Chegando à vigésima segunda edição, apesar da queda considerável de audiência em comparação à década passada, o reality show que se autoproclama o mais famoso (e vigiado) do Brasil continua pautando discussões e ocupando grande parte da agenda televisiva no país, repercutindo, também, nas redes sociais e conversas de boteco.
O que muita gente não compreendeu, ainda, é que, como qualquer outro reality show, o programa apenas simula interações espontâneas entre participantes que são, a grosso modo, atores e atrizes seguindo um roteiro flexível que tem por finalidade produzir audiência e, de quebra, influenciar espectadores a uma série de comportamentos – que vão desde o consumo de determinados produtos e serviços até a formação de opinião e adoção de posicionamentos sobre temáticas de interesse dos patrocinadores e anunciantes do programa. Nada, ali, é real, exceto a influência sobre padrões de comportamento de quem se envolve nas tramas pré-fabricadas.
É justamente por essa dissimulação das reais intenções políticas por trás do espetáculo que se produz e se fortalece a partir dele uma antipolítica, ou seja, um sentimento de rejeição e desprezo pela discussão política pelas vias democráticas e institucionais, substituída por especulações que giram em torno de simulações de conflitos, debates e discussões determinadas por grupos que lucram ao influenciar e controlar a opinião pública.
A gigantesca diversidade de ideias, opiniões, olhares, vivências, necessidades e possibilidades de uma população complexa, repleta de contrastes e contradições, mas também de empatia e solidariedade, acaba reduzida à atuação de personagens rasos e genéricos, caricaturas que polarizam alguns temas envolvendo tabus e tendências em alta, esvaziando lutas populares resumidas a um concurso tosco de popularidade que condiciona as pessoas a pensar com o fígado e enxergar a sociedade como uma luta infantil entre vilões e mocinhos, o bem e o mal.
Enquanto longas (e desnecessárias) análises são fabricadas por “especialistas” sobre a conduta de personagens fictícios que simulam a vida real, a verdadeira política do BBB (do Boi, da Bala e da Bíblia) segue massacrando populações socioeconomicamente vulneráveis, devastando ecossistemas inteiros, aprofundando desigualdades, destruindo direitos e garantias sociais – inclusive de quem, muitas vezes, segue espectador, passivamente enganado pela sensação de só poder interferir numa realidade intangível, e não na sua própria.
E não é de hoje que essa tendência tão nociva ao exercício democrático se faz presente. Nas últimas eleições presidenciais, por exemplo, ficou ainda mais nítido o discurso de aversão à discussão política e a prevalência de uma análise superficial em relação a candidatos e candidatas, considerando decisivos critérios como “afinidade” ou um juízo moral enviesado com relação à personalidade de presidenciáveis ao invés de uma análise séria de planos de governo, projetos e políticas públicas para o Brasil.
Enquanto aprende a julgar quem está na vitrine dos realities, desconsiderado o que acontece nos bastidores do show, grande parte do eleitorado brasileiro parece sentir-se bastante confortável negligenciando a importância decisiva de renovar e fiscalizar o poder legislativo, elegendo um Congresso (Senado e Câmara) verdadeiramente representativo e comprometido com as demandas populares.
Discutir questões como essa, aliás, parece muito menos interessante do que engrossar uma militância virtual pautada por cancelamentos, lacração e imediatismo.
Não à toa, mesmo após um golpe antidemocrático e uma radical guinada da presidência da República da esquerda à direita, é o mesmo centrão que, por trás das cortinas, continua, há décadas, controlando o país através de negociatas e acordos questionáveis em favor de grupos dominantes que se beneficiam com a pobreza, lucram com o desemprego, apoiam o desmatamento, incentivam a violência e se mantém no poder graças à alienação da população. Será que chegará o dia em que opressores, corruptos e exploradores irão para o paredão?
Luis Felipe Valle é professor universitário, geógrafo e mestre em linguagens, mídia e artes