Imagine-se na seguinte situação: você abre os olhos e vê que está numa sala grande com paredes brancas. Seus olhos percorrem aquele local desconhecido até se demorarem nas diversas válvulas grudadas às paredes, com saídas para alguma coisa que você não sabe dizer ao certo. Então você percebe um som agudo, compassado, que apita a cada segundo. Os pelos do seu braço arrepiam pelo frio da sala, ainda que os cobertores macios cubram suas pernas esticadas sobre a cama regulada numa posição confortável. Ao seu lado, um suporte de metal fino se ergue com ganchos em que uma bolsa de plástico repleta de um líquido incolor permanece inabalável, como se aquele líquido não fosse acabar nunca.
Cada gota cai lentamente dentro do frasquinho transparente, que está pela metade, ainda que pareça interminável. Essas gotas descem uma a uma pela cânula fina, longa e chegam até sua mão. Ele arde um pouco, às vezes, mas você aguenta, pois aquele desconforto não se compara à dor que o acometera antes de sua chegada ali. Você percebe que a cama em que está – ou melhor, a maca – pode ser regulada por um controle branco, cheio de botões, que se encontra acoplado num pequeno suporte ao lado de sua cabeça. Usado a mão livre do acesso intravenoso, você alcança esse controle com certa dificuldade e ajusta a melhor posição para suas pernas, tronco e para a cabeça. Agora, um pouco mais confortável, você deixa seus olhos vagarem novamente pela sala e vê mais pessoas deitadas em macas parecidas com a sua, ao lado das quais alguns aparelhos fazem barulhos estranhos, como se estivessem enchendo e esvaziando bexigas com compressores constantemente.
Este som é quase hipnotizante, um compasso fixo, enchendo e esvaziando lentamente. Respiradores mecânicos – o nome vem à sua mente, sem que você procure por ele. Após alguns minutos – ou passaram-se horas? Você não sabe dizer ao certo, mas logo nota algumas pessoas vestidas de jalecos de diferentes cores aproximando-se do seu leito. Aquelas com jalecos cor de rosa aferem sua pressão, conferem sua frequência respiratória, verificam a temperatura e o quanto de oxigênio tem em seu sangue por meio de um aparelhinho desconfortável que você ainda sente prender a ponta do seu dedo mesmo após retirá-lo. Elas então perguntam se você sente alguma dor e você apenas balança a cabeça, olhando de soslaio para a medicação.
Em seguida, outras pessoas – agora usando jalecos azuis – se aproximam com um sorriso simpático e ajudam você a se posicionar no leito, arrumam as cobertas, inspecionam a bolsa de medicamento pendurada ao seu lado e regulam o cair das gotas para que o façam um pouco mais depressa. Você está grato, pois pensou que aquelas gotas nunca fossem terminar de cair. Em seguida, estas pessoas trazem uma bandeja com alimentos balanceados e não muito apetitosos, os quais, no entanto, segundo uma jovem que também usava um jaleco diferente e levava consigo uma prancheta onde anotava informações de cada alimento, eram os indicados para sua recuperação. Outras pessoas, você nota com interesse, frequentemente percorriam aquele local recolhendo os lixos e limpando o chão com produtos de um cheiro característico, não o mais agradável, mas que indiscutivelmente remetia à limpeza.
Então você vê uma pessoa caminhar por entre os leitos regulando o respirador mecânico, conversando com os pacientes e incentivando-os a fazer alguns movimentos. Quando esta pessoa vem até você, sua curiosidade está aguçada. Isto porque você reconheceu o médico que acompanhara seu caso – sempre rodeado por seus residentes de olhares aguçados, a nutricionista, os enfermeiros, os auxiliares de enfermagem e os profissionais da limpeza que, trabalhando em conjunto, cuidavam do funcionamento daquele hospital, mas logo você percebe – antes mesmo que ouvi-lo se apresentar – que aquele é o fisioterapeuta que o auxiliará em sua recuperação.
Ele se apresenta, pergunta se você está bem, como passou a noite e solicita, então, que tente fazer alguns movimentos. Ele te orienta com calma e atenção, como havia feito com os outros pacientes instantes atrás, pede que você respire de outra forma, estimula você a se levantar e se sentar no leito e, depois, a descer da maca para se sentar na poltrona ao lado. Você se sente mais calmo com esta intervenção, cansado, sim, mas também mais disposto.
Feliz por ver seu corpo reagir às instruções do fisioterapeuta, satisfeito com a alimentação balanceada que a nutricionista cuidou para que você recebesse, confortável com a medicação que a enfermagem administrou em sua veia e mais sereno ao se ver rodado por aquele ambiente limpo e meticulosamente cuidado. Horas depois, quando o médico se aproxima e comenta sobre seus exames, seu prognóstico e previsão de alta, você pensa em cada um daqueles profissionais e na importância de todos eles para o funcionamento do mecanismo chamado “saúde”.
Na verdade, você pensa apenas na hora de ir embora, mas este texto serve para ressaltar os outros pontos que você, talvez, deixou passar ao se despedir agradecido de todas as pessoas que estiveram com você ali. Em que pese a narrativa apresentada possa – sem qualquer intenção – dar destaque ou deixar de lado alguns profissionais importantes, seu intuito foi unicamente trazer à luz a importância de uma equipe multidisciplinar dentro de um hospital e, por que não dizer, dentro da área da saúde como um todo. Isto porque uma equipe multidisciplinar conta com profissionais que, ao exercerem sua função específica, compõem o cuidado minucioso de um paciente, o qual seria impossível ser exercido por apenas um profissional – por mais capacitado que este o fosse.
Cada profissional tem sua função para cuidar de um paciente. No cenário apresentado, todos os profissionais precisam ser devidamente registrados em seus órgãos de classe para atuarem ali. Estes profissionais precisam ser especializados no assunto de sua atuação e tudo o que fazem é registrado num prontuário único. Portanto, toda conduta ali deve ter embasamento científico prévio, não abrindo espaço para técnicas pseudocientíficas. Afinal, você, acamado num hospital, certamente não gostaria de ser alvo de qualquer conduta senão aquela comprovadamente eficaz para o seu problema.
Um cenário que retratou bem a importância da multidisciplinariedade foi a fase mais aguda da pandemia de Covid-19, na qual os fisioterapeutas especializados em fisioterapia respiratória foram de suma importância para os acometidos pela doença, uma vez que a responsabilidade técnica de regulagem de respiradores mecânicos, ou de assistência ventilatória não invasiva, é habitualmente do fisioterapeuta. Além disso, ainda que em regime ambulatorial, os acometidos pela doença precisaram de acompanhamento desses profissionais para a reabilitação respiratória.
Importante enfatizar que, todos os profissionais da saúde e trabalhadores dos hospitais tiveram fundamental importância no enfrentamento desta pandemia.
A pandemia da Covid-19 trouxe novos e dramáticos desafios, como o elevado número de mortes, questões econômicas de perdas financeiras, incertezas futuras, medo de contrair a doença ou de que alguém próximo a contraísse, medidas de distanciamento social e desencontros de informações. Estes fatos, geraram danos à saúde mental com crises de ansiedade e depressão na população de modo geral (1). Assim, o psiquiatra e psicólogo de suma importância para avaliar e traçar as melhores condutas para esse tipo de complicação. Em ambos os exemplos, a atuação do médico e de toda equipe hospitalar foi essencial, trazendo ao paciente benefícios pela intervenção específica. Quanto mais informações se têm sobre as áreas da saúde, mais confiança na indicação dos profissionais.
A multidisciplinariedade e o multiprofissionalismo são e serão fundamentais para o melhor cuidado à saúde e seus desafios.
(1)- Pfefferbaum B, North CS. Mental Health and the Covid-19 Pandemic. N Engl J Med. 2020 Aug 6;383(6):510-512. doi: 10.1056/NEJMp2008017. Epub 2020 Apr 13. PMID: 32283003.
Carmino Antonio de Souza é professor titular da Unicamp. Foi secretário de saúde do estado de São Paulo na década de 1990 (1993-1994) e da cidade de Campinas entre 2013 e 2020. Atual secretário-executivo da secretaria extraordinária de ciência, pesquisa e desenvolvimento em saúde do governo do estado de São Paulo.
Bruno de Paula Leite Arruda, fisioterapeuta do Instituto Wilson Mello de Campinas e CineticsPhysio, membro do grupo de cirurgia de quadril e pelve da PUCC e especialista em dor crônica.