º de abril de 1911, ocorreu a reunião da fundação do novo clube de Campinas com a presença de 12 jovens, sendo que dois eram italianos: Vicente Matallo, à época com 18 anos, e Antonio de Lucca, então com 16 anos.
Haviam outros nove filhos de imigrantes italianos, como Pompeo de Vito, à época com 15 anos, seu irmão Romeo Antonio de Vito, então com 16, Angelo Panattoni e José Trani, também com 16. Além deles, Luiz Bertoni, de 19 anos, José Giardini, de 18, Miguel Grecco, de 17, Julio Palmieri e Hernani Felippo Matallo, de 16. Alfredo Seiffert Jaboby Junior, de 18 anos, foi outro que participou da fundação, o único membro de família alemã.
“O Pompeo tinha um faro de administrador muito bom desde a adolescência. Foi o primeiro tesoureiro do Guarani, com o Matallo como o primeiro presidente. Foi Pompeo quem titulou as primeiras mensalidades para as pessoas pagarem. Podemos falar que hoje o Guarani é um clube porque ele começou tudo isso”, ressalta Isabella, sobre o tio-bisavô, que também foi presidente da Casa de Saúde de Campinas.
“O Pompeo fez as primeiras negociações para o Guarani ter um estádio, o Pastinho (localizado ao lado de uma rua de terra na travessa da Rua Barão Geraldo de Rezende, no bairro Guanabara). Ele sempre foi um administrador, apesar de não ter uma formação oficial. Sempre teve essas características, mesmo sem ter jogado futebol. Acho que ele é um dos únicos fundadores do Guarani que nunca jogou futebol. O irmão dele, o Romeo, chegou a jogar no Guarani no futebol amador e foi um bom jogador”, completa.
Após discussões para definir o nome do novo clube, foi aprovada a proposta de José Trani, que surgiu com a ideia de “Guarany Foot-Ball Club”, em homenagem à obra mais conhecida do maestro Carlos Gomes. As cores do clube foram compostas pelo verde e branco, que faziam alusão ao verde da Praça e à luz do dia que os iluminava, uma sugestão de Romeo de Vito, irmão de Pompeo. Foi estabelecida também uma mensalidade de 500 réis e eleita uma diretoria provisória, com Vicente Matallo como o primeiro presidente do clube e Pompeo de Vito como o primeiro tesoureiro.
Entretanto, ainda havia um detalhe, já que era 1º de abril de 1911, data que já era conhecido como o Dia da Mentira.
Com o objetivo de evitar piadas e brincadeiras, os fundadores do clube decidiram que a nova equipe de Campinas passaria a existir a partir do dia seguinte, registrando a data de fundação como 2 de abril de 1911.
Uma nova reunião foi realizada em 9 de abril para a instalação definitiva da associação, e o número de adeptos cresceu rapidamente. O local já foi uma ampla sala no Centro da cidade, cedida pela Sociedade Recreativa 7 de Setembro, e ali compareceram ao menos 21 pessoas. Posteriormente, ocorreu a eleição de uma diretoria definitiva, com mandato de um ano, e Vicente Matallo foi ratificado como o primeiro presidente do Guarani. Os cargos foram assim preenchidos:
♦ Presidente: Vicente Matallo
♦ Vice-Presidente: Adalberto Sarmento
♦ 1º Secretário: Raphael Iório
♦ 2º Secretário: Paulino Montandon
♦ Tesoureiro: Pompeo de Vito
♦ 1º Capitão: Luiz Bertoni
♦ 2º Capitão: Francisco Oliveira
♦ 1º Fiscal de Bola: Antonio de Lucca
♦ 2º Fiscal de Bola: José Trani
♦ Procurador: Aurélio Rovere
Em poucas semanas, foram elaborados os primeiros estatutos. Ao mesmo tempo, outro grupo conseguiu junto à Prefeitura Municipal de Campinas a concessão de uso de um terreno de terra batida, na confluência das ruas Francisco Theodoro e Dr. Salles de Oliveira, no bairro Villa Industrial. Ali se instalou o primeiro campo para treinos e jogos, confeccionando as traves com bambus, antes da construção do estádio do Pastinho. No dia 23 de abril de 1911, foi realizado o primeiro treino entre dois times formados por associados do Guarany Foot-Ball Club, no chamado Ground da Villa Industrial.
Dois anos depois da fundação do Guarani, Pompeo de Vito ocupou, pela primeira vez, o cargo de presidente do clube. Primeiramente, ao lado de Vicente Matallo e Mário Branco de Godoy. Depois, em 1914, junto com Antonio de Sousa Letro. Sozinho, comandou o clube entre 1915 e 1917. Também foi o mandatário em 1918, ao lado de Armando Sarnes.
Do início à glória máxima
Os anos passaram e o Guarani foi se consolidando, aos poucos, como um clube importante do estado de São Paulo e do Brasil. Do início no campo na Vila Industrial, a equipe passou a jogar no estádio do Pastinho, até que foi construído o imponente Brinco de Ouro da Princesa,casa do torcedor alviverde desde o dia 31 de maio de 1953.
“Depois que o Guarani se profissionalizou, o Pompeo se afastou da parte administrativa do clube. Ele continuava frequentando o Pastinho e posteriormente o Brinco de Ouro, como torcedor mesmo, e a torcida tinha um carinho muito grande. Ele sempre foi muito querido, sempre era muito bem recebido e isso fazia muito bem para ele. O Guarani estava entrando no momento da profissionalização e ele sentia que não era mais tão necessário. A missão dele com o clube estava cumprida. Ele virou um torcedor mesmo”, explica Isabella de Vito.
A construção do Brinco de Ouro da Princesa foi importante para o crescimento do clube, até que em 1978 a equipe atingiu a glória máxima ao vencer o Palmeiras por 1 a 0, em casa, com estádio lotado, e se consagrar como o primeiro e único time do Interior a conquistar o título de campeão do Campeonato Brasileiro da Série A, com uma geração de craques como Careca, Zenon, Bozó, Renato e Capitão.
Longe da política alviverde, Pompeo de Vito assistiu da sua própria residência a maior conquista da história do Guarani. Na época com 82 anos, ele foi um dos poucos fundadores do clube que ainda estava vivo para acompanhar o título. Calmo e sereno, viu esse momento como a realização de um sonho da sua vida.
“No dia em que o Guarani foi campeão, a minha mãe estava no Brinco de Ouro e, assim que acabou o jogo, ela saiu do estádio e foi para a casa do Pompeo para ver a reação dele. Ele era uma pessoa muito calma, isso era uma marca dele. Ele ficou muito feliz no dia do título, mas o pessoal conta que quando ele estava assistindo ao jogo, sempre pedia calma, meio que jogando a responsabilidade para o Palmeiras e também para não ficar muito frustrado se o Guarani não conquistasse o título”, pontua Isabella.
“Um momento que me contam e marcou muito foi que o Pompeo pediu calma quando a minha mãe chegou na casa dele feliz com o título brasileiro. Ele estava muito feliz, mas se manteve calmo, acalmando a minha mãe. Ele meio que acalmou todo mundo. Foi o ápice da realização do sonho dele a conquista do título”, destaca.
Após a conquista nacional, o Guarani disputou a Libertadores da América em 1979 e por pouco não ficou com a taça. O time campineiro foi eliminado na semifinal pelo Olimpia, do Paraguai, que posteriormente acabou campeão continental.
Pompeo continuou acompanhando as partidas do Bugre como um torcedor apaixonado até 1985, quando acabou falecendo no dia 1º de maio.
“O Pompeo não dirigia, não gostava muito de carro, mas sempre morou perto do Brinco e ia a pé até o estádio. Enquanto ele teve condições de ir ao Brinco, continuou indo. Tinha um primo do Romeo que morava em São Paulo, sempre vinha a Campinas e passava para buscar o Pompeo para ir ao jogo. O Pompeo faleceu depois de escorregar e bater a cabeça quando estava indo para a Casa de Saúde. Ele morreu com mais de 90 anos, estava lúcido, andava e foi ao Brinco até o final da vida”, finaliza Isabella.
(Com informações extraídas do site oficial do Guarani Futebol Clube)