O conceito de insegurança é uma forma usada para entender uma série de crises contemporâneas, explorando tanto a psicologia quanto a política do nosso momento. Isto é, as muitas maneiras pelas quais tentamos nos deixar mais seguros ao mesmo tempo que reforçamos a segurança em nossa sociedade — via dinheiro, propriedade, posses, polícia ou militares etc. — têm efeitos paradoxais, que acabam por minar a própria segurança que buscávamos e aceleram os danos causados à economia, ao clima e à vida das pessoas.
A maioria dos brasileiros está endividada. Estamos falando de pessoas que têm patrimônio líquido negativo, que são pobres. Mas apenas se livrar da dívida não fornece segurança no nosso sistema atual, você pode finalmente sair de um buraco financeiro, para em seguida ficar absolutamente depauperado por conta uma crise médica ou uma perda de emprego, ou qualquer outra despesa imprevista. Por exemplo, tenho amigos que são médicos excepcionais e não têm dinheiro para comprar remédios necessários para controlar problemas que os afligem, alguns causados apenas pela idade.
Estou realmente preocupado com a interseção entre o emocional e o econômico, entre os efeitos psicológicos e políticos. Há a insegurança habitacional, a insegurança empregatícia, a insegurança ecológica e a insegurança alimentar, além de outros termos usados por sociólogos que têm também sua existência material.
O fato de a ideia de insegurança ter essa dualidade, existir no âmbito emocional e ter seu efeito real, me preocupa. A insegurança nos aflige a todo momento, é exacerbada, por exemplo, durante crises como os conflitos na Ucrânia e em Israel.
“Insegurança” é um termo que convida à solidariedade em vez de divisão, disputa. Mas o que estamos vendo é o contrário, nós estamos enfrentando forças entrincheiradas e incrivelmente poderosas que estão causando enormes danos ao mundo. Para ter alguma esperança de se mobilizar contra as instituições que estão investindo em lucrar com a destruição do nosso planeta, teremos que construir um movimento de massa formidável. Precisamos de todos. O importante no conceito de insegurança é que ele nos dá uma base para encontrar pontos em comum, para construirmos um espaço em que a ação coletiva possa surtir algum efeito.
Enquanto a desigualdade nos incentiva a olhar para os extremos — pensar em bilionários contra os bilhões de pessoas que têm muito pouco —, a insegurança nos encoraja a olhar para os lados e ver o que podemos ter em comum com as outras pessoas, mesmo que essas pessoas tenham um pouco mais que nós, ou até muito mais do que nós.
A desigualdade é um tema absolutamente importante. Mas quando você percebe que até mesmo a pessoa que consegue sair de uma dívida esmagadora e juntar dinheiro para dar entrada em uma casa própria não pode descansar dada a maneira como a economia está estruturada. A insegurança impede a tranquilidade, esse sentimento é comum em todos porque é justamente o que nos mantém sob essas estruturas.
E é preciso notar que temos também a insegurança ecológica, uma ameaça constante de que nosso planeta pode deixar de ser habitável. Como ter segurança habitacional quando sua propriedade corre risco de inundar?
Além disso, enfrentamos inseguranças constantes no emprego, podemos ser descartados, trocados e ter os direitos arrancados. Até a segurança de aposentadoria corre riscos.
Hoje, poucos pensam nos outros. O que é compreensível porque todos estão lutando por si mesmos. Temos de lutar por nossas vidas, mesmo que sejamos relativamente privilegiados, afinal estamos todos vivendo em um planeta em chamas e se pensarmos não existe fora, é tudo dentro, tudo que afeta o outro pode de alguma forma nos afetar. Por isso é preciso reconhecer a insegurança que compartilhamos em comum.
A insegurança não é nem nunca será um tema fácil, mas acredito que muito desse debate será útil.
Infelizmente, agora está mais complicado.
Luis Norberto Pascoal é empresário, empreendedor e incentivador de projetos ligados à educação e à sustentabilidade. A Fundação Educar Dpaschoal é um dos pilares de seu trabalho voltado ao desenvolvimento humano e social.